terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Francisco José do Nascimento - O Dragão do Mar

José Luis Napoleão fora um ex-escravo que comprara a própria alforria e, com economias juntadas, ainda libertara quatro irmãs. Chefe de capatazia da firma Bóris Frères no Porto de Fortaleza, gozando de muita popularidade, recebeu com entusiasmo a proposta de greve dos abolicionistas. 
Mobilizou os trabalhadores da praia e destacou-se nos eventos de 1881. Mas foi esquecido pela história oficial talvez por que Napoleão, homem humilde e negro, tenha apontado uma outra pessoa para liderar o movimento, uma pessoa de melhor aparência, com mais instrução.  
Francisco José do Nascimento

Por indicação de Luis Napoleão, a liderança do movimento coube ao mulato Francisco José do Nascimento, conhecido por Chico da Matilde, o lendário Dragão do Mar. Chico da Matilde – devido a mãe Matilde da Conceição – nasceu em Canoa Quebrada, Aracati, em 1839. 
Órfão aos 8 anos – o pai Manoel do Nascimento morreu na Amazônia, num frustrado sonho de melhorar de vida trabalhando como seringueiro – cabendo à mãe criar o menino sozinha. Em meio a pobreza absoluta, dona Matilde viu-se obrigada a entregá-lo aos cuidados do comendador português José Raimundo de Carvalho.
Até os 20 anos Francisco José trabalhou no veleiro do comendador, “O Tubarão” como embarcadiço, depois como comandante, percorrendo portos do Norte e Nordeste. Por essa época aprendeu a ler e a escrever, e casou-se com Joaquina Francisca, erguendo uma casinha próxima ao atual Seminário da Prainha, em Fortaleza. 

cartão postal colorizado a mão do quebra mar no Porto do Ceará (Ah, Fortaleza!)
Ao contrário do que se afirma, Chico da Matilde não era jangadeiro (embora dominasse as labutas do mar), mas sim prático de navegação, ou seja, orientava a atracação de navios no porto da capital, além de alugar algumas poucas jangadas de sua propriedade para transportar pessoas e mercadorias. 
Não participou pessoalmente da greve de janeiro de 1881, quando o movimento abolicionista fechou o porto de Fortaleza ao embarque de escravos (estava trabalhando num navio por ocasião da paralisação), mas devido a movimentação de agosto do mesmo ano, foi demitido do posto de prático.
Francisco José do Nascimento transformou-se no símbolo da luta cearense contra a escravidão. Foi conduzido de navio em 1884 ao Rio de Janeiro, onde foi alvo de várias festas e honrarias. 
Foi carregado nos braços pela Rua do Ouvidor, sob uma chuva de pétalas de rosas jogadas do alto dos prédios. Teve um encontro de alguns minutos com o próprio imperador D. Pedro II, e foi retratado na capa da famosa Revista Ilustrada. 
Doou uma jangada – Liberdade – ao Museu Nacional. Por pressão dos escravocatas, o diretor do Museu foi demitido e a jangada recolhida a um depósito da marinha, onde desapareceu. Em 1889, por ordem de D. Pedro II, Chico reassumiu o emprego de prático, do qual havia sido demitido. 

Cartão postal com a jangada do Dragão do Mar (Ah, Fortaleza!)

Viúvo, em 1902 casou-se com a sobrinha do jornalista João Brígido, Ernesta Brígido. Chico da Matilde participou de outros episódios históricos importantes, participações internacionalmente omitidas pelas elites, afinal ele chegou a contestar o poder dominante também. 
Em 1904, o Dragão do Mar já com 65 anos e cabelos brancos articulou um protesto contra um tal de sorteio militar – os escolhidos eram todos pobres, negros, mulatos, caboclos, pais de família. Nenhum branco, nenhum rico. A conseqüência foi um confronto com a polícia acciolina, no qual morreram alguns populares. 
Chico da Matilde socorreu pessoalmente os feridos, recolhidos à Santa Casa. No enterro das vítimas, a polícia foi chamada para “dispersar a canalha”. O velho Chico colocou-se à frente do povo e com o peso moral do seu passado, clamou por justiça.
 As tropas voltaram ao quartel.

estátua de Francisco José do Nascimento, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza

Chico da Matilde, nos últimos anos foi esquecido por quase todos. A classe média e as elites o usaram na campanha abolicionista para abandoná-lo em seguida. 
Chico da Matilde faleceu no dia 06 de março de 1914, durante o cerco à Fortaleza pelas tropas de Floro Bartolomeu e Padre Cícero na Sedição de Juazeiro.

Fontes:
Cronologia Ilustrada de Fortaleza, de Miguel Ângelo de Azevedo (Nirez)
História do Ceará, de Airton de Farias

6 comentários:

Unknown disse...

Nossa, professora, é incrível: quanto mais a gente pensa que sabe das coisa, mais coisas aparecem nos informando o contrário. Poxa, é tão bom sabre disso. (Não é bom saber que desde aqueles dias a elite já cometia seus desarrogos), mas é bom saber que temos um passado e que homens desse passado fizeram por merecer nossa menção e nosso respeito. Obrigado por iluminar isso, professora.

Anônimo disse...

Fazia tempo que eu esperava essa postagem.Adoro ler sobre nossos verdadeiros heróis,pessoas que se doaram por uma causa nobre.Pena o Napoleão ter sido esquecido,não terem contado a História toda.Essa postagem é ótima para ser copiada por outros blogs.

Fátima Garcia disse...

O Ceará tem e teve grandes personalidades que lutaram o bom combate e nos legaram exemplos de dignidade e coragem.Cabe a nós cultuar, lembrar e não permitir jamais que esses homens, e esses exemplos caiam no esquecimento.

Sueli Paulo disse...

Adorei a postagem da história um herói brasileiro,natural e organicamente constituído.O Brasil tem muitos, omitidos e esquecidos! Mas, ler o registro deles nos revigora e nos ensina. Fiquei feliz em conhecer um pouco da história do Ceará e principalmente desse espaço cultural que hoje abriga tantos acontecimentos importantes.Obrigada

Fátima Garcia disse...

obrigada a você Sueli, por visitar e comentar no blog. Volte sempre.

Silvio Marcio Oliveira disse...

Com o advento da Escola dos Annales no início do século XX, que gera uma mudança nos paradigmas de como a historiografia se postava até então, uma vez que os expoentes da Escola de Annales questionavam muito sobre uma historiografia baseada em instituições e nas elites, a qual dava muita relevância a fatos e datas, de uma forma positivista, sem aprofundar grandes análises de estrutura e conjuntura. Com isto, houve uma espécie de "fabricação de mitos e heróis" que também tiveram uma forte carga no Brasil.

A história dos vencedores era a que predominava e através de suas narrativas, davam vazão sempre aos que possuiam status politico ou títulos de nobreza e jamais aos vencidos que mesmo num contexto de lutas e insubordinação a velha ordem moral estabelecida, eram relegados da história e defenestrados ao ostracismo, isto quando não a uma visão deturpada de seus atos. Por isso, resgatar e dinamizar a história destes personagens regionais é mais que uma obrigação moral, mas também um gesto excelso de nossa parte para com estes que contribuíram para o enriquecimento e legado de lutas e conquistas que jamais devem ser olvidadas no panteão dos que entregaram a vida por uma causa.

Parabéns por resgatar e colocar em seu devido lugar altivo personagens que contribuíram para a formação do resgate histórico de nosso Páis.