sexta-feira, 16 de março de 2012

Fortaleza de Outrora Parte 1/2

O texto que se segue é de uma crônica do memorialista Marciano Lopes, na qual o autor compara a cidade que ele conheceu na década de 1940, com a Fortaleza em outra época – provavelmente meados da década de 1990, ano da publicação da 4a. edição (revisada e ampliada) do livro Royal Briar.  Aproveitemos essa viagem no tempo, iniciada pelo autor, para fazer uma pequena atualização (não tão rica, nem tão detalhista quanto a de Marciano Lopes), com a cidade atual.


Praça do Ferreira após a reforma da década de 1960 (foto de Nelson Bezerra)

Rescaldo – O que sobrou da Guerra do Progresso (por Marciano Lopes)

Sai pelas noites de Fortaleza para conferir o que restou da longa e sofrida guerra do progresso e fiquei sofrido com o  resultado do rescaldo: do grande cataclisma, pouco restou. Casas derrubadas, fachadas mutiladas ou adulteradas, palacetes transformados em terrenos baldios ou estacionamentos. Por quê? A gente se pergunta. E a resposta só pode ser uma: as pessoas sem cultura sentem vergonha de tudo o que é antigo, com o que tem ranços de tempo. Certamente, medo pela alusão à própria idade.
Quem se der ao exercício de andar no espaço compreendido entre o bairro de Jacarecanga e as proximidades da Praça do Colégio Militar e da Rua Domingos Olímpio e a orla marítima, constatará que não há exagero no que afirmo. 


Rua no bairro Jacarecanga (arquivo Nirez)
Rua no bairro Jacarecanga  (foto do arquivo do blog)

Quase todo o centro de Fortaleza foi destruído criminosamente. Nesse retângulo geográfico de nossa cidade tão amada, tudo foi desfigurado, descaracterizado e contam-se nos dedos das mãos os prédios que sobraram, assim mesmo com interferências modernosas que ferem a dignidade dos mesmos.  
Vi em outras cidades por onde andei prédios antigos, restaurados e ocupados por lojas de modas, bancos e agências de turismo, sem a necessidade de camuflar fachadas. Ao contrário, o rebuscado formado por platibandas, cornijas e outros relevos, dando dignidade ao estabelecimento comercial. 


Avenida Barão de Studart em 1938 (Arquivo Nirez) 
avenida Barão de Studart atual (arquivo do Blog) 

Aqui em Fortaleza, caso raro, todas as firmas que ocuparam construções das primeiras décadas deste século, precisaram esconder as belas fachadas com tapumes infames, feitos de materiais vagabundos e facilmente perecíveis, fazendo contrastes berrantes com a beleza dos prédios. Quem quiser, basta ir à Manaus, para aprender como ali se sabe dar nobreza a uma loja, deixando fachadas antigas no original, tão diferente daqui. Prova incontestável da incultura da nossa gente.
Ando pelas noites de Fortaleza e constato com profunda tristeza, o ocaso do romantismo de nossa outrora encantadora cidade. E faço a mim mesmo a pergunta: cadê as praças antigamente tão ajardinadas, tão arborizadas, tão limpas, tão bucólicas? Relembro a Praça do Coração de Jesus, agora transformada em favela imunda e fétida e sinto vergonha, sinto vontade de chorar, sinto vontade de ir embora para bem longe, quando recordo na minha juventude, a placidez do pequeno espelho d’água que emergia do relvado daquela praça tão linda. 


Rua Floriano Peixoto (arquivo Nirez) 
Rua Floriano Peixoto, trecho Praça do Ferreira (arquivo do blog)

Cadê as ruas calmas, pavimentadas a paralelepípedos e a concreto, os fícus-benjamins podados com arte e esmero, os poucos carros passando sem pressa? Cadê os cafés das esquinas, os bondes barulhentos como a despertar a cidade da sua eterna modorra?
O que fizeram com o Palace Hotel, o Astória Hotel, o Fortaleza Hotel, o Internacional Hotel? Cadê a aconchegante Pensão Sobral, de Dona Mimosa Sá? Só restou o tradicional Excelsior, seriamente mutilado, com uma decoração duvidosa e o seu outrora afamado terraço com uma cobertura em estrutura de metal que fere a sua nobreza.


Grupo Escolar Juvenal Galeno, que já foi chamado Fernandes Vieira, teve sua construção iniciada em 1923, construído pelo arquiteto carioca Armando Oliveira (arquivo Nirez).  

O estabelecimento de ensino ainda funciona no mesmo local, com algumas alterações na fachada. Abriga a escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Juvenal Galeno (foto do arquivo do blog)

O que aconteceu aos saudosos grupos escolares e as suas mestras respeitáveis? Cadê o Grupo Escolar José de Alencar, ao lado do Teatro;  O Grupo Escolar Rodolfo Teófilo, onde agora funciona a Faculdade de Economia; o Grupo Escolar Visconde do Rio Branco, perto da antiga Estação dos Bondes; o Grupo Escolar Presidente Roosevelt, na Avenida Bezerra de Menezes; o Grupo Escolar Juvenal Galeno, com seus vitrais na fachada de influência normanda, na Praça do Liceu; cadê o Grupo Escolar Clóvis Beviláqua, na esquina das Avenidas Dom Manuel e Santos Dumont? 


Grupo Escolar do Benfica, inaugurado em 2 de janeiro de 1923, na Avenida Visconde Cauipe (atual Avenida da Universidade), depois passou a ser denominado Grupo Escolar Rodolfo Téofilo. Em 1956 o estabelecimento de ensino mudou-se para uma rua próxima, e o prédio passou a abrigar o Museu Antropológico (arquivo Nirez)

Hoje o edifício abriga a FEAAC - Faculdade de Economia, Administração, Atuária, Contabilidade e Secretariado Executivo, da Universidade Federal do Ceará. Apesar de algumas alterações na fachada, a edificação continua imponente. (foto panorâmio) 

Morreram os velhos grupos escolares quando morreu o respeito aos mestres, quando as sábias professoras desapareceram, quando os “professores” tem a mesma idade dos alunos e passou a imperar a promiscuidade.
O que fizeram aos velhos cinemas que tanto marcaram a minha juventude? Cadê o Moderno e os seus castelos emaranhados emoldurando a tela? E o Majestic, com seus seriados e “geral” tão popular e cheia de folclore? Cadê o Rex com suas manhãs de domingo e a criançada trocando figurinhas numa alegria, numa algazarra sem fim? Cadê o centro, ah, Cine Centro de tantas saudades, talvez um dos elos principais de ligação com a minha infância. Que fizeram com o Cine Luz, o Ventura, o Nazaré, o Familiar, o Santos Dumont, o Mucuripe, o Joaquim Távora, o América, o São José, o Excelsior, o Messejana? Só restou o Diogo, sujo, maltratado, maltrapilho de chinelas japonesas rotas e bermudas encardidas. O Diogo, tão sóbrio de paletó e sapatos engraxados... 


Portaria do Cine Diogo (arquivo Nirez)
O Cine Diogo encerrou suas atividades em 1997, hoje na parte do edifício que abrigou o cinema funciona um shopping center (foto arquivo do blog)

E o que fizeram aos seriados? Para onde migraram os heróis de todos os que foram adolescentes na década de quarenta? Onde está a Nioka, o Capitão Marvel, o Super-Homem? Nem o último dos Moicanos restou...

continua....

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