quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Cem Anos de Rachel de Queiroz

Rachel de Queiroz - escritora, jornalista, tradutora e teatróloga cearense
Raquel de Queiroz nasceu em Fortaleza, em 17 de novembro de 1910. Apesar de ter nascido na capital era em Quixadá, sertão central cearense, que a escritora tinha suas raízes.  Autora de destaque na literatura nordestina estreou em 1927, com o pseudônimo de Rita de Queiroz, no jornal O Ceará.
Em 1930, publicou o romance O Quinze, que retrata os horrores vivenciados pela escritora na terrível seca daquele ano. Com apenas 20 anos Rachel de Queiroz se projetava na vida literária do país, com um romance de fundo social, profundamente realista no seu dramático relato da luta secular de um povo contra as adversidades da natureza. 
O livro editado as expensas da autora surgiu em modesta edição de mil exemplares, impresso na Gráfica Urânia, de Fortaleza. Recebeu críticas de Augusto Frederico Schmidt, Graça Aranha, Agripino Grieco e Gastão Gruls.
O entusiasmo da crítica diante do lançamento de O Quinze tornou Rachel de Queiroz um nome nacional. Aos vinte anos já era uma figura pública. A consagração veio com o prêmio Fundação Graça Aranha em 1932. 
Em suas viagens à capital - a escritora morou a maior parte de sua vida em Quixadá - começou a freqüentar os círculos intelectuais da época. Frequentava os cafés da Praça do Ferreira e imediações, numa época em que esses locais eram redutos masculinos.
O poeta Antonio Girão relata um encontro que teve com Rachel na Confeitaria Gloria – um café mais sofisticado que funcionava nos baixos do antigo prédio da Intendência Municipal, na Praça do Ferreira.
Ele conta que a viu por lá, engraxando os sapatos e fumando. 
Numa dessas viagens travou conhecimento com alguns simpatizantes do Partido Comunista. Era um período de grande agitação política, quando os partidos de oposição começavam a se articular.
Rachel fez sólidos contatos com as lideranças, foi nomeada Secretária do Partido na região do Ceará e terminou sendo uma das fundadoras do Partido Comunista do Ceará. 
Quando a ditadura de Getúlio Vargas começou a atuar com mão de ferro, intensificando o combate aos “vermelhos” Raquel foi presa incomunicável no Quartel do Corpo de Bombeiros em Fortaleza.
Nesse período  na prisão, escreveu seu terceiro romance, lançado pouco depois de 1937.  Caminho de Pedras foi apreendido e queimado junto com seus dois romances anteriores, O Quinze, e João Miguel (lançado em 1932), por ordem do comando da Sexta Região Militar de Salvador. 
Quebrando barreiras em diversas áreas, Rachel de Queiroz foi primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, o que causou certo "frisson" nas feministas de então. Mas a reação da escritora ao movimento foi bastante sóbria. 
Numa entrevista, declarou:
"Eu não entrei para a ABL por ser mulher. Entrei, porque, independentemente disso, tenho uma obra. Tenho amigos queridos aqui dentro. Quase todos os meus amigos são homens, eu não confio muito nas mulheres."
Em 1993, foi a primeira mulher a receber o Prêmio Camões, o Nobel da língua portuguesa.
A escritora faleceu em 04 de novembro de 2003, no Rio de Janeiro.
Deixou aguardando publicação o livro Visões: Mauricio Albano e Rachel de Queiroz, uma fusão de imagens com textos de Rachel de Queiroz.
Rachel em sua Fazenda "Não me Deixes" em setembro de 1998
(foto: folha/uol)
 anexo da casa da Fazenda onde viveu a escritora em Quixadá-CE
(foto: folha/uol)
Fazenda "Não me Deixes" em Quixadá-CE, onde viveu Rachel de Queiroz (foto: folha/uol)

A Incendiária e os Bombeiros

Em 1937, quando  Getúlio Vargas preparava seu golpe de estado, todos os possíveis opositores que se espalhavam pelo território nacional foram apanhados.
No Ceará, mandaram os jornalistas para a cadeia pública. 
Mas comigo tiveram consideração, pois eu era uma senhora de boa família. Fui presa no quartel do Corpo de Bombeiros em Fortaleza.
No início de outubro, trabalhava em uma firma que embarcava algodão para Europa.
 Fui surpreendida por um delegado de polícia, que me conduziu a uma viatura para o Quartel do Corpo de Bombeiros, onde fui entregue não aos soldados, mas a Senhora do Comandante, que praticamente me pedia desculpas ao mostrar as precárias comodidades do local: uma cama de solteiro, uma mesa e duas cadeiras.
Levou-me a uma das janelas e disse que bastava eu chegar ali e dar um grito que ela imediatamente seria chamada. Assim, morando com os bombeiros, passei cerca de um mês, enquanto Getúlio dava e consolidava seu golpe.
Praticamente, tornei-me bombeira. Da minha janela assistia aos exercícios. É impressionante como aqueles homens arriscavam a vida, adestrando-se para salvar a vida de outros. Eles vinham marchar debaixo das minhas janelas. 
A Senhora do comandante me mandava, por eles, guloseimas da sua mesa. Sua filha adolescente que me chamava de "Tenente", também me visitava. Era uma menina bonita a quem às vezes ajudava com problemas da escola.
Era como se eu tivesse uma família afetuosa ao alcance das mãos. 
Já a minha família não tinha o direito de me visitar. 
Afinal, Getúlio deu seu golpe, o Brasil voltou à normalidade possível, e nós, presos políticos, fomos soltos. 
Voltei para casa, mas confesso senti saudades... das serenatas dos músicos sob minhas janelas, das ocasiões em que eu ajudava os bombeiros estudantes aflitos, em hora de exames que mandavam bilhetinhos das questões mais difíceis de português; bilhetinhos que devolvia com as respostas.
Saí afinal, mas fiquei amiga da família do Comandante, principalmente fiquei amiga dos bombeiros.
 Alguns vinham me visitar nas folgas e infalivelmente ao me encontrar na rua assumiam posições de sentido e batiam solene continência e eu confesso ficava morrendo de orgulho.
E o carinho se renovou no coração da velha senhora.
Rachel de Queiroz 
Pesquisa:
Um Certo Contato com a Lua,  Antonio Girão Barroso
Rachel de Queiroz de Heloisa Buarque de Holanda

4 comentários:

Anônimo disse...

Bela postagem sobre a Rachel de Queiroz. Da sua obra, uma em especial me chamou a atenção: Memorial de Maria Moura, pela singularidade da narrativa. Enquanto na maioria dos romances a história é contada por um personagem ou por uma terceira pessoa, no MMM cada personagem conta sua versão.
Salve Rachel!

Graça disse...

Salve Rachel pioneira.

Anônimo disse...

Salve Rachel, mulher a frente do seu tempo, que sua obra imortal viva para sempre no imaginario do povo brasileiro!

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Minha saudação também à Raquel:
Salve, Raquel! Ainda menina, assisti à encenação de "Lampião", dirigida por B. de Paiva,em que o ator Marcos Miranda era Lampião e Glice Sales Maria Bonita. Os ensaios eram no quintal de minha casa.
Lia as suas crônicas na última página da revista O Cruzeiro, li muitos dos seus livros, acompanhei sua enntrada triunfal na Academia Brasileira de Letras - 1ª mulher e cearense.
Que vida, que obra!
BRAVO, RAQUEL de QUEIROZ, o Ceará te agradece!!!