domingo, 10 de julho de 2011

O que mudou em Fortaleza nos tempos da Belle Epoque

No final do século XIX, com a substituição da pecuária extensiva pelo algodão como produto básico da economia agrária cearense, Fortaleza conheceu seu primeiro fluxo real de crescimento, na condição de porto escoadouro do comércio algodoeiro, principalmente com a Inglaterra. A exemplo do que ocorreu em outras cidades do Nordeste, as elites rurais fixaram residência no centro urbano e Fortaleza viu crescer um extrato social formado por pequenos comerciantes, profissionais autônomos e funcionários públicos, demandando toda uma rede de serviços e melhoramentos públicos.

Vista panorâmica de Fortaleza em 1930. Em evidência a Praça e o Teatro José de Alencar; e as Igrejas do Patrocínio, da Sé e do Coração de Jesus (arquivo Nirez)

A exportação de algodão também forçou uma melhoria da infraestrutura urbana,  particularmente nas instalações portuárias e no sistema de circulação de transportes. Fortaleza já possuía, então, uma economia relativamente diversificada, com atividades como manufaturas e pequenos estabelecimentos industriais para abastecimento do mercado local, prestação de serviços diversos e um comércio varejista de maior porte.

Praça José de Alencar em 1910 (arquivo Nirez)

Formou-se na cidade uma burguesia comercial importadora-exportadora que, sem se desligar do latifúndio rural, estabeleceu uma vivência urbana, ligada aos grandes centros do Brasil e da Europa. Este segmento de altos comerciantes, sonhava ocultar suas rústicas origens sertanejas com o lustro refinado das luzes  civilizadas. O modelo a ser imitado agora era Paris, Lisboa estava ultrapassada.

Fachada Loja Torre Eiffel, na rua Major Facundo, n° 88, tendo na porta dos proprietários Jáder Augusto de Morais, Paulo Augusto de Morais e Célio Augusto de Morais. foto de 1924 (arquivo Nirez)

Hábitos e costumes deveriam ser reciclados. A ordem era apagar a arquitetura austera herdada da casa-grande e mesmo o neoclassicismo singelo dos primeiros prédios urbanos. Para alcançar a civilização era necessário respirar o ambiente sofisticado da belle époque. Inspirado nas ideias positivistas de Ordem e Progresso, defendidas pelo governo federal, o projeto de modernização buscava oferecer não apenas os elementos de asseio e boa higiene à população, como também promover o embelezamento e aformoseamento da cidade.

Já em 1875, Adolfo Hebster, engenheiro da província do Ceará e da Câmara Municipal de Fortaleza, respeitando o traçado em forma de xadrez implantado anos atrás por Silva Paulet, no primeiro plano diretor de Fortaleza, sobre o qual a cidade se desenvolvia desde 1918, ampliou esse traçado para além dos limites de então e projetou a abertura de três boulevards destinados a facilitar a circulação urbana.

Hebster buscava com seu projeto, oferecer a Fortaleza um circuito de avenidas à moda parisiense, como providência para a racionalização e embelezamento do espaço urbano de Fortaleza.
No teatro, a sátira ao matuto e à caipirice de nossos costumes, que dominou grande parte de nossa dramaturgia até os anos 30 do século XX, expressava esse desejo.  Na arquitetura é eleito o ecletismo como símbolo do poder e das aspirações da nova classe, formada por altos comerciantes.
teatro José de Alencar, inaugurado em 1910, um dos símbolos da belle epoque e do afrancesamento da arquitetura (arquivo Nirez)

O ecletismo na arquitetura, a pretexto de sintetizar o melhor das diversas épocas, selecionava elementos díspares numa salada de estilos em que o limite entre a exuberância e o mau gosto ficava por conta da decoração excessiva.
Em nome do progresso, da civilização, Fortaleza passou a ser afrancesada. Na Praça Marquês do Herval foram colocadas cópias de estátuas gregas  similares às pertencentes ao Museu do Louvre. No mesmo local foi erguido um pavilhão de patinação, ginástica, e concertos, à imagem do que acontecia em Paris. 

coreto no centro do Jardim Nogueira Accioly, na Praça Marquês de Herval (arquivo Nirez)

Uma Academia Francesa é fundada e o chefe de governo Nogueira Accioly é chamado de o nosso Haussmann (o grande reformador de Paris).
 Foi encomendado a Guillot Pelletier um mercado de ferro, o mais belo e talvez o mais confortável de toda a América do Sul, importado diretamente da França. Milionários encantados com os quartiers onde estiveram hospedados em Paris mandaram construir em Fortaleza réplicas de prédios inteiros.

Palacete Guarani (arquivo Nirez)

O mais famoso é o casarão da antiga Associação Comercial, depois transformado no mais famoso cabaré de Fortaleza, a boate Guarany. O porto, as praças recém-reformadas, o Passeio Público, as largas avenidas, as ruas alinhadas, os bondes, os quiosques, os edifícios públicos, as mansões imponentes, as casas comerciais, esses novos cenários urbanos, induziam a transformação de velhos costumes, substituindo-os por outros, tidos como civilizados, como os passeios dominicais, as retretas, a frequência elegante aos cafés, aos cinemas, ao teatro.

Passeio público em 1906, local preferido para os passeios dominicais das famílias cearenses. às 4ªs feiras e domingos, era cobrado aluguel para quem sentasse nas cadeiras. (arquivo Nirez)

Particularmente, o comércio se fazia representar à altura na paisagem urbana, não apenas no capricho arquitetônico de suas lojas, mas também nas representações coletivas, como o famoso prédio da Fênix Caixeiral, ligada aos comerciários. Esse foi o período que ficou conhecido como belle époque, cenário onde foi erguido o Theatro José de Alencar, o reino do ecletismo na arquitetura e no afrancesamento nos costumes, modismo que é avaliado pela ótica do professor e historiador Liberal de Castro:  o ecletismo arquitetônico aproxima-se do fim. Meio século depois, ante os olhos de uma população desorientada, seus exemplares remanescentes significariam indícios de um passado feliz, na verdade vivido apenas por um reduzido número de eleitos.

Extraído do livro: 
Theatro José de Alencar: o teatro e a cidade. 

4 comentários:

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Ainda me lembro da fachada da loja Torre Eiffel, penso que o prédio, com a tal fachada, ainda permaneceu por muitos anos, depois que a loja fechou suas portas.
O coreto, da Marquês de Herval, era lindo, nunca tinha visto foto dele, essa é novidade, pra mim.

O estilo "belle epoque" embelezava a cidade. Agora, além de ter se "abralileirado", Fortaleza se avacalhou, se enfeiou, tá "relaxada", graças aos administradores...relapsos...
Se nacionalizasse, mas com dignidade e rspeito, para orgulho de seus filhos!

Fátima Garcia disse...

Voce já tinha visto outras fotos do coreto, só que não tão de perto. Essa foto está no livro do Marciano Lopes, só que a resolução é muito ruim e não dava p/aproveitar. Essa versão que coloquei é fruto de um minucioso trabalho feito num desses programas milagrosos de fotoshop, feito pelo meu filhote. Agora, daqui a pouco, ela vai estar em tudo quanto é blog, espere e verá.
bjs

Anônimo disse...

Jáder Morais é meu bisavõ! Que mundo pequeno. Você por acaso possui outras fotos dessa época?

Fátima Garcia disse...

vou procurar, e os outros devem ser também seus parentes, já que os sobrenomes são iguais!
abs