sexta-feira, 4 de maio de 2012

Uma Madame de Classe


Prédio onde funcionou a pensão da Madame Amélia Campos

Uma mulher de personalidade marcante foi Amélia Campos, proprietária de uma pensão para mulheres que ficava no lugar da atual Loja Leblon, em frente a antiga Padaria Lisbonense. Mulher fina, educada, português perfeito, portava-se como uma professora de concurso de miss, trinando suas pupilas na arte de agradar. Ensinava-lhes como sentar, como estar à mesa, como conversar com os clientes, sobretudo, como comportar-se na intimidade do quarto. As moças da pensão de Amélia campos eram educadas e carinhosas, além de se vestirem com muita elegância. Nas manhãs de domingo, iam todas à Rotisserie, o restaurante chique da cidade, todas de luvas, chapéus e vestidos finos e bem talhados.

Rotisserie, (á direita da foto), era um dos locais  frequentados pela madame e as meninas aos domingos (arquivo Nirez)

Às quartas-feiras, depois do salão, lá pelas duas da madrugada, Amélia, suas meninas e os frequentadores de sua casa rumavam para o banho na Lagoa da Onça, reserva d’água formada pela represa do riacho Jacarecanga e pela sangria das caixas d’água da Praça de Pelotas, nas proximidades do atual Mercado São Sebastião, no local em que hoje se ergue um supermercado. Era uma festa pagã: as meninas todas nuas, pinotando na água com desembargadores, deputados, jornalistas e prósperos comerciantes da Fortaleza dos anos quarenta.

Praça do Ferreira (arquivo Nirez)

Um dia, num daqueles piqueniques sexuais, a elegante madame foi alvo de uma agressão das mais grosseiras, que somente a arrogância machista daquele tempo poderia explicar. Um dos participantes do banho resolveu fazer as necessidades fisiológicas numa das peças do vestuário de Amélia, justamente o seu elegante cachecol.  Quando a madame  saiu do banho, após enxugar-se numa toalha francesa, colocou o cachecol em volta do pescoço, é que pode perceber o que havia