domingo, 24 de julho de 2011

Os americanos no Ceará e a ousadia das Coca-Colas

Com a entrada do Brasil na guerra contra o Eixo, Fortaleza encheu-se de soldados e marinheiros norte-americanos,  em trânsito para os campos de batalha europeus.  Enquanto permaneciam aqui, os gringos procuravam se divertir o mais que podiam, não sendo difícil para eles, atrair muitas moças da classe média alta, que logo se tornaram suas namoradas. Coube a essas ousadas mulheres,  realizar uma verdadeira revolução nos costumes da cidade provinciana de então. 

Praça do Ferreira, década de 1940

Puseram fim ao tabu de que  moças de família não deveriam sair desacompanhadas de pais ou irmãos, a sós com os namorados. E muito menos quando essas saídas fossem à noite, depois das nove batidas do relógio da Coluna da Hora. 
Pois as coca-colas – como foram apelidadas, talvez por ser esse um dos principais símbolos americanos – ousaram fazê-lo para desespero das mães,  espanto das avós e deleite da vizinhança, que tinha assunto para falatório durante muito tempo. 
Elas saíam de braços dados, com os namorados estrangeiros, fosse de dia, fosse de noite. O point elegante da cidade, frequentado pela juventude da época e que passou ser também um dos preferidos dos americanos, era o bar O Jangadeiro, na Praça do Ferreira. 

O Bar O Jangadeiro, na Praça do Ferreira era um front na batalha das Coca-Colas contra o preconceito. Ali elas tinham encontros com os soldados americanos (arquivo Marciano Lopes)

Outro ponto de encontro era na Praia de Iracema, onde se instalaria posteriormente o famoso restaurante Estoril, onde funcionava o USO, clube dos oficiais americanos, de muita frequência,  especialmente feminina.   
Coube também aos americanos o início de outra revolução de hábitos e usos em Fortaleza. Os filhos de Tio Sam tomavam cachaça sem o menor constrangimento. Chegavam ao Jangadeiro pedindo que lhes servissem uísque. 

Vila Morena, na Praia de Iracema, transformada em clube dos oficiais norte-americanos durante a 2a. guerra, era o reduto das moças da sociedade local que tinham coragem de enfrentar as criticas e reprovações e assumiam o namoro com os soldados americanos (arquivo Marciano Lopes) 

Ao ouvirem dos garçons que o produto estava em falta, pediam então outra bebida forte.  E os garçons empurravam aguardente.  A cachaça misturada com Coca-Cola era muito apreciada pelos americanos. 
E como no Ceará as elites costumam imitar tudo que fazem os estrangeiros, logo virou moda  tomar cachaça com Coca-Cola.  A partir daí a cachaça ganhou status de bebida de classe, perdeu o estigma de bebida de párias sociais para virar uísque nacional. 
Enquanto isso no bar e sorveteria O Jangadeiro, surgia sério desentendimento entre os rapazes do soçaite local e os garçons. Estes se esquivavam de atendê-los preferindo os americanos, porque os gringos, além de pagarem regiamente, ainda o faziam em dólares. 
Os antigos clientes reclamaram com o dono do estabelecimento, o sobralense José Frota Passou que não titubeou: a frequência não lhe interessava, preferia antes os americanos porque não olhavam para o montante das despesas. A resposta do comerciante irritou a rapaziada que em represália, tentou quebrar o estabelecimento. Mesas e cadeiras chegaram a ser quebradas, enquanto na Praça do Ferreira juntava gente pronta para colaborar com a depredação. No entanto, a turma do deixa disso entrou em ação conseguindo acalmar os ânimos. Tudo por conta do nosso esforço de guerra.
Terminada a guerra, os soldados americanos retornaram ao seu país de origem e as Coca-Colas ficaram desativadas. Mas continuaram a desfilar seu charme e elegância pelas ruas da cidade, motivando as mais variadas reações.  As crianças ficavam boquiabertas ante aquelas verdadeiras afrodites  que desafiavam os costumes e a moral da época
 – mãe que moça linda!
E a mãe, puxando o rebento pela orelha:
 – não olha, menino! É uma Coca-Cola!  

Segundo Blanchard Girão, circulava entre os alunos do Liceu, em cópias datilografadas, uma relação com os nomes das Coca-Colas, moças faladas, que os jovens cearenses  não aceitavam de modo algum para casar. Várias dessas moças acabaram casando com soldados e, ao término da guerra transferiram-se com eles para os Estados Unidos.



Depois dos americanos, vieram os produtos produzidos por eles: a Coca-Cola, as meias de nylon, a goma de mascar, o plástico, o pirex, a caneta esferográfica e outros. 

As tropas americanas permaneceram em Fortaleza entre 1943 e 1946. Terminado o conflito, a população entendeu que era hora deles deixarem nossa terra. E começaram a surgir desavenças entre gringos e nativos. 
Certo dia, ao cair da tarde, um senhor, aparentemente de posses, deixou o carro estacionado em frente a uma tabacaria, ao lado da Rotisserie (atual prédio da Caixa Econômica na esquina das Ruas Floriano Peixoto e Guilherme Rocha), na Praça do Ferreira.  A esposa permaneceu dentro do veículo, quando dela se aproximou  um marujo americano, muito alto e magro, que dirigiu um gracejo para a mulher. Ao perceber o assédio, o marido saltou como uma fera contra o galanteador, de faca em punho. 
O americano desabou em incrível velocidade, sob as vaias da população, indo homiziar-se no Excelsior Hotel para fugir da fúria do perseguidor.  

Fontes:
Alberto S. Galeno,
Blanchard Girão
Marciano Lopes

Nenhum comentário: