sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

A Hospedaria Getúlio Vargas na seca de 1958

 

Localizado no antigo bairro Alagadiço, atual São Gerardo, o prédio foi construído para hospedagem provisória dos “Soldados da Borracha”, trabalhadores nordestinos convocados para trabalhar para o governo federal, na extração do látex de borracha, em terras da Amazônia. A hospedaria foi erguida no início da década de 1940, no contexto da segunda guerra mundial.




Passado o período do conflito, o local continuou com suas funções de abrigar retirantes decididos a migrar para diversas cidades do país, com ajuda do governo. Como os períodos de seca sempre acontecem, a hospedaria estava sempre lotada, e acabou se tornando um depósito de miseráveis, carentes de tudo: alimentação, assistência médica, péssimas instalações, alto grau de insalubridade, condições de vida sub-humanas.


O lugar tinha, em teoria, capacidade para receber 1.200 pessoas, com garantia de pouso, alimentação diária e redes. Na prática, nunca funcionou dessa maneira. Os anos 50 encontraram a Getúlio Vargas com uma superlotação nunca vista. A seca de 1958 logo assumiria proporções catastróficas, com a capital mais uma vez sendo invadida por levas de retirantes, que eram direcionados para a Getúlio Vargas. Os oito galpões da hospedaria receberam em torno de 8.000 pessoas, com homens, mulheres e crianças amontoados, maltrapilhos, muitos doentes e todos passando fome. A cozinha tinha capacidade para o preparo de 300 refeições; não havia creche nem enfermaria. Havia um único médico que estava sempre presente, o Dr. Tarcísio Soriano Aderaldo. A água potável era insuficiente e as instalações sanitárias eram praticamente inexistentes. 




 
 

A certa altura, como não havia mais lugar dentro da hospedaria, cerca de 200 famílias ficaram debaixo dos cajueiros que circundavam o lugar, expostos ao calor, à sujeira e ao ataque de moscas e insetos que eram constantes. Para amenizar um pouco, pelo menos a fome das crianças, começou a ser distribuído um leite em pó, produto de doação internacional, que era desviado e vendido em estabelecimentos de Fortaleza.




O governo também enviaria ao Ceará remessas de charque e feijão, e autorizaria a admissão de milhares de flagelados como trabalhadores nas rodovias da região. Açudes seriam construídos para mitigar os efeitos da seca e empregar os necessitados. Essas medidas, todavia, teriam pouco efeito: os recursos liberados pelo governo federal, não chegavam aos flagelados, eram desviados por políticos e cabos eleitorais, ou transformados em alimentos estragados e de baixa qualidade que eram oferecidos aos hóspedes da Getúlio Vargas e aos de outros abrigos similares existentes no Ceará.


Não havia planejamento e ninguém se identificava como coordenador ou responsável pelo andamento da hospedaria. Era um caos, onde morriam cerca de 10 crianças por dia. Os problemas relacionados à escassez de comida foram parcialmente resolvidos com a ajuda do Exército que passou a distribuir 2000 refeições por dia. Para evitar os desvios comuns naquela situação, o próprio Exército fazia a distribuição entre os flagelados.


A superpopulação da hospedaria começou a diminuir com a migração de centenas de famílias para o Norte e o Sudeste do País, e um novo destino que despontava: Brasília. O outro fato relevante para o esvaziamento, foi o fenômeno natural que permeia as esperanças e o renascer do povo nordestino, a volta das chuvas. A Hospedaria Getúlio Vargas cumpriu sua sina de depósito de gente até 1972, quando foi desativada.


  Fontes: 

Reportagem de Edmar Mórel, publicada no O Seminário, ano 1958 <Disponível em>   http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=149322&pagfis=1734&url=http://memoria.bn.br/docreader#

Nordestinos fogem da seca e da Fome <Disponível em> http://memorialdademocracia.com.br/card/retirantes-fogem-da-seca-e-da-fome 

fotos Google      

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