quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Personagens da Fortaleza Antiga: O Mestre Arcanjo

Mestre Arcanjo era um antigo sapateiro, cuja oficina ficava na Rua Perboyre Silva nas proximidades da General Bezerril. Era mais famoso por suas trapaças do que pelo seu oficio. O sapato que recebia de um freguês era logo vendido ao primeiro que por ali passasse, e a já engatilhada desculpa não se fazia esperar. Arranjava as coisas com tanto jeito que o ludibriado ainda ficava agradecido.
Um dia, não tendo couro suficiente para o conserto da sola de um sapato, usou tábuas de caixa de charuto; como o enganado viesse reclamar, disse-lhe muito sério: essa é a segunda vez que isso acontece. Vou deixar de comprar sola na Casa Ponte, estão falsificando a sola com madeira...Duas belas botinas de um padre foram vendidas. Quando o reverendo foi buscá-las, Mestre Arcanjo desculpou-se dizendo que, enquanto saíra para ir à bodega, um hanseniano as calçara, e ele, em atenção ao padre, tinha-as atirado fora.
O padre agradecido, saiu se benzendo.
Apareceu-lhe um dia na oficina, um lindo pato branco fugido do Palácio da Luz. Pouco tempo depois veio um soldado, perguntando ao Mestre se ele tinha visto o pato. O sapateiro, cuspindo de lado, puxou um pato preto, retinto, perguntando, será este aqui?. O soldado respondeu que não, o que ele procurava era branco. E foi-se embora. O pato estava, simplesmente, pintado de preto, com tinta “satim”, preta, para sapatos.
Outra ocasião entrou na oficina um matuto que, entregando-lhe um belo punhal, encomendou-lhe uma bainha para a arma. Ficou de voltar à tardinha, para buscá-lo.
Nem bem saíra o freguês, Mestre Arcanjo vendeu o punhal para outro, dizendo que recebera como pagamento de um serviço. A hora marcada para a entrega, o matuto chegou e encontrou o sapateiro passeando na calçada, falando sozinho, gesticulando desesperadamente.
Pronto Mestre? – perguntou o freguês
que pronto que nada, eu estava mesmo lhe esperando. O seu punhal foi apreendido pela polícia e é preciso que você vá comigo à delegacia. Aqui na capital, o porte de arma é proibido e você precisa se explicar...
O matuto olhou para um lado e para outro, tomou fôlego e saiu em desabalada carreira para não mais voltar!
Assim era Mestre Arcanjo, inteligente, manhoso, trapaceiro...
Extraído do livro:
AZEVEDO, Otacílio de. Fortaleza descalça; reminiscências. Fortaleza: Edições UFC/PMF, 1980.

2 comentários:

Anônimo disse...

se fosse nos dias de hoje, mestre arcanjo não seria sapateiro, seria político.

Fatima Garcia disse...

Acho que não Sr(a) anonimo, a malandragem de Mestre Arcanjo é fichinha diante da pilantragem que assola a politica nacional.