sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

As Sessões de Cinema na Fortaleza (nem tão) Antiga

Edificio Diogo, na Barão do Rio Branco onde funcionava o cinema
O Cine Diogo, aos domingos, na sessão das quatro, era a passarela do desfile de moda e elegância da cidade. As mulheres compareciam com seus vestidos mais caros, sapatos “carinha de bebê”, meias soquete. 
Em certa época passaram a usar “solidéu”, uma boininha moda nos anos 1950.  No tempo de “Gilda”, filme estrelado por Rita Hayworth, a moda era usar o mesmo modelo de blusa da atriz, estilo “tomara que caia”, com saia godê. 
o figurino usado pela atriz no filme Gilda ganhou adeptas em Fortaleza
Os homens, por sua vez, eram obrigados a usar paletó para ter acesso ao então luxuoso cinema. Mas a maioria, que não possuía a indumentária, recorria ao Osmar Damasceno, na Cabana, lanchonete da esquina da Rua Guilherme Rocha com Barão do Rio Branco. É que o Damasceno em questão, alugava um paletó que era mantido ao lado do caixa, com o compromisso de ser devolvido logo que terminasse a sessão. 
Lanchonete A Cabana, na esquina da Guilherme Rocha com Barão do Rio Branco
De modo que os rapazes não tinham a oportunidade de fazer o chamado “footing”, usando o paletó do Damasceno. O “footing” era o hábito de circular o quadrilátero entre as Ruas Barão do Rio Branco, Major Facundo, Liberato Barroso e Guilherme Rocha, com parada quase obrigatória na sorveteria das Lojas de Variedades.
Muitas histórias foram contadas no Cine Diogo, tanto na tela do cinema quanto fora dela.
A portaria e a entrada lateral do Cine Diogo
Um dos acontecimentos mais representativos da ingenuidade dominante e do espírito moleque que sempre animou a alma cearense, foi por ocasião da exibição do filme “E o Vento Levou”, que chegou por aqui com muitos anos de atraso, o mundo inteiro já tinha visto.
 Diante da informação de que a fita teria nada menos de quatro horas de projeção, os freqüentadores trataram de se prevenir: compareceram portando sacolinhas contendo merendas e guloseimas. 
Os mais abonados levaram sanduíches das “Lojas de Variedades”, enquanto os mais “quebrados” foram munidos dos famosos “cai-duro” acompanhados de garapa, manjares cuidadosamente preparados no Pega-pinto do Mundico, uma das referências da Praça do Ferreira.
Outro acontecimento diz respeito a uma das célebres sessões das quatro do Diogo.
Uma turma comandada por um certo “Pinduca”, morador da Rua 24 de maio, levou para dentro do cinema, alguns pombos. 
Num dos momentos mais emocionantes da fita, os pássaros foram soltos na sala escura, causando uma tremenda confusão. Luzes acesas, caçada difícil aos pombos assustados e indóceis, um rebuliço, até tudo voltar a normalidade. 
Os autores da brincadeira, (oficialmente), nunca foram descobertos. No Diogo, onde a freqüência era na maioria de ricos, fatos assim ficavam por isso mesmo. 
Fosse no Majestic, já que era frequentado também pelo canelau, rapidamente, uma fila inteira da geral desceria sob as ordens e o rebenque do inspetor Apolinário, o carrasco da época.
Aliás, no Majestic, havia algo inusitado e nunca visto em nenhum outro lugar do mundo: era proibido entrar na geral usando tamancos. 
Quem chegasse calçado desse modo, teria de deixá-los na portaria e apanhá-los na saída, porque os donos dos tamancos seriam os responsáveis pela insuportável barulheira nos momentos mais emocionantes da série “A Sombra do Escorpião”, dentre outros seriados.
Orson Welles, o Cidadão Kane
Outra ocorrência inesquecível foi o dia em que o ator Orson Welles foi barrado no Diogo. Nesse dia a Rua Guilherme Rocha foi palco de uma aglomeração invulgar, que logo se esclareceria. 
O Ator e diretor de Hollywood, Orson Welles, hospedado no Excelsior Hotel, viera a Fortaleza para filmar a história dos jangadeiros cearenses. 
Saiu do hotel usando uma espalhafatosa camisa multicolorida, por fora das calças e exibindo um penteado revolto. Dirigiu-se para o Diogo, certamente para conhecer a principal casa exibidora da cidade. Uma multidão seguia-lhe os passos. 
O que aconteceu a seguir, só aqui mesmo, e em mais nenhum outro lugar, em se tratando de um famoso diretor de cinema. 
Naquela época o Cine Diogo exigia o uso de paletó para ingresso em suas dependências. E Orson Welles estava esportiva e desalinhadamente trajado. Foi o bastante para ter sua entrada impedida no cinema. 
Gritos e confusões marcaram o evento: Orson Welles, um dos mais aplaudidos atores de Hollywood, hóspede ilustre que a cidade recebia, passou pelo vexame de não poder conhecer o cinema em cuja tela tantas vezes despontou como astro. Seu "Cidadão Kane" foi escolhido, reiteradas vezes, em diversos países, como o melhor filme já realizado.
Nem por isso teve direito a entrar sem paletó no Cine Diogo.  

extraído do livro
Sessão das Quatro, cenas e atores de um tempo mais feliz  
de Blanchard Girão  
fotos antigas: arquivo Nirez
foto Orson Welles: Blanchard Girão (imagem do livro)      

4 comentários:

Lúcia Paiva disse...

Tá boa demais a postagem, hilária,até!
Primeira coisa, que percebi,foi o "pega ladrão" de fotos - logomarca do blog..,atravessado, genial !!!!!
Da matéria, devo dizer que frequentei muito o Diogo e, mesmo pobrinha, caprichava no visual..rsrsrs. Lembro do "Pega Pinto" do Mundico. Desconhecia esse fato da merenda na exibição de..E o Vento Levou !

Só no "Ceará Moleque", mesmo, tanta história pra contar,e vc, como boa contadora, nos trazer..

Bom domingo!

Fátima Garcia disse...

Quem conta a historia é o Blanchard Girão, eu apenas reproduzo, tiro dos livros e ponho na web, como o livro é raro, muitas pessoas podem não ter acesso, então podem ler por aqui, não está exatamente igual porque não gosto de copiar, mas está fiel ao texto original. Quanto as fotos, o blog está criando uma identidade, bom que voce gostou
abs e bom domingo

Humberto Oliveira disse...

Adorei seu blog. Matei um pouco a saudade do glorioso Cine Diogo! Apesar de ter apenas 47 anos, gosto muito das coisas antigas, principalmente histórias ligadas ao meu querido Ceará. Hoje resido em Porto Velho - Rondônia. Vim para cá há 14 anos. Este livro genail do Branchart Girão eu comprei numa das viagens que fiz à minha terra natal e até hoje o guardo com muito carinho e sempre o releio. Parabéns pelo blog.


beijos

Humberto Oliveira

Fátima Garcia disse...

Olá Humberto, obrigada pela visita e pelos comentários no blog. Gosto bastante das cronicas do blanchard girão, resgatam muito das histórias da terra. Volte sempre, ao blog e a Fortaleza