quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Os Construtores de Fortaleza: Francisco Coutinho e Adolfo Herbster

Mesmo depois de promovida à categoria de cidade, por decreto imperial de 17 de março de 1823, a capital do Ceará continuaria ostentando um inconfundível ar de pobreza, as ruas sem pavimentação, às noites às escuras, todos andando a pé, pois não havia qualquer espécie de veículo, as cargas transportadas nos costados dos animais. 


Rua da Assembleia atual Visconde de Saboia - 1908 (arquivo Nirez) 

As casas, na quase totalidade, nenhuma estética apresentava nas suas fachadas, e era quase rudimentar o conforto interno, sem serviço de água, e com iluminação mortiça, a base de azeite de peixe.  Quando foram feitas as primeiras casas, ainda não se pensava em arquitetura e estética  na acomodação de cada um, como nos tempos primitivos. 

havia grande preocupação com a higienização das ruas devido ao grande número de animais trafegando pela cidade (arquivo Nirez)

O costume era edificar-se à beira da água, guardando as suas sinuosidades. Daí serem as vias tortas quase sempre, embora ganhassem nomes como Rua Direita, acompanhando o curso do riacho Pajeú. A configuração das ruas era toda tortuosa e entranhada, uma povoação, decididamente, incorreta.

A modificação disso teve como fator a influência do engenheiro Silva Paulet, com seu plano de retificação e de expansão disciplinada. As vias públicas passaram a obedecer um sistema, cortadas em ângulo reto e os prédios mudaram gradativamente a sua estrutura de taipa para alvenaria de tijolo, mas ainda eram baixos e sem frontões ou cornijas, de beiral liso, como se dizia. Os parapeitos urgiram por volta de 1840. 

Em tudo, o olhar vigilante do Boticário Ferreira – Antônio Rodrigues Ferreira – intransigente, feroz no acatamento à planta de Paulet.  As construções residenciais eram ligadas umas às outras, paredes-meias, com o interior sempre igual. Chamaram-lhes casas-cachimbos, com a cozinha ligada à sala de jantar, soltando fumaça a toda hora. 

Até ali, os dois artistas que mais se distinguiram na melhoria da aparência dada à edificação da Fortaleza, foram Francisco de Paula e Adolfo Herbster. O primeiro, natural de Aracati, era um engenheiro nato, sabia como que por uma revelação, todas as artes e ofícios, sem nunca ter cursado escola.


dia da última missa na antiga Sé
O edifício da Sé e seu Cruzeiro foram obras das mãos habilidosas de Tavares Coutinho. Ambos demolidos em 1938 (arquivo Nirez) 

Este mestre Francisco de Paula Tavares Coutinho, no conceito de historiador Cruz Abreu, um acabado professor de arquitetura,  era sempre chamado a dar sua opinião nos projetos da cidade. Nunca houve a lamentar-se erro em planta ou execução que se lhe confiasse. Sem visar às vantagens materiais, trabalhou dezenas de anos na construção de Fortaleza.  Atento à perfeição do seu trabalho, muitos dos antigos prédios de hoje constituíam o inicio de uma fase de renovação na arquitetura urbana, inaugurada por Tavares Coutinho.

A cidade era quase toda formada de casebres. Na maioria das ruas, só se encontravam casas baixas e estreitas, de porta e janela, sem rótulas ou persianas. Era o tipo comum de edificação. Os sobrados, em número limitado, considerados residências nobres, eram, de fato, ocupados por pessoas de boa situação financeira. 

Mesmo  entre esses proprietários, muitos haviam que preferiam levantar casas de um só pavimento, talvez por influência ainda, do conceito equivocado que prevaleceu em Fortaleza por muito tempo, enquanto a cidade se desenvolvia na sua primeira fase – que o solo em que se edificava não oferecia resistência à prédios de mais de um andar. 

