segunda-feira, 2 de setembro de 2024

A Praça do Ferreira no Tempo do Café Java

 

Praça do Ferreira atual

Os cafés eram uma tradição do centro da cidade: ponto de encontro de intelectuais, poetas, seresteiros e da população masculina em geral. Não era um espaço destinado às mulheres. Nos cafés se debatiam os assuntos que impactavam a cidade, os acontecimentos políticos e sociais, os últimos lançamentos literários, e até assuntos menos nobres, como a vida alheia. As vezes se acertavam diferenças e se confrontava as divergências. Servia-se café, aluá, licor, cachaça, vinho, refresco, caldo de cana, e o que mais fosse procurado.

Os cafés da Praça do Ferreira foram uma espécie de precursores desse tipo de ambiente eclético. Eram quiosques de madeira artisticamente trabalhada, ocupavam os quatro cantos da Praça do Ferreira e foram construídos em fins do século XIX. 


Café Java, famoso pelo proprietário Mané Coco e pela Padaria Espiritual

O pioneiro foi o Café Java, localizado na esquina noroeste da praça, famoso por ter acolhido a Padaria Espiritual, grupo de intelectuais de caráter inovador, organizado sob o comando do poeta Antônio Sales em 1892. Seu primeiro proprietário foi Manuel Ferreira dos Santos, vulgo Mané Côco, aracatiense emigrado para a capital. Naquele tempo, Mané Côco era o tipo mais singular de Fortaleza, alvo de imensa popularidade. Antônio Sales dizia sobre o dono do Java que, se estivesse em Paris, ele estaria a frente de um dos famosos cafés excêntricos de Montmartre. O Java passou depois para a propriedade de Ovídio Leopoldino da Silva e esteve durante algum tempo aos cuidados de Antônio Silva Lima, pai do escritor cearense Herman Lima.

Decorridos em torno 5 anos da construção do Java, outros dois quiosques foram levantados na Praça do Ferreira com autorização da Câmara Municipal. Seu construtor o negociante Pedro Ribeiro Filho subsidiou as obras com a condição de explorar o comércio por 10 anos, sem isenção de impostos e com sua entrega, findo o prazo, ao patrimônio do município. Estes quiosques foram batizados de Café do Comércio, e Café Elegante.

O Café do Comércio era o maior deles e pertenceu inicialmente a José Brasil de Matos, e depois passou por inúmeros donos. O Café Elegante, assobradado como o do Comércio teve várias denominações e foi também propriedade de diversos. Havia ainda no canto sudeste da praça, o Café Iracema, o mais procurado como casa de pasto.  Pertenceu a Antônio Teles de Oliveira e também passou por diversas mãos.


Café do Comércio  


Café Elegante - ao fundo o Cine Majestic


Café Iracema


Esses quiosques foram preservados pelo intendente Guilherme Rocha quando, no início do século XX, em 1902, embelezou a praça do Ferreira convertendo o logradouro num jardim. A parte mais central do quadro cercado de gradis, e no interior, floridos e belos canteiros cercados de bancos. Ao redor do vasto piso de cimento róseo, nos quatro lados, uma série de frades de pedras de lio.

Os cafés ganharam vida e puderam estender suas mesas e cadeiras ocupando uma área maior. A essa área cercada e ajardinada recebeu o nome de Jardim 7 de Setembro, inaugurada solenemente na data comemorativa dos oitenta anos da Independência do Brasil. No lado sul, entre os Cafés Elegante e Iracema, erguia-se um belo chafariz com quatro torneiras. No centro, um catavento puxava água para um depósito que abastecia oito tanques destinados à manutenção dos canteiros, situados nas partes em que se dividia o trecho central, cercado de gradis, cortados por dois passeios em forma de cruz, em cujas extremidades havia quatro portões de ferro.


Jardim 7 de setembro, inaugurado em 1902

Vinte e oito lampiões a gás iluminavam o jardim interno, enquanto fora deste mais vinte combustores clareavam toda a praça. Os quiosques concorriam para melhorar a claridade do ambiente, e consequentemente uma maior circulação dos pedestres. Este movimento cresceria com a inauguração do Cine Polytheama em 1910, dos bondes elétricos em 1913 e do Cine Majestic, 1917. A Praça do Ferreira nesse período tornou-se o lugar mais frequentado da cidade, uma pequena amostra do que Fortaleza queria ser no futuro: um local público bonito, confortável e iluminado, com jardins, estátuas e colunas, cafés, cinemas, transporte fácil, frequentado por pessoas bonitas e bem-vestidas.

No entanto, no ano de 1920, o prefeito Godofredo Maciel em sua primeira administração, mandou demolir os quiosques. Quando ao sair de uma sessão de cinema, o escritor Antônio Sales notou que os cafés estavam sendo demolidos, inclusive o seu querido Café Java e escreveu: esta noite, ao sair do cinema, parei defronte dos destroços fúnebres do Café Java, sacrificado à estética da Praça do Ferreira, que é o centro vital de nossa urbe. E nessa contemplação, veio-me uma grande tristeza e uma grande saudade. Ali reinou Mané Coco, o fundador dessa instituição popular que era o café, hoje desaparecido.


     depois da reforma do prefeito Godofredo Maciel

Além dos cafés, o prefeito também retirou as grades do jardim 7 de Setembro e mandou construir um coreto; as laterais receberam recortes para estacionamento de automóveis e bondes, desafogando o trânsito nas Ruas Major Facundo e Floriano Peixoto.


Extraído do livro “A Praça” de Mozart Soriano Aderaldo/Tipogresso/Fortaleza,1989. E outros/publicação Fortaleza em Fotos/Fotos do Arquivo Nirez, postal antigo e Fortaleza em Fotos



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