sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

A Primeira Cadeia Pública de Fortaleza

Em maio de 1835, o presidente da província Martiniano de Alencar, criou a Casa de Correção, acatando sugestão da Assembleia provincial. O estabelecimento deveria funcionar como uma espécie de cadeia, onde os presos prestariam serviços à comunidade. Apesar de dispor de mão-de-obra barata e utilizar o trabalho como forma de controle social, a referida Casa de Correção apresentava, por ocasião de sua criação, um sério problema em seu edifício, uma vez que a edificação não havia sido projetada para esse mister. Como solução para o problema, o administrador sugeria uma ampliação. Quatro anos após a sua inauguração, em 1839, o problema persistia, o próprio presidente da província reconhecia sua inadequação, aliada ao fato de estar localizada no Centro da Cidade e sem as comodidades próprias.



O sobrado onde funcionou a Casa de Correção e a Câmara Municipal (Casa de Câmara e Cadeia), foi erguido em 1825 por Francisco José Pacheco de Medeiros sendo o primeiro imóvel de tijolo e telha a levantar-se em Fortaleza. Em 1831 a Câmara comprou o prédio mudou-se para a nova sede em 1833. Mais tarde, com a saída da Casa de Correção, o prédio foi ocupado pela Intendência Municipal. Foi demolido em agosto de 1941, juntamente com todo quarteirão que ficava entre as ruas Major Facundo, Pará, Floriano Peixoto e Guilherme Rocha, na Praça do Ferreira.

Mas cumpria sua função de cadeia: nesse mesmo ano a Casa de Correção contava com 31 detidos, entre eles seis mulheres e dois escravos presos a pedido de seus proprietários até encontrarem compradores. Também figuraram entre os presos dois “filhos-família” (indivíduo, geralmente adulto, descendente de família abastada e financeiramente sustentado por ela. Era uma expressão bastante usada em documentos oficiais da época),um em 1836 e outro em 1838. Apesar de precária, a Correção não deixava de receber pessoas de diferentes origens, de sexos variados, de escravos a filhos-família. 


Entre 1° de abril e 30 de junho de 1841 foram relacionados 18 presos na Casa de Correção de Fortaleza. Dos detidos, oito eram mulheres. Entre as condenadas, sete foram julgadas por assassinato e uma por causar ferimentos, um forte indício de que a violência não era exclusividade masculina. As viúvas eram seis, todas acusadas de assassinato. Todas as mulheres também foram classificadas como “sem ofício”, evidenciando uma classificação administrativa que apartava a mulher de trabalhos reconhecidos institucionalmente como tais.

O número significativo de mulheres alertava para a necessidade de espaços específico para elas. Detentas sem marido e com dificuldades para produzir suas próprias receitas aumentavam as despesas da Correção, e ao mesmo tempo serviam como interessante mapeamento da violência cotidiana no Ceará: estas mulheres poderiam ser mais que vítimas, também poderiam ser agentes. Em relação as despesas, curiosamente quatro mulheres traziam para a Correção uma receita. A origem desse capital era imprecisa, talvez fosse fruto de trabalhos desenvolvidos dentro da prisão ou de ajuda de familiares. O fato de as presas – com uma exceção – não terem marido poderia significar que as suas vítimas foram seus próprios maridos, ou que a ausência da figura masculina expunha as mulheres a situações mais conflituosas.

Entre os demais condenados, nove respondiam por assassinato e um por estupro. Esse perfil inicial dos presos evidenciava a complexidade das relações travadas no espaço da Casa de Correção, principalmente por uma prisão que abrigava presos de ambos os sexos, com forte inclinação a violência. Estes homens, pela debilidade da edificação, acabavam convivendo proximamente com as presas. Traziam no rol dos crimes cometidos e nas penas imputadas (entre seis e vinte anos de prisão) um estigma social.

A naturalidade dos condenados era diversa, havia gente do Rio Grande do Norte, de Icó, de Sobral, de Aracati, do Crato, e outras localidades. Essa variedade poderia decorrer em razão da atração exercida por Fortaleza em relação a população de outras vilas e cidades, o que intensificava o fluxo de pessoas de várias origens na Capital. Também podia significar que os condenados de outras localidades fossem mandados para Fortaleza na esperança de encontrarem uma melhor opção de reclusão e correção.