Esquina das ruas Major Facundo com Guilherme Rocha com o sobrado do Comendador Machado, demolido em 1927 para dar lugar ao Excelsior Hotel (arquivo Nirez)

Conceito errôneo, posto em formal descrédito pelo Tenente-Coronel Conrad Jacó de Niemeyer, ouvido sobre o plano de edificação do sobrado do Comendador Machado, situado na Rua Major Facundo, num dos ângulos da Praça do Ferreira, no local em que hoje se encontra o edifício do antigo Excelsior Hotel.   Sua familiaridade em outros ramos das belas-artes atestava que Coutinho nascera artista. Faleceu em 17 de agosto de 1851, já velho e alquebrado, acometido de febre amarela.

O outro arquiteto que foi decisivo para a cidade foi Adolfo Herbster, pernambucano, nascido em 14 de maio de 1826, filho de pai suíço e mãe francesa. Herbster veio para o Ceará em 1855, aos 29 anos de idade, contratado como Engenheiro da Província.  No ano seguinte assumia a direção das obras públicas gerais, para o qual fora designado pelo Presidente Francisco Xavier Paes Barreto. 

Em sessão de 8 de janeiro de 1857, a Câmara Municipal, considerando que o arruador Antônio Simões Ferreira de Farias “não pode desempenhar este lugar porque quase sempre está fora da cidade” deliberou dispensá-lo, e contratar o Engenheiro da Província, para sê-lo também da Câmara, obrigado a cordoar e tudo mais que fosse concernente à sua profissão.

Efetivamente Herbster substituiu o antigo arruador e cordoador, uma espécie de arquiteto leigo. Muitos bons serviços lhe deve a capital, não somente pelo levantamento de cartografias, como a Planta da Cidade de Fortaleza de 1852, mas também pela construção de edifícios, de estradas e outras obras como a via Fortaleza – Maranguape e a ponte que ligava a Praça da sé à Prainha, na subida do Seminário.

Herbster era de uma paciência inimitável, em se tratando de ordem e simetria dos arruamentos, desapropriando, medindo a alinhando, de modo a servir à beleza da cidade e fazer observar o plano Paulet, que devia dividir a futura povoação em paralelogramos.


década de 1930
http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=452252

A prova maior está nas cartas de Fortaleza, que traçou tendo em mira sua remodelação e sua ampliação. A primeira, de abril de 1859, aprovada pela lei provincial n° 914, de 12 de setembro, se restringe ao estado atual da cidade. Sua população, computados os subúrbios, constituídos de tugúrios de palha, não ultrapassava os 16 mil habitantes. Casas de tijolos, alinhadas, apenas 690, das quais 80 eram sobrados.

A segunda, de 1875, intitula-se Planta Topográfica da Cidade de Fortaleza e Subúrbios, porém, é antes de tudo, um traçado expansionista: pretende disciplinar o crescimento da cidade, levando o sistema xadrez muito além da parte construída.

A terceira e última é de 1888, organizada com o arquiteto já no pleno gozo da sua aposentadoria. Trata-se da Planta da Cidade de Fortaleza Capital da província do Ceará. De grande dimensão, impressa em Paris,  consolida o enxadrezamento. 

Ainda outros mapas deixou Herbster: a Planta da Povoação de Arronches, Planta do Porto da Cidade de Fortaleza, e a Planta Cadastral dos terrenos foreiros a N.S. do Rosário de Fortaleza.

bela Fortaleza atual 
Foto: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=452252

Adolfo Herbster faleceu no dia 12 de novembro de 1893, em Fortaleza.  Morreu esquecido o continuador do Boticário Ferreira. Os jornais da época mal noticiaram sua morte. O Barão de Studart, nas suas tão minuciosas Datas e Fatos, deixa em branco a data de seu desaparecimento. Só em 1932 seu nome veio a figurar numa placa de denominação de uma rua da cidade que ele ajudou a construir.

Fontes
Geografia Estética de Fortaleza
Fortaleza e a Crônica Histórica,
De Raimundo Girão

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