terça-feira, 12 de julho de 2011

Os Antigos Cafés do Centro

Por volta da metade da década de 1940, quase todas as esquinas do centro comercial de Fortaleza tinham um café, sem contar com os de meio de quarteirão. Esses cafés, redutos de intelectuais e toda sorte de pessoas que frequentavam o centro, que anos mais tarde seriam substituídos pelos inexpressivos cafés expressos,  tinham um pouco do charme aristocrático do inicio do século, e um toque parisiense. 

No térreo do palácio do Comércio ficava o bem instalado Café belas Artes, preferido para o lanche depois das sessões noturnas do Cine Diogo e do Moderno (arquivo Nirez)

Os salões não eram amplos, mas como todos funcionavam nos térreos de antigos prédios, tinham pé-direito bastante elevado, o que lhes conferia certa dignidade. Todos tinham muitas portas, meia-parede azulejada com o indispensável friso de arremate em relevo, muitos espelhos, um balcão-fiteiro, mesas e cadeiras e, a um canto, a tabacaria.
As mesas tinham tampo de mármore e bases de ferro fundido, predominando o já desaparecido modelo “galho de árvore”, hoje peça rara de antiquário. As cadeiras, anatômicas e confortáveis, não raro eram austríacas, com assentos de palhinha indiana. 
No balcão-fiteiro, às vezes revestido de espelhos e revestidos de lâmpadas, ficavam expostas as especialidades da casa: bolos Luiz Felipe e Sousa Leão, grude, doces caseiros, de goiaba em calda; bananas baba-de-boi, inteiras, mergulhadas numa calda rosada, doce de leite encaroçado, fatias de queijo coalho; a bola vermelha do queijo do reino, marca Borboleta
Na geladeira refrescos de maracujá, cajá e murici, conforme a estação do ano. Outras sugestões para a merenda eram abacatada, bananada e Toddy, batidos na “Ostereizer”, não existia ainda liquidificador. 
Também podia ser pedido um copo de leite e é claro, o cafezinho, que ninguém chamava assim, era apenas café. Na tabacaria, as opções de marcas dos cigarros Souza Cruz: Continental, com ou sem ponteira, Hollywood e Colúmbia. Da Fábrica Araken havia o Globo, Kennel Club Princesa, Garoto e Yolanda.  E charutos de várias procedências, desde o chamado mata-rato até o sofisticado cubano. 




Sobre o balcão ficava o acendedor de cigarros, original invenção que consistia numa espécie de lamparina de flandre, tendo no lugar do pavio convencional, a ponta incandescente de uma corda de tucum, que nunca se apagava nem aumentava a chama. À medida que ia queimando, lentamente, era só puxar a ponta da corda que ficava enroscada no interior da pirâmide de lata. 
Nos cafés, que eram redutos exclusivos dos homens, discutia-se política e a ditadura Vargas, o charuto do Churchill, o talento de Shirley Temple, o suicídio de Hitler e a guerra recém-finda. Comentava-se sobre o barulho dos bondes da Light, reclamavam da carestia, do calor, da morosidade das obras do futuro Cine São Luis, e falava-se sobre as “Coca-Colas”, agora sem os americanos, uns contra, outros a favor das meninas.
De todos os cafés, dois se destacavam pelo requinte e educação dos funcionários: o Café Sport, dos irmãos Emygdio e o Odeon

Prédio onde funcionou o Café Sport dos Irmãos Emygdio. Era o mais central e bem frequentado café da cidade, no cruzamento das ruas Major Facundo e Liberato Barroso. O imóvel ainda existe e abriga a loja de calçados A Esquisita. (acervo Marciano Lopes)

O Sport ficava na esquina das Ruas Major Facundo e Liberato Barroso, precisamente onde atualmente se encontra a Loja A Esquisita. A loja já existia, vizinha. Com a extinção do café, a sapataria foi ampliada e ganhou a esquina. 
O Odeon, na esquina das ruas Barão do Rio Branco e Senador Alencar, tinha portas de “saloon”, de vidro jateado e letreiro em vidro brilhante. 
Na Rua São Paulo estavam localizados vários estabelecimentos do gênero:  na esquina com a Barão do Rio Branco ficava o Café América, e na esquina com a Major Facundo, estava o Royal
No meio do quarteirão, entre a Major Facundo e Floriano Peixoto, estava o Café São Paulo. Outro café de meio de quarteirão era o Café do Comércio, na Rua Major Facundo entre a São Paulo e a Guilherme Rocha. 
Também fora da esquina era o Café Baturité, na Rua Floriano Peixoto, entre o Café Globo e a Livraria Comercial.
 O Café Globo era o mais amplo e o mais frequentado, e consequentemente, o mais famoso. Mereceu até espaço  permanente  num jornal “Dizem no café Globo”, uma charge, onde o assunto mais palpitante do dia era abordado com humor, em forme de diálogo.
O Globo era frequentado pelos políticos e pelos intelectuais. Em suas muitas portas podiam ser vistos, a qualquer hora do dia, deputados (devido também a proximidade com a Assembleia), poetas e escritores conhecidos.  Ocupava o térreo do palacete antes usado pela loja Rosa dos Alpes, lado oposto da Rotisserie, na Rua Guilherme Rocha.  O Globo conservou-se ativo de 1936 a 1955. 

No cruzamento das ruas Guilherme Rocha com Floriano Peixoto, pode ser visto o Sobrado do Pastor, onde no térreo, funcionou o Café Globo. Atualmente funciona no local o Restaurante Le Scale. (arquivo Nirez)

O Café Poty estava localizado noutra esquina movimentada: Barão do Rio Branco com Guilherme Rocha, térreo do velho sobradão, local do atual edifício Jalcy. Na esquina da Barão do Rio Branco com Liberato Barroso, ficava o Café Familiar. No mesmo cruzamento, na transversal ao Café Familiar, estava o Café do Fórum.
Naquele tempo a cidade não tinha pressa, não havia correria para nada, exceto para pegar o último bonde da noite. Os frequentadores se deixavam ficar nos cafés, onde eram atendidos calmamente, por atenciosos e bem humorados garçons.
Então o fulano, aboletado na cadeira confortável, cruzava as pernas vestidas no mais puro e cintilante linho irlandês, puxava o cigarro que o garçom, solícito acendia, e abria o jornal. Depois de ler e reler o jornal, o freguês levantava-se  espreguiçava-se , reclamava o serviço e ...pagava um tostão.

fonte: Marciano Lopes. 

5 comentários:

André Franklin disse...

Conta a minha avó que meu avô João Franklin Sobreira Torres trabalhou no Café Poty. A experiência lhe valeu o gosto pela mesa farta e variada, e pelas guloseimas que meu pai tanto se regala de recordar em sua infância. E certamente a excelência em bem servir.
Desde quando não sei, mas até 1926 com certeza trabalhou lá, quando então ingressou no Banco do Brasil, onde ingressou pelo apreço de clientes com cargos importantes lá, de onde veio a aposentar-se após 30 anos de serviços prestados, especialmente de portaria, zeladoria, recebimento e envio de malotes de documentos e encomendas diversas. Ainda temos cartas trocadas com colegas e amigos, dos quais recebia pedidos de favores e a quem despachava, como prova de apreço e cortesia, produtos locais, tais como compotas, castanhas. Uma tia que teve que ir morar em Brasília, esta ainda nos seus começos, recebia dele "as caixas do Ceará", com peixe frito, "farofa de viagem", frutas, doces, e tudo o mais que minha avó e ele preparavam e embalavam com o maior carinho. Ele, devido ao banco, conhecia perfeitamente como enviar por via aeréa para lá chegar o mais breve possível. Os vizinhos ficavam de olho quando chegavam as novidades, faziam fila para saborear as delícias, cujo sucesso demandava crescentes acréscimos nas quantidades... Parabéns ao blog por buscar ilustrar essa época tão especial, de pessoas tão cheias de prontidão, dedicação e excelência como meu avô!

Fátima Garcia disse...

obrigada pelo comentário Andre Franklin, depoimentos como esse enriquecem e dão uma ideia do contexto do funcionamento e da importância daqueles espaços sociais que eram os cafés antigos.
abs

Anônimo disse...

Legal! Muito bom essa matéria. Curitiba sempre teve uma atmosfera elegante em todos os sentidos. Apesar de os tempos serem outros, ainda existe uma magia em suas estruturas. Gostei da imagem da carteira de Continental. Lembro de ter visto pela última vez quando tinha meus 7/8 anos.
Um grande abraço Fátima.

Marcelo Kuhn.

Fátima Garcia disse...

Pois é Marcelo, esses cafés perderam espaço no cenário de Fortaleza, mas refletiram toda uma época de vivências e civilidades que a cidade perdeu. Conheço Curitiba, de fato, ainda tem um charme e uma tranquilidade que não se vê mais por aqui.
abs

MIRZA disse...

Vixe como era bom o dia de fazer exame de sangue! Assim que acabava o meu papai me levava para tomsr café no Café do Comercio...Era o céu para mim, garotinha de 6 anos.
Tinha o pão gostoso com nata à vontade! Era TUDO!!! Além do café com leite mais gostoso do mundo. Que saudades!!!!