A existência entre os condenados de ofícios que fossem reconhecidos pelos administradores provinciais já seria alvo de preocupação em 1835, por ocasião da inauguração da Correção. O trabalho emergia como possibilidade de readequação social e aumento das receitas da cadeia. Assim, em 1841, os ofícios que mais apareciam entre os prisioneiros eram os de carapina, de sapateiro e ferreiro. Ao lado do ofício aparecia a despesa do preso e a receita por ele produzida. Todos os presos que traziam receita para a instituição cobriam suas próprias despesas e geravam um saldo extra. Dos sete condenados que apresentaram receita, três eram homens: dois carapinas e um ferreiro. 

Os motivos da preocupação com a obtenção de receitas para a Casa de Correção eram simples: os recursos da província eram escassos, não havendo verbas suficientes para construir ou reformar prisões. Assim, até o salário do inspetor fora reduzido, a fim de ficasse assegurado, pelo menos, o vestuário e a alimentação dos presos. 
Em 1843 as limitações continuavam e a Correção foi mais uma vez classificada como imprópria para suas funções, o que tornava urgente a reforma do espaço. As mudanças não seriam de grande vulto, seriam basicamente às divisões internas das celas e reparos com caráter de conservação. Mais as tais pequenas alterações ainda teriam que esperar, pois pelo orçamento de 1843, a verba destinada aos reparos das cadeias provinciais, fora utilizada em outras coisas consideradas mais urgentes.

A Casa de Correção estava situada na Rua da Pitombeira (atual Floriano Peixoto), defronte a casa do comendador José Antônio Machado, que fora vendida em 1847 para o governo provincial, e passou a abrigar o quartel de polícia da Capital. A presença desse destacamento em frente a prisão tinha também a intenção de garantir maior segurança contra a fuga de presos e diminuir o gasto com vigilância.



O edifício onde funcionou o Quartel da Polícia, e mais tarde o Café Riche e o Hotel Central, (ambos instalados em 1913), era o sobrado mandado construir em 1825, pelo Comendador José Antônio Machado, na esquina das Ruas Guilherme Rocha com Major Facundo. A construção do sobrado derrubou um mito: na época existia a crença de que aquelas areias frouxas, no solo arenoso de Fortaleza não suportaria uma construção com mais de um pavimento, razão pela qual a decisão de construir foi considerada temerária; até os pedreiros se mostravam receosos, mas foram obrigados a levantar a obra com o auxílio dos presos da Cadeia do Crime. O sobrado foi demolido em 1927, quando já se encontrava na posse e domínio do capitalista Plácido de Carvalho, que ergueu no local o Excelsior Hotel. 

Em 1848 também era denunciada a fragilidade da casa do Comendador para abrigar o quartel. Principalmente devido à ausência de uma enfermaria, de um lugar seguro para guardar as armas e de uma prisão segura para os soldados. O quartel, tal e qual a Casa de Correção, precisava de reformas, o que não era possível devido a exiguidade dos recursos e a existência de outras prioridades.


A antiga Cadeia Pública, que sucedeu a Casa de Correção, foi projetada em 1850, levando cerca de 16 anos para ter suas obras concluídas, em 1866. Localizado no centro, na Rua Senador Pompeu, 350, hoje abriga o Centro de Turismo do Ceará.

Em 31 de dezembro de 1849, foram alocados recursos para o início da construção de uma nova Casa Penitenciária. Mas enquanto o novo estabelecimento não era construído, foram feitos alguns reparos emergenciais na Casa de Correção. Até 1850 a situação do prédio público ainda era precária, devido principalmente, a falta de recursos que dificultavam investimentos na infraestrutura da cidade.

Extraído do livro
Entre o Futuro e do Passado – Aspectos urbanos de Fortaleza (1799-1850) Antônio Otaviano Vieira Jr.
fotos: do arquivo Nirez e postais antigos


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