sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A Vida Difícil das Meninas das Pensões Alegres

Prédio que abrigava a Pensão da D. Amélia Campos, na Praça do Ferreira

Nas chamadas pensões alegres viviam as ditas mulheres de vida-fácil. Mas nada era fácil para, pois a vida daquelas mulheres era até bastante dura, a começar pela expulsão da casa, no interior, pelo pai moralista, que em nenhuma hipótese haveria de permitir que a moça continuasse morando com a família, depois de ter sido “desonrada”.

Matutas, ingênuas, a única saída era vir para a capital, meta de todos os desesperados, muito embora não contassem aqui, com parentes ou aderentes  que as acolhessem. As mais desprotegidas da beleza, arranjavam trabalho em casas de famílias como domésticas, naquela época (décadas de 40/50), uma profissão estável, onde as domésticas ficavam com a mesma família por anos a fio. 

As mais graciosas, de rostos e corpos bonitos, acabavam, invariavelmente, nos cabarés da cidade, quase sempre escravizadas pelas exigentes madames, que se vingavam do próprio passado, submetendo às suas pupilas, o mesmo tratamento que elas próprias receberam no início da carreira. As novatas, encantadas pelas luzes da nova vida, aceitavam sem reclamar.
O Sobrado do Barão da Ibiapaba, na esquina das ruas Major Facundo e Senador Alencar, onde, nos altos, funcionou durante  muitos anos, a famosa Pensão Ubirajara (Foto: Marciano Lopes)

As madames começavam dando um banho-de-loja nas iniciantes, comprando-lhes vestidos de seda, de organdi e até de veludo, muitas pedras e muitas contas de brilho. Nas Lojas de Variedades, adquiriam os batons, ruges, pós-de-arroz, lápis de sobrancelhas, esmaltes e outros artigos de higiene e maquiagem.

Na Cruzeiro, eram adquiridas roupas intimas (calcinhas, sutiãs, anáguas e combinações Valisere) Luizinho Mourão assessorava na escolha das peças, opinava sobre as peças, recomendava cores, fazia questão de passar o Jersey nos braços da futura usuária, para que sentisse a maciez do tecido.

No Bazar das Novidades, a madame escolhia as bijuterias; joias verdadeiras, só eram adquiridas mais adiante, quando a menina já estivesse com o faturamento garantido, ou quando algum cliente mais abonado resolvesse presenteá-la.  Enquanto isso, a madame financiava todos os gastos, claro que com os preços aumentados várias vezes.

Outra providência indispensável era levar a candidata para se apresentar na Chefatura de Polícia, onde era fichada no Departamento de Diversões e Costumes da Secretaria de Polícia, para autorizar sua permanência no local, ao mesmo tempo em que servia para investigação da vida pregressa, anotações de antecedentes, proteção e segurança pessoal.
Em caso de descumprimento das obrigações assumidas, a Licença de Funcionamento do lupanar era cassada por descumprimento às normas legais. 


Vista da Rua Formosa (atual Barão do Rio Branco). Em toda sua extensão um grande número de sobrados, palacetes e solares. Boa parte deles, abrigaria as pensões e lupanares, depois que os moradores abandonaram o centro. 

A novata só ia para o salão depois de alguns dias, pois tinha de ser amaciada, enquanto as contas se acumulavam.  Além dos apetrechos comprados nas lojas e magazines, a diária cobrada a preço exorbitante engrossava a dívida. A essa altura a novata já estava refém da madame, e caso demonstrasse arrependimento de ter entrado na vida, não poderia mais sair, pois a madame a ameaçava com prisão e com a presença constante de rufiões e gigolôs, sempre à disposição das marafonas, que jamais lhes negavam ajuda.

As pensões funcionavam nas principais ruas do centro, onde aliás funcionava tudo naqueles tempos. Ocupavam os pisos superiores dos velhos casarões do início do século, e em alguns casos, também o térreo, como acontecia com a Pensão Monte Carlo, vizinha ao Palácio Guarany (Clube dos Diários) e o Bar da Alegria, próximo à Tipografia Minerva. 

Ao lado do Palacete Guarany, ficava o solar do Barão de Studart, com uma pequena mansarda. A partir da década de 1940, ali funcionou a Pensão Monte Carlo. Demolido o casarão, hoje existe um estacionamento no local. (arquivo Marciano Lopes) 

Os nomes dos cabarés eram bem sofisticados: Império, Hollywood, Marajá, City, Tabariz, Cristalina. Algumas ficaram famosas ostentando apenas o nome de seus proprietários, como era o caso de Zé Tatá, que possuía duas casas, uma na esquina da Rua Barão do Rio Branco com Senador Alencar e outra, atrás dos Correios e Telégrafos, na Rua Coronel Bezerril. 

As outras pensões que ficaram conhecidas apenas pelos nomes de suas donas eram a Fanny, na Rua Dragão do Mar, a Graça, na Rua Conde d’Eu, Amélia Campos, na Rua Pedro Borges defronte a Padaria Lisbonense, Julinha Brasil, na Rua Barão do Rio Branco, Júlia Paraibana na Rua Conde d’Eu, Zeca, nos altos do café Paraense, na Rua Coronel Bezerril, Naninha, na Rua Castro e Silva, num velho sobrado onde hoje está o San Pedro Hotel.

A Rua Barão do Rio Branco, no trecho entre as Travessas São Paulo e Castro Silva, era a mais pródiga em pensões, situando pelo menos, sete delas; na Rua Major Facundo ficava a Ubirajara, que ocupava o imenso sobrado do Barão da Ibiapaba, a Marajá, no palacete que servira de residência ao médico José Lourenço e a Estrela, entre a Casa Villar e a Casa Conrado Cabral. 

Sobrado do Dr. José Lourenço, cujos salões conheceram as vibrantes festas promovidas pela Pensão Marajá.   

Na mesma rua, já na década de 1950, surge a Boite Fascinação, bem instalada, sofisticada e com mulheres de luxo. A nova casa mexeu com a cidade, incomodou a concorrência e trouxe  muita preocupação às madames.

Uma das pensões mais famosas era a de Amélia Campos, a mais próxima da Praça do Ferreira, defronte a Padaria Lisbonense. As mulheres selecionadíssimas frequentavam junto com a madame, as manhãs festivas da Rotisserie, no começo dos anos 1940. Todas bem vestidas, com chapéus e luvas, chamavam a atenção pela classe e elegância.

Um fato insólito chamava a atenção. Era Nena, a dona do Bar da Alegria. Espanhola, bem idosa, vestia-se de preto, como uma viúva recatada e pudica, com seus vestidos de panos pesados, austeras echarpes e sapatos sem saltos. Usava os cabelos presos em modesto coque. Podia ser vista, todas as manhãs, na Igreja do Rosário, desfiando as contas do terço, contrita e cheia de devoção.

Era nas pensões alegres que acontecia o vestibular dos adolescentes que tinham de provar para o pai, às vezes contra a própria vontade que também eram garanhões.

extraído do livro de Marciano Lopes.
e do Jornal Diário do Nordeste

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