quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

A Praça é o Parlamento do Povo


Comício na Praça do Ferreira - 1931 (foto do MIS)
Seu tablado, sua rinha, seu grito, sua filosofia, sua alma. Em muitas cidades do mundo existe uma praça-símbolo. Em Fortaleza, a Praça do Ferreira emblema os sentimentos e as emoções do povo. É o coração da cidade.

Praça do Ferreira, final da década de 1820, com o prédio do Ensino Mútuo, que ficava na esquina das Ruas Floriano Peixoto e Guilherme Rocha, onde hoje está o Palacete Ceará (Caixa Econômica Federal). Naquela época a praça não era urbanizada

Até que se chegasse à sua denominação definitiva, a Praça do Ferreira foi Feira Nova, Largo das trincheiras, Praça D. Pedro II e Praça da Municipalidade. Até 1902 a Praça do Ferreira era um imenso areal circundado por “frades de pedra”, tendo ao centro um cacimbão, aqui e ali uma touceira de capim, além de quatro quiosques, um em cada canto, que funcionavam como bares-cafés. 

A velha cacimba foi reencontrada na reforma de 1991 na gestão do prefeito Juraci Magalhães

Os quiosques  da praça eram construções de madeira com pequeno espaço para mesas, balcão e cozinha, seguindo um modelo francês utilizado em feiras e exposições. O primeiro foi o Café Java, erguido em 1886 no canto Nordeste da praça. Seu proprietário, Manuel Ferreira dos Santos, era conhecido como Mané Coco, um sujeito extremamente popular, que a todos saudava com estardalhaço e demonstração de alegria. Gorducho, rosto com marcas de bexiga, paletó branco, sem gravata, costumava recitar, aos brados, versos de Guerra Junqueira, cantarolava modinhas e repetia provérbios e sentenças de almanaque. 

Café Java, no canto Nordeste da Praça do Ferreira. Demolido em 1920


Seu jeito simpático atraía uma freguesia de jovens poetas e artistas. Foi ali no Café Java, que nasceu em 1892, o famoso e original grêmio literário conhecido como Padaria Espiritual. Depois foram surgindo os outros quiosques: o café do Comércio, de José Brasil de Matos, com dois pavimentos no canto noroeste; o Café Iracema, de Ludgero Garcia, no canto sudoeste; e o Café Elegante, de Arnaud Cavalcante Rocha, também com dois pavimentos, no canto sudeste.
A Praça do Ferreira sofreu várias reformas ao longo de sua história, foram várias praças no mesmo lugar. Sua formação se arrastou por muitos anos, até que por volta de 1843, o boticário Antônio Rodrigues Ferreira, presidente da Câmara Municipal, depois de ordenar demolições e alinhamentos, definiu o perímetro do logradouro.

retrato de Antônio Rodrigues Ferreira, o Boticário Ferreira, do acervo do Museu do Ceará

Quando o carioca Antônio Ferreira chegou a fortaleza, em 1825, o que é hoje a Praça do Ferreira era um terreno arenoso, cheio de mongubeiras, castanheiras e pés de oitis, com um cacimbão e um chafariz. Sem qualquer iluminação, de noite o lugar se fazia propício para o banho dos jovens, principalmente dos rapazes do teatro Concórdia na volta dos espetáculos. Todo mundo tomava banho nu e ali mesmo fazia as necessidades físicas que os feirantes encontravam no dia seguinte.

Jardim 7 de Setembro, construído pelo intendente Guilherme Rocha

O boticário fez-se político em Fortaleza, obtendo grande popularidade pelos favores prestados ao povo simples a quem receitava e curava. Presidiu a Câmara Municipal, posição que, na época correspondia ao posto de Intendente, e como tal, reformulou a cidade, aplicando o antigo planejamento urbano elaborado pelo engenheiro Silva Paulet ainda no tempo do Governador Sampaio, em 1813. Na praça em que tinha sua botica, esmerou-se mais. E tanto se identificou com ela que, ao morrer, em 1859, virou seu patrono. Em 1902 o intendente Guilherme Rocha cercou a praça com grades de ferro, calçou-a de cimento rosa e construiu um jardim, o Jardim 7 de setembro, ladeado de bancos. A inauguração contou com a presença do governador Pedro Borges e demais autoridades. 

Café do Comércio de José Brasil de Matos

Em 1920 o prefeito Godofredo Maciel manda retirar os quiosques e o gradil de fero. E em 1925, novamente prefeito, Maciel constrói um coreto, onde a filarmônica da Polícia Militar executava dobrados e allegros à noitinha.
Na reforma de 1920 foi abatido o célebre Cajueiro Botador, também chamado de Cajueiro da mentira. Esta árvore histórica, que ficava em frente ao número 591 da Rua Floriano Peixoto tinha uma particularidade: dava frutos o ano inteiro, bonitos cajus que os boêmios colhiam com um simples esticar de mão para usar como tira-gosto da Cachaça do Cumbe que bebiam nos botequins da época.  O cajueiro era um dos pontos prediletos dos conversadores de todas as tardes que, sob sua copa, se reuniam para tecer futricas. Poetas liam suas produções satíricas e, na semana Santa, o testamento de Judas. 

O Cajueiro da Mentira na Praça do Ferreira. Em 1920 o prefeito Godofredo Maciel mandou cortar a árvore
No Primeiro de abril, dia internacional da mentira, havia grande movimento na Praça. É quando se cumpria a tradição do Concurso de mentiras, quando a população escolhia o maior potoqueiro, o campeão da arte de surrupiar a verdade. Uma urna era colocada debaixo do cajueiro ou no Palacete Ceará e, durante todo o dia procedia-se a votação em meio a grande algazarra dos frequentadores, poetas, seresteiros, estudantes, comerciantes, caixeiros, filósofos de ocasião e vagabundos em geral. Enquanto a banda executava dobrados, marchas e polcas, era proclamado o resultado num grande cartaz afixado no tronco da árvore: o potoqueiro-Mor é fulano de Tal, com direito a retrato e tudo.

A Coluna da Hora foi construída na gestão do Prefeito Raimundo Girão e inaugurada à meia noite na passagem do ano 1933/1934

É impressionante a importância que os cronistas da época dão a esta brincadeira do cajueiro da mentira, escrevendo várias páginas sobre o evento. A capital do Ceará era ainda uma pequena vila de compadres, em que as coisas mais simples tinham imensa importância. O humor puro, direto, envolvia a comunidade que, com certeza tinha mais tempo para o ócio.
Em 1933 nova reforma, desta vez pelo prefeito Raimundo Girão que retira o coreto e ergue a Coluna da hora, com um relógio de quatro faces. Em 1946 o prefeito Acrísio Moreira da Rocha derruba o prédio da Intendência Municipal, na Travessa Pará, e constrói o Abrigo Central, um centro comercial e de lazer com lojinhas, bares e lanchonetes. 

A Praça foi totalmente modificada na década de 60 na gestão do prefeito José Walter Cavalcante. Nesta reforma o local ganhou instalações subterrâneas que abrigava a Galeria Antônio Bandeira.

 Em 1968 o prefeito José Walter Cavalcante faz a demolição completa da praça e ergue uma praça esquisita, com canteiros altos em forma de caixões, interceptando a vista horizontal de tal  modo que, quem estivesse de um lado não enxergava o outro lado.

A mais bela de todas as Praças do Ferreira, na opinião do professor Juarez Leitão


Em 1991 o prefeito Juraci Magalhães atendendo à voz das ruas, restaura a praça e a ressuscita em seu sentido social e político, reerguendo a Coluna da Hora, os bancos, o piso raso e plano e até o cacimbão do século passado. Criando, a que talvez seja, a mais bonita de todas as Praças do Ferreira.


fotos do Arquivo Nirez e do acervo do blog
Extraído do livro de Juarez Leitão
Sábado,  Estação de Viver         

Um comentário:

comprar seguidores instagram disse...

Muito bom o blog, estão de parabéns. Que ótimo conteudo!!