quarta-feira, 19 de setembro de 2012

As Fantásticas Histórias do Doutor Batérico



Prédio onde ficavam os transmissores da Ceará Rádio Clube
Em outubro de 1941 a Ceará Rádio Clube (PRE-9) mudou-se das Damas (Avenida João Pessoa) para o Edifício Diogo e os transmissores foram para a Rua Senador Pompeu esquina com uma rua de um só quarteirão, sem denominação. Depois de vários anos lá, mudou-se, em 1960 para a Estância (hoje Dionísio Torres) e o terreno dos transmissores foi vendidos. A rua sem denominação passou a chamar-se Rua PRE-9.


Em fins da década de 1950, as noites domingueiras da Ceará Rádio Clube (PRE-9) eram lideradas por alguns programas  bastante populares e de forte audiência. Um desses programas era intitulado Eles Fazem a Cidade, que fazia tanto sucesso que não tinha hora para acabar.
Eles Fazem a Cidade buscava por tipos especiais, que por suas excentricidades, seu comportamento exótico ou curioso, conquistavam espaço e popularidade no meio em que viviam. Era o caso de Dalila, uma velhinha simpática que, por esclerose ou outra patologia qualquer, dizia-se deputada estadual, frequentando normalmente as sessões de Assembleia Legislativa, como se fosse dona de um mandato popular. Dalila foi ao programa e falou por mais de uma hora sobre suas atividades políticas. 

 Edíficio Pajeú para aonde a PRE-9 mudou-se em 1949

Sucesso, porém, obteve José Teodorico, o célebre Dr. Batérico, emérito contador de histórias fantásticas, todas produto de sua fértil imaginação, a par de uma capacidade incomum de narrar com detalhes, fatos que, em determinados momentos, chegavam a convencer.  Noutros, as histórias eram tão absurdas, que logo deixavam claro a arte que o Dr. Batérico exercia com raro talento:  a de contar lorotas.
Figura conhecida, nascida na classe média das primeiras décadas do século passado, Batérico era mecânico de velocimetros, proprietário de uma oficina localizada na Rua Meton de Alencar, próxima a Faculdade de Direito. Lembrando seus dias de artista do velho Centro Artístico da Avenida Tristão Gonçalves, Batérico tocava piano no programa Coisas que o Tempo Levou, comandado por José Limaverde.  

 os programas de auditório eram as maiores atrações das emissoras de rádio da época

Pianista de ouvido, capaz de executar com certa graça algumas peças populares, a imaginação criadora de Batérico concebeu a história de que, antes da Segunda Guerra Mundial, em andanças pela Europa (o mecânico/pianista  nunca saiu de Fortaleza), chegou à Roma e fez amizade com o ditador fascista Benito Mussolini, a quem, assegurava, dera aulas de piano.
Como especialista em mecânica automotiva, viu-se transformado em mestre do volante, ensinando a ninguém menos do que a Francisco Franco, o ditador espanhol. E foi amigo de Stalin, com quem costumava beber cachaça, nas noites geladas de Moscou, em pleno Kremlin, cachaça levada do Ceará, muito apreciada pelo líder russo.
Pontilhado de conversas assim, o programa com o Dr. Batérico invadiu todos os horários, com os ouvintes lembrando por telefone, essa ou aquela história famosa que já ouvira do pianista, como a do disco-voador que sofreu uma pane em Fortaleza. Incrível – informava Batérico ao microfone – mas a Base Aérea mandou chamá-lo em casa, com urgência e em absoluto sigilo, para tirar a nave espacial do “prego”.   
Os detalhes eram simplesmente sensacionais. O tamanho gigantesco de uma chave de fenda de que só ele dispunha; a altura dos tripulantes da nave que, para serem ouvidos, exigiam a colocação de um cavalete para atingir a sua cabeça. Havia ainda uma “Luana” (os tripulantes eram da Lua e não de Marte, eternos suspeitos dessas visitas intergalácticas), de tamanho descomunal que, ao dar-lhe um beijo de agradecimento quando da conclusão do trabalho, quase o esmaga com a força dos braços.
As risadas ecoavam por toda a Fortaleza naquela noite. Batérico dominava a audiência num show de potocas inéditas e extremamente cômicas. Um sucesso inesquecível. 

extraído do livro de Blanchard Girão
"Sessão das Quatro"  cenas e atores de um tempo mais feliz

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