Para confrontar com as lutas reivindicatórias, as críticas ao regime e a insatisfação do povo cearense que nascia e se ampliava a partir da Praça do Ferreira, a interventoria de Menezes Pimentel (1937 a 1945 e 1946 a 1950), mandou construir na Praça dos Voluntários, um arremedo de bastilha, o atual prédio da Polícia Civil.
Antigo prédio do Liceu na Praça dos Voluntários. Foi demolido para dar lugar ao prédio da Central de Polícia. (Marciano Lopes)
A edificação de pedra e cal foi erguida no local antes ocupado pelo Liceu do Ceará. O prédio foi construído com trabalho escravo: a maior parte do operariado empregado na construção era constituída de presos correcionais, obrigados a trabalhar de graça, para o Estado. Tinham direito a apenas refeições de péssima qualidade, o necessário à sobrevivência. Quem se negava a trabalhar, apanhava.
Edifício da Central de Polícia, atual secretaria de Segurança Pública, na Praça dos Voluntários (arquivo Marciano Lopes).
Estavam os operários sob o regime da lata, sistema de trabalho escravo imposto pelo então chefe de polícia, Capitão Cordeiro Neto, o mesmo que havia comandado a destruição do Caldeirão do beato José Lourenço e fundado no Arraial Moura Brasil o gueto das prostitutas, apelidado de Curral das Éguas.
Época de ditadura Getulista, do Estado Novo. A figura do ditador Getúlio Vargas não podia ser esquecida, de modo que lhe levantaram na praça em frente um monumento de bronze, uma homenagem de Pimentel, ao ditador e a ditadura.
busto do Presidente Getúlio Vargas na Praça dos Voluntários, trabalho do escultor Agostinho Balmes Odisio. Inaugurado em 1° de maio de 1941. (foto de Fátima Garcia)
A partir daí, a praça, antes frequentada por alunos do Liceu, fervilhava de soldados. Entre eles destacam-se uns brutamontes de farda cáqui, gorros vermelhos e debruns da mesma cor. Formavam a Polícia Especial, a Gestapo cabocla, responsável pela manutenção do terrorismo oficial no Ceará durante o estado Novo.
A Polícia Especial era uma divisão uniformizada da Polícia Civil, fundada durante o Governo Vargas. Era organizada como uma "força de choque", ou de intervenção, treinada e aparelhada para enfrentar distúrbios populares e manter a ordem pública, num período de grande efervescência política.
Praça do Ferreira, década de 1940
Nas dependências do prédio da Central de Polícia, funcionavam as diversas delegacias, sempre abarrotadas de presos de toda sorte. Os contraventores comuns, o "povão", depois de surrados eram encaminhados para o trabalho escravo do regime da lata.
O mesmo não acontecia com os infratores pertencentes à classe alta, desordeiros contumazes, ou especialistas na prática de quebra-quebra nos bares e nas pensões alegres. Estes, após algumas horas de detenção eram postos em liberdade, cabendo-lhes pagar os prejuízos ocasionados.
Havia em Fortaleza um médico chamado Amadeu Sá, o qual se tornara famoso devido a prática desse tipo de arruaça. Certa vez o médico comandou um quebra-quebra no bar do Majestic, na Praça do Ferreira, tendo enfrentado todo um pelotão da Policia Especial.
Havia em Fortaleza um médico chamado Amadeu Sá, o qual se tornara famoso devido a prática desse tipo de arruaça. Certa vez o médico comandou um quebra-quebra no bar do Majestic, na Praça do Ferreira, tendo enfrentado todo um pelotão da Policia Especial.
Dominado e preso, foi libertado horas depois. O mesmo, entretanto, não acontecia com os valentões pés de chinelos. Cacheado, um popular com fama de valente, morador do Campo do Pio e Barroso, residente no Coqueirinho (atual Parquelândia), foram ambos assassinados pela polícia sem qualquer motivo plausível. Simplesmente por gozarem da fama de desordeiros.
Muitos homens e mulheres estiveram presos ou detidos na bastilha da Praça dos Voluntários, muitos sofrendo torturas. Apesar do rigor da censura oficial, houve casos que escaparam do controle das autoridades e chegaram ao conhecimento público.
Dentre estes casos figura o acontecido com Danilo Borges, um jovem de família distinta, mas que cometia desordens quando alcoolizado. Durante um confronto com a Policia Especial, Danilo deu e recebeu pancadas, sendo afinal subjugado e preso. No dia seguinte, o rapaz amanheceu morto por enforcamento. Pela versão da polícia, Danilo teria cometido suicídio, mas para a família e amigos do morto, ele teria sido assassinado.
Outro caso bastante comentado foi o que envolveu Fidélis Silva, ex-secretário do interventor Menezes Pimentel, acusado da autoria de um desfalque. Para confessar o delito, colocaram-no numa masmorra sob uma lâmpada de 500 watts durante várias horas. Ainda não eram conhecidas outras formas de tortura como o pau-de-arara, os choques elétricos e outras que chegaram aqui com a revolução dos generais. Em consequência do sofrimento, Fidélis adoeceu seriamente, tendo de ser hospitalizado. Tempos depois, levado a júri popular, foi absolvido por falta de provas.
Caso diferente e que virou piada na cidade, foi o de Asclepíades, chantagista interestadual que se fazia passar por emissário de Getúlio Vargas. Jornalista desempregado, bom de lábia, e conhecedor dos expedientes usados nos meios oficiais, o vigarista se dizia enviado pelo ditador a fim de auscultar a opinião dos interventores acerca da situação política, nacional e internacional.
Já havia percorrido várias capitais com a mesma conversa, extorquindo os interventores, ganhando hospedagem, dinheiro e passagens aéreas. Descoberta a fraude, Asclepíades foi preso e transferido do Excelsior Hotel – onde era hóspede às expensas dos cofres públicos – para um dos cárceres da Polícia Central.
Foi colocado em uma das celas externas do presídio, a fim de que pudesse ser visto por todos. Bem vestido, simpático, risonho e descontraído, o espertalhão não se deixava abater, cumprimentando cortesmente a quantos iam vê-lo. Os jornais publicavam suas fotos, acompanhadas de longas entrevistas. Até namoradas Asclepíades conseguiu, apesar da situação vexatória em que se achava.
A Polícia Especial foi extinta no dia 10 de abril de 1947 e seus integrantes foram incorporados à Guarda Civil.
extraído do livro
de Alberto S. Galeno
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