quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Os Soldados da Borracha

A ocorrência de períodos de seca sempre esteve associado ao fluxo migratório  às capitais, manifestando-se de forma mais intensa na capital do Ceará.  Uma das formas encontradas pelo governo para evitar a presença maciça de flagelados na capital, foi incentivar a migração, a principio para a Região Norte, e posteriormente, de modo simultâneo, para o Sul.  

cartaz da propaganda oficial (imagem Museu da UFPA)

Na época do Estado Novo, milhares de cearenses foram recrutados para o Exército da Borracha. O tal exército surgiu em decorrência de um acordo assinado entre instâncias do governo brasileiro e a Rubber Reserve Company, do governo americano. Conhecido como acordo de Washington, e assinado em 22 de dezembro de 1942, foram encaminhados a Belém-PA, 10.123 trabalhadores, contratados com base nesse acordo. 

embarque de seringueiros (imagem: portal são francisco)

De fevereiro de 1944 a abril de 1945 foram transportados 30.818 pessoas, entre trabalhadores, esposas, filhos e agregados. Desse total, só regressaram ao Nordeste, até 1947, 4.292 pessoas,  conforme dados do Ministério do Trabalho. Esses imigrantes eram em sua maioria vaqueiros, lavradores, pequenos proprietários, que tinham sido levados na esperança de ganharem duzentos cruzeiros por dia. 

O desejo de melhoria na qualidade de vida contrastava com as condições de trabalho e de assistência social da região, apesar dos direitos assegurados nos contratos assinados. Dentre os direitos dos trabalhadores, constavam o fornecimento gratuito de vestuário, alimentação, transporte e assistência médica.  

embarque (imagem portal são francisco)

O contrato era por dois anos;  seria pago um auxílio financeiro de vinte cruzeiros quando da assinatura do contrato; mais vinte cruzeiros na chegada a Belém e duzentos cruzeiros quando do inicio do trabalho;  60% da borracha que cada um produzisse; além da reserva de um hectare de terra a ser cultivado livremente, sem nenhum compromisso com o dono do seringal. 

Depois de alistados, examinados e dados como habilitados nos alojamentos em Fortaleza (Prado e Alagadiço), os soldados da borracha recebiam um kit básico de trabalho na mata, constituído de  uma calça de mescla azul, uma camisa branca de morim, um chapéu de palha, um par de alpercatas, uma mochila, um prato fundo, um talher (colher-garfo), uma caneca de folha de flandes, uma rede, e um maço de cigarros Colomy. O ponto de partida para muitos deles foi a Ponte Metálica. Outros viajaram em caminhões.  

Embora as vantagens da migração fossem estampadas nos jornais, a realidade só seria conhecida no ano seguinte, quando se anunciava o regresso de 150 pessoas, que relataram as condições de trabalho a que foram submetidos. 

balsa transportando borracha no Rio Acre (IBGE)

Conforme relatos de alguns que conseguiram retornar ao Ceará, as promessas do governo de assistência médica, acomodação e alimentação não se cumpriram. Para vestir, os trabalhadores receberam somente dois pares de calças;  não havia alojamentos, então, para dormir, os trabalhadores construíam cabanas com madeira e folhas de palmeira; sem médicos nem hospitais, milhares morreram de malária, hepatite ou febre amarela. Outros foram atacados por onças e jacarés ou sucumbiram a picadas de cobra.

Os que tentavam sair, recebiam seu pagamento e ouviam que estavam livres para ir. Mas perto dali havia pistoleiros contratados para atirar neles, tomar seu dinheiro e traze-los  de volta para o acampamento.

O convênio do governo brasileiro com os Estados Unidos, voltado à produção de borracha, só vigorou até a queda de Berlim em 1945. Por isso o governador Faustino de Albuquerque proibiu o êxodo cearense para a Amazônia, convocando os promotores públicos do interior para processar  os aliciadores de camponeses, com base no artigo 207 do Código Penal Brasileiro.

tapera de acampamento de seringueiros divisa Rondônia/Acre (IBGE)

Mas a saga dos soldados da borracha na Amazônia  não terminou junto com a guerra, pois foram abandonados pelo governo e passaram a constituir a “legião dos esquecidos”, tanto do grande capital quanto do governo brasileiro. Só muitos anos depois é que foram “reconhecidos” como “soldados da borracha”, tendo direito a um soldo irrisório frente a contribuição que deram ao Brasil e ao mundo.


Pesquisa: 
Verso e Reverso do Perfil Urbano de Fortaleza, de Gisafran Nazareno Mota Jucá
Wikipédia

6 comentários:

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Ouvi demais, falar sobre o ciclo da borracha, mas nunca me interessei em fazer leitura sobre. Hoje, lendo agora, me inteirei muito bem do tema.
Leitura interessante e muito importante, da nossa história.

Fátima Garcia disse...

um grande golpe aplicado sobre os sertanejos, pessoas ingênuas e que já se encontravam em situação de risco. Autor da façanha: o governo. Foi mais fácil do que tirar doce de criança.

Tarciso Coelho disse...

A Amazônia, como todo o Brasil, mudou. Mas os seringueiros, não seringalistas, continuam explorados como foram nossos soldados. Um item constante do custeio da atividade pelos bancos é aguardente de cana (cachaça), não para alegrar folguedos, mas para adormecer o corpo cansado e torná-lo resistente a picadas de insetos (carapanã).

Unknown disse...

Gstaria de saber onde encontrar a relação nominal dos nordestinos que sairam de Fortaleza-Ce, ja cadastrados para trabalharem no Acre! Ficarei grata!

Anônimo disse...

Meu avô João Batista Gomes saiu de Fortaleza com 18 anos pra sobreviver em Rondônia

Fátima Garcia disse...

e assim muitos fizeram, jovens que deixaram suas famílias e partiram para o Norte do País, em busca de trabalho e dignidade. Infelizmente nem todos conseguiram