Prédio onde funcionou a pensão da Madame Amélia Campos
Uma mulher de personalidade marcante foi Amélia Campos,
proprietária de uma pensão para mulheres que ficava no lugar da atual Loja Leblon,
em frente a antiga Padaria Lisbonense. Mulher fina, educada, português perfeito,
portava-se como uma professora de concurso de miss, trinando suas pupilas na
arte de agradar. Ensinava-lhes como sentar, como estar à mesa, como conversar
com os clientes, sobretudo, como comportar-se na intimidade do quarto. As moças
da pensão de Amélia campos eram educadas e carinhosas, além de se vestirem com
muita elegância. Nas manhãs de domingo, iam todas à Rotisserie, o restaurante
chique da cidade, todas de luvas, chapéus e vestidos finos e bem talhados.
Rotisserie, (á direita da foto), era um dos locais frequentados pela madame e as meninas aos domingos (arquivo Nirez)
Às quartas-feiras, depois do salão, lá pelas duas da
madrugada, Amélia, suas meninas e os frequentadores de sua casa rumavam para o
banho na Lagoa da Onça, reserva d’água formada pela represa do riacho
Jacarecanga e pela sangria das caixas d’água da Praça de Pelotas, nas
proximidades do atual Mercado São Sebastião, no local em que hoje se ergue um
supermercado. Era uma festa pagã: as meninas todas nuas, pinotando na água com
desembargadores, deputados, jornalistas e prósperos comerciantes da Fortaleza
dos anos quarenta.
Praça do Ferreira (arquivo Nirez)
Um dia, num daqueles piqueniques sexuais, a elegante madame
foi alvo de uma agressão das mais grosseiras, que somente a arrogância machista daquele
tempo poderia explicar. Um dos participantes do banho resolveu fazer as
necessidades fisiológicas numa das peças do vestuário de Amélia, justamente o seu
elegante cachecol. Quando a madame saiu do banho, após enxugar-se numa toalha
francesa, colocou o cachecol em volta do pescoço, é que pode perceber o que
havia acontecido. A madame ficou furiosa. Daria toda sua fortuna que acumulara
ao longo de sua vida de cafetina vitoriosa, para descobrir o autor a patifaria.
Funcionou o espírito de corpo, ninguém dedurou ninguém.
imagem: http://angelofl.blogspot.com.br
Naquela noite o salão funcionou normalmente. Mas a determinada
altura, Amélia Campos mandou parar a orquestra e falou, como se estivesse se
dirigindo apenas ao seu elenco de mulheres:
meninas, nós não temos amigos aqui. Estes senhores que conversam
conosco, nos abraçam e participam de nossa intimidade, são apenas lobos da
noite. Amanhã voltarão a vestir suas
peles de cordeiro, longe, numa imensa distância social de todas nós. Não
se iludam: nós somos apenas coisas em suas mãos, brinquedos de seu prazer. Por
isto, a partir de hoje, como nossa casa oferece as melhores condições de luxo e
tratamento, estará dobrado o preço da relação e do quarto. Na madrugada de hoje
eu paguei caro a ilusão de ser outra coisa que não um mero pedaço de
carne viva para os instintos de nossos clientes. Continuem, entretanto, a
sorrir e a fingir amabilidades para eles, pois este é o nosso negócio.
Extraído do livro
Sábado estação de viver, de Juarez Leitão
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