sexta-feira, 22 de julho de 2011

O Show da Fé: As Procissões em Fortaleza

As antigas procissões evitavam passar pela Praça do Ferreira, temiam a língua do povo. Esta precaução, entretanto, se livrava os religiosos das vaias e da ação da famosa molecagem que se aglutinava na praça, não os livrava da maledicência de seus críticos: o Bispo Dom Manoel, 1° Arcebispo de Fortaleza, era sempre chamado pelo apelido que ganhou no Aracati: Bolo Confeitado;  o seu sucessor era chamado de Envelope Aéreo

As procissões evitavam a passagem pela Praça do Ferreira (arquivo Nirez) 

Já a congregação Filhos de Maria tinha o apelido de Biscoitos de Monsenhor Tabosa,  o diretor da congregação no Ceará.  As beatas eram as Baratas de Sacristia. 
Desta forma os adversários da igreja – que não eram poucos – se vingavam das ofensas proferidas por padres furibundos, que apontavam todos que não pertenciam às suas fileiras, (maçons, protestantes, espíritas, livres-pensadores e comunistas) como criaturas demoníacas, indignas de conviver com católicos. 
Esta postura dos clérigos surtira efeito nas eleições do ano de 1934, influenciando o eleitorado  que votou em peso na Liga Eleitoral Católica – LEC, uma coligação formada pelo que havia de mais reacionário no Estado, em detrimento do Partido Social Democrata – PSD, agremiação que abrigava a burguesia liberal do Ceará. 
O fato acirrou os ânimos contra o clero e conta a própria igreja.  Naquela época a Igreja Católica ainda não havia perdido o ranço dos tempos medievais. Era exigida dos seguidores a mais absoluta obediência.  A excomunhão era recurso usado  regularmente, especialmente pelo bispo Dom Manuel.

A Praça atualmente conhecida como Filgueira de Melo, era o ponto final das procissões de Corpus-Christi (arquivo Marciano Lopes)

Certa vez ele convocou os bispos do Crato e Sobral, para juntos amaldiçoarem o jornalista Júlio de Matos Ibiapina, diretor do jornal O Ceará.
Em outra ocasião, em 1926, foi excomungada uma comissão formada de vinte e tantos moradores do município, a qual havia comparecido ao palácio para implorar ao bispo que reconsiderasse a interdição da Capela de São Pedro, de grande significação para aquela gente. 
O bispo não só não reconsiderou como impôs como castigo a maldição dos insatisfeitos com a medida episcopal. 
As procissões, por sua vez, até o final da década de quarenta, tinham toda a pompa, constituíam verdadeiros espetáculos. Movimentavam toda a população, faziam dobrar os sinos e os joelhos dos fiéis. 
Os cortejos desfilavam pelas ruas de Fortaleza anunciados pela barulheira ensurdecedora de uma matraca acionada pelo sacristão. Seguiam-se os Irmãos do Santíssimo empunhando enormes castiçais, colocando-se em redor do pálio sob o qual se abrigavam o bispo e os demais dignitários da igreja. 
Perto destes, as autoridades e por últimos os Filhos e Filhas de Maria, vestidos de branco, com fitas azuis ao pescoço. Acompanhava-os a massa de fiéis.

As procissões pareciam monumentais representações teatrais, com um coro grandioso entoando cantos gregorianos. Associações pias, colégios religiosos em suas fardas de gala, andores, pálios, banda de música. Um grandioso espetáculo. (arquivo Marciano Lopes) 

As duas procissões mais importantes eram a de Corpus-Christi  e a do Senhor Morto. A primeira, contava com representações de todos os colégios católicos de Fortaleza, com os estudantes em suas fardas de gala; guarnições militares, inclusive os elegantes cadetes da Escola Preparatória; todas as associações pias, o Seminário. 
A procissão de Corpus-Christi saía da Igreja do Pequeno Grande, que funcionava como catedral  provisória, dobrava a direita na Rua Coronel Ferraz e à esquerda na Rua Visconde de Sabóya, que passa a ser Rua São Paulo e seguia em frente até a General Sampaio, dobrando à esquerda, rumo à Praça José de Alencar, onde acontecia a primeira benção, em frente à Matriz do Patrocínio. 

Nas procissões de Corpus-Christi, todos os seminaristas e grande número de sacerdotes se faziam presentes. Sob o pálio, o arcebispo conduzia o ostensório de ouro com a Eucaristía. (arquivo Marciano Lopes)

Em seguida o cortejo contornava a praça, seguia pela Liberato Barroso, virava à direita na Senador Pompeu, dobrava à esquerda na Pedro Pereira, onde tinha a segunda benção em frente a sede do jornal católico O Nordeste, na esquina da Rua General Bezerril ao lado da Cidade da Criança.
Depois, a procissão seguia pela Pedro Pereira, 25 de Março e Praça da Escola Normal, acontecendo então a terceira e última benção, no adro da Igreja do Pequeno-Grande. 

Conjunto arquitetônico, Colégio da Imaculada Conceição, Igreja do Pequeno Grande (arquivo Nirez)

De irresistível beleza plástica, a procissão de Corpus-Christi era um espetáculo que merecia ser visto, independentemente de religiosidade.
Nessa ocasião a igreja usava o amarelo e branco, suas cores oficiais, que davam ao ato, um clima de festiva alegria. Por onde passava o cortejo religioso, as famílias estendiam nas sacadas, os seus panos mais preciosos em formas de toalhas, colchas e cortinas, escolhidos entre suas peças mais suntuosas. 
O percurso, escolhido criteriosamente, passava prudentemente, longe de quaisquer manifestações dos irreverentes frequentadores da Praça do Ferreira.

Extraídos dos livros:
de Alberto S. Galeno
e Marciano Lopes

2 comentários:

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Acompanhei muitas procissões, afinal sou filha de ex-filha de Maria e Mariano.As Filhas de Maria, tinham que ser solteiras, quando se casavam, entravam para a congregação das Senhoras de Caridade
Muito interessante, os apelidos.

Fátima Garcia disse...

Era a vingança dos excluídos pela igreja.Pena que as procissões hoje estejam esvaziadas, é mais uma tradição que está perdendo espaço na "cidade grande".
bjs