Na primeira década do século XX, nessa Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção, o melhor divertimento da cidade era o cinematógrafo em edições melhoradas.
Havia ao todo três, pequenos e pobres, com cadeiras austríacas e pulgas à vontade: o Pathé, de Vitor di Maio, italiano de cabeça branca e fala apressada, nos fundos da Maison Art-Nouveau, ao lado da Rua Municipal (atual Guilherme Rocha), com luz oxslite e fitas de Francisca Bertini.
Quarteirão da Rua Major Facundo na Praça do Ferreira, na esquina ficava o "Maison Art-Nouveau", inaugurada em 1907. Por trás desta loja funcionou a partir de 1908, o primeiro cinema da Fortaleza, o cinematógrafo Pathé, do italiano Victo Di Maio. No mesmo local estiveram depois a "Maison-Riche", o Restaurante Chic, A Pernambucana, a "Broadway", a Rouvani, e a Tok-Discos. Hoje funciona no local uma loja de sapatos.
O mesmo imóvel da esquina com as Ruas Major Facundo e Guilherme Rocha. O Pathé, seu vizinho pela Guilherme Rocha, abrigava-se no prédio em frente ao sobradão, que foi demolido para a construção do Excelsior Hotel (arquivo Nirez)
O Estereopticon, da empresa Cabral & Cia., mais tarde, de Júlio Pinto, que ficava nos fundos do comércio chamado O Palhabote, na Rua Major Facundo; e o Rio-Branco, na Rua Formosa (atual Barão do Rio Branco), de propriedade do joalheiro Mesiano, nos fundos de sua loja, na Rua Major Facundo, 364, onde outrora funcionara a oficina de encadernação do polaco Louis Cholowiecki, que o povo chamava de Luís Chuvisco.
Casa Mesiano na antiga Rua Formosa. Nos fundos, pela Rua Major Facundo, funcionava o Cinema Rio-Branco, ambos de propriedade do joalheiro Mesiano (foto: acervo particular de Darth Vader)
Um jornalzinho satírico dizia que os cinemas de Fortaleza eram do calendário: um é de Maio, outro de Julho e o último de mês e ano.
Pois um dos personagens mais assíduos destas salas de diversão era o Cangulo, nome de batismo ignorado, conhecido pelo apelido que ganhara nos tempos em que era aluno do Liceu do Ceará, onde cursara o primeiro ano.
Popularíssimo no meio estudantil devido a feiura, um dia, resolveu largar a cidade natal e ir morar no Rio de Janeiro. Durante muito tempo, ninguém ouviu falar dele.
Em agosto de 1909, os cinemas exibiam a reportagem do sepultamento do Presidente Afonso Pena, que falecera no mês anterior. O Pathé estava literalmente cheio de estudantes, quando apareceu o Cangulo, na tela, no melhor estilo papagaio de pirata, de pé por trás do cordão de isolamento dos guardas civis à porta do Palácio do Catete, quando saía o cortejo presidencial. Um grito uníssono sacudiu a plateia:
– O Cangulo!!!
Seguiram-se estrepitosas salvas de palmas. Então, por mera coincidência, o Cangulo abriu a bocarra num sorriso sem dentes, como dirigido a seus antigos colegas. Grande aclamação abalou o cinema:
– Viva o Cangulo! Viva o Cangulo no Catete! Viva o sucessor de Afonso Pena!
O escritor Gustavo Barroso o encontrou anos depois no Rio de Janeiro, vivendo como indigente, desiludido e acabado. O escritor conseguiu com um amigo, que o governo lhe cedesse uma passagem de volta para Fortaleza, onde vivia seu pai, vendedor de banana na feira. Mas não levou sorte o Cangulo. Pouco tempo depois, já de volta à Fortaleza após uma discussão, foi assassinado, abatido a tiros de revólver, por um certo Barbosa Lapada.
extraído do livro de Gustavo Barroso
2 comentários:
Oi, tirei um bom tempo para ler sua
grande e excelente produção intelectual blogueana, Fátima. Tudo muito bom mas, essa do Cangulo, tá D+...bem nosso!
Beijo
é cada figura!
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