sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O Governo Franco Rabelo e a Sedição de Juazeiro - Parte 2/2


Coronel Franco Rabelo
Em agosto de 1913, Floro Bartolomeu, Thomaz Cavalcante, Nogueira Accioly e outros se reuniram no Rio de Janeiro com o Senador Pinheiro Machado com o objetivo de colocarem um ponto final no governo Franco Rabelo. 
Com a conivência do presidente Hermes da Fonseca (1910-1914) arquitetaram um plano relativamente simples: Floro Bartolomeu regressaria a Juazeiro e convocaria uma sessão extraordinária da Assembléia Legislativa. Ali seria questionada a ilegalidade do governo Rabelo e seria deliberada sua cassação. 
Em seguida seria eleito o novo presidente estadual que seria o próprio Floro Bartolomeu, caracterizando-se a dualidade de poderes – duas assembléias, dois presidentes – o governo federal decretaria intervenção no Ceará, provocando a renúncia de Rabelo.
Quando o complô começou a ser executado, Rabelo já sabia de tudo, devido a apreensão de armas e dinamite  na casa de um médico ligado às oposições, e da intercepção de uma carta enviada por João Brígido a Padre Cícero, contando os detalhes do golpe.
 Padre Cícero sempre negou qualquer participação direta ou indireta no movimento golpista que culminou com a deposição de Franco Rabelo
Padre Cícero e Floro Bartolomeu 
No mesmo dia da descoberta da carta, 9 de dezembro de 1913, iniciou-se a revolta. 
Jagunços de Floro, com o apoio de padre Cícero, depuseram o prefeito de Juazeiro, prenderam o pequeno contingente policial local e armaram a população. 
Dias depois foi instalada a Assembléia Legislativa Extraordinária, e Floro, conforme o plano, eleito “presidente legal” do Ceará. Confiante em suas atribuições, o novo governador transferiu, por decreto, a capital do estado de Fortaleza para Juazeiro. 
Um dia após ser informado dos acontecimentos em Juazeiro, Rabelo enviou, de trem especial, toda a força policial estadual sediada em Fortaleza – cerca de 500 homens – para a estação de Iguatu. Não ficou um só homem da guarda presidencial, o que atesta a confiança do governador no apoio da população de Fortaleza. 
De Iguatu as forças governistas seguiram para o Crato, distante 15 km de Juazeiro. Naquela localidade receberam reforços dos soldados ali estabelecidos e de vários jagunços enviados por coronéis aliados. Formou-se assim um batalhão com cerca de 1200 homens comandados pelo coronel Alípio Lopes de Lima Barros.
Juazeiro preparou-se para a defesa. Por sugestão de Antonio Villanova, ex-combatente de Canudos, homens, mulheres e crianças, muitos dos quais usando apenas as mãos, cavaram uma enorme vala de nove quilômetros de extensão em torno da cidade, o chamado “Circulo da Mão de Deus”. 
Fotografia da Sedição de Juazeiro, reação ao Governo de Franco Rabelo que partiu do Cariri em 1914, quando contingentes de sertanejos liderados pelo deputado Floro Bartolomeu e abençoados pelo Padre Cícero avançaram sobre Fortaleza (acervo do Museu do Ceará)
De todos os locais chegavam mais e mais camponeses, cangaceiros, jagunços e coronéis prontos para o enfrentamento. A Meca do Cariri formou um exército de cinco mil homens com armas, muitas delas improvisadas, muitos lutaram com facões ou velhas espingardas. 
O Padre Cícero mandava o povo rezar, apegar-se com Nossa Senhora das Dores antes de assumirem os postos; os sertanejos iam a igreja, rezavam o oficio e partiam para a luta cantando hinos religiosos.
Na madrugada de 20 de dezembro de 1913, as tropas rabelistas iniciaram a marcha para o primeiro ataque a Juazeiro, sob aplausos da população e em clima de festa. Contavam com uma vitória fácil, tranqüila. 
No entanto, já no caminho, os rabelistas foram surpreendidos por ataques rápidos de grupos esparsos de camponeses, que conhecedores do terreno, se movimentavam com desenvoltura entre a caatinga. 
Após uma marcha extenuante, os combatentes pró-rabelo avistaram Juazeiro, protegida pelos valados e por milhares de romeiros. O combate durou 15 horas seguidas, ao fim das quais os rabelistas derrotados, retornaram ao Crato, com 84 baixas, entre mortos e feridos.
A partir dessa primeira derrota, iniciaram-se as discórdias entre as forças do governo. 
O comandante Alípio Lopes, contrariando a vontade de Franco Rabelo, declarou que só faria novo ataque em condições seguras, optando pela estratégia do cerco para que os rebeldes se rendessem pela fome. 
Fotografia da Sedição de Juazeiro (acervo do Museu do Ceará)
Depois se desentendeu com um dos “chefetes” Emílio Sá, que havia levado um canhão para o Crato, para apoiar a ofensiva. Em conseqüência Alípio Lopes foi chamado a Fortaleza e demitido. O comando das forças rabelistas passou para Ladislau Lourenço. 
Os homens do governo permaneceram quase um mês no Crato, aguardando reforços, armas e munições. O ânimo das forças legalistas estava em baixa: compostas na maioria por sertanejos, estes se mostravam apreensivos por lutarem em lado oposto ao de Padre Cícero. Para completar, surgiu o boato de que Nossa Senhora das Dores havia aparecido ao Pe. Cícero e teria dito que nenhuma bala seria capaz de ferir seus homens, e quem porventura fosse morto, ressuscitaria em três dias. 
Os boatos enchiam de desânimo os rabelistas e de entusiasmo os rebeldes. As deserções reduziram as tropas legalistas para cerca de 800 homens, que ficaram distribuídos de modo a fechar as saídas de Juazeiro no intuito de impedir as missões em busca de alimentos, que já faltava na cidade. Muita gente do patriarca perderia a vida nessas missões em busca de alimentos. Ninguém ressuscitou ao terceiro dia, pelo que se sabe. 
O ano de 1913 terminou com o conflito totalmente indefinido. No dia 22 de janeiro de 1914 as tropas de Rabelo resolveram fazer mais um – e último –  ataque direto. 
A investida foi igualmente um fracasso, e os governistas acabaram se retirando, desta vez para Barbalha. Ali o comandante Ladislau, abatido, derrotado e alcolizado, deu ordem para seus homens debandarem. 
Cidade do Juazeiro em data não especificada (Arquivo IBGE)
Floro Bartolomeu então, partiu para a ofensiva. No dia 24 de janeiro, seus revolucionários – uma multidão de famintos e maltrapilhos – invadiram o Crato incendiando e saqueando as principais casas de comércio e as residências de simpatizantes de Rabelo. Um enorme comboio com material e comida, produto dos saques, ocupou a estrada em direção a Juazeiro. Apesar de o Padre Cícero haver condenado os roubos, Floro Bartolomeu apoiava e estimulava os saques, alegando que o vencedor tem direito aos bens do vencido.
Os revoltosos conquistaram Barbalha ainda em janeiro. Rabelo ainda conseguiu mandar uma nova expedição para Iguatu composta por 200 homens e liderada pelo capitão José da Penha. Travou-se uma luta sanguinária com numerosas baixas de ambos os lados, na qual os revoltosos tiveram de recuar para Afonso Pena (atual Acopiara). 
Foi a única batalha perdida pelos rebeldes. Mas no dia seguinte José da Penha foi morto numa emboscada, o que colocou em pânico os rabelistas. Os soldados amotinaram-se e desertaram. Os homens de Floro e Padre Cícero retomaram a ofensiva. Conquistaram o terminal ferroviário de Iguatu e rumaram para Fortaleza. As cenas se saques e agressões se sucediam nas cidades à margem da estrada de ferro: Senador Pompeu, Quixeramobim, Quixadá, Baturité, Redenção, Maranguape. 
Cidade do Juazeiro (arquivo IBGE)
A crescente aproximação das forças sediciosas provocou indignação e horror em Fortaleza. Os populares realizavam exaltados comícios na Praça do Ferreira, prometendo resistir. Fortaleza era uma praça de guerra, a vida da cidade parara por completo. Os empregados da Estrada de Ferro Baturité suspenderam  o trabalho e pegaram em armas, o mesmo fizeram os homens do mar, trabalhadores da praia, empregados do comércio, os carroceiros, enfim, pode-se afirmar que todo homem válido estava armado de carabina, defendendo a cidade. Nessa altura, Franco Rabelo, a Associação Comercial e as ordens religiosas enviaram telegramas desesperados ao  Centro-Sul do país e apelavam ao general Setembrino de Carvalho, comandante das tropas do exército no Ceará, para deter os fanáticos. 
Setembrino recusou, afirmando que a intervenção do exército só iria aumentar o conflito. Na verdade o que o comandante  queria mesmo era criar um clima propício a intervenção federal no Estado e a renúncia de Rabelo. Para pressioná-lo ainda mais, o governo federal enviou dois navios de guerra à Fortaleza. 
No inicio de março de 1914, os homens de Juazeiro cercaram a capital, baixando acampamento em áreas próximas como Maracanaú, Maranguape e Soure (Caucaia). A possibilidade de a cidade ser invadida ou bombardeada pelos navios causou histeria em Fortaleza. 
Finalmente, a 9 de março, Hermes da Fonseca decretou Estado de Sítio no Ceará, sendo os populares desarmados e suspensa a organização da policia estadual, de modo que o policiamento da capital passasse para o inspetor Setembrino de Carvalho. 
Cinco dias depois foi decretada a intervenção federal no Ceará, levando Franco Rabelo a renunciar. Setembrino de Carvalho foi empossado como interventor do Estado em 15 de março de 1914. 
O prestigio de Floro Bartolomeu e Padre Cícero ampliou-se, estendendo sua influência por todo o Nordeste. Uma multidão emocionada ovacionou Franco Rabelo na saída do palácio governamental, e ainda receberia muitas homenagens até embarcar para o Rio de Janeiro dias depois.      
A sedição triunfara.

fonte:
História do Ceará, de Airton de Farias

8 comentários:

João Damasceno disse...

Magnífico. É muito bom poder ler e conhecer a história do nosso Ceará.

Fátima Garcia disse...

acho fascinante a história do Ceará, João Damasceno, só é pouco divulgada.
abs

Unknown disse...

Em 1913, o prefeito de Juazeiro do Norte era padre Cicero. Então como os jagunços de Floro depuseram o prefeito de juazeiro com o apoio do padre Cicero?

Fátima Garcia disse...

Joedson Rocha, o Padre Cícero foi destituído do cargo de prefeito de Juazeiro em 1912, quando o governador Franco Rabelo assumiu o poder.

raquel disse...

Muito bonita a historia eu me chamo raquel sou sobrinha neta de capitao jose da penha

Anônimo disse...

Quando criança , um agregado da família , apos tomar um drinque conclamava : Viva o coronel Franco Rabelo isto por volta dos anos de cinquenta e hoje tive a curiosidade de ver em parte o perfil deste coronel.

Herlanio disse...

Viva meu Padim!

Lucas disse...

Foi uma vergonha. Uma vila recém fundada, derrubar um governo estadual, não apenas derrubar, humilhar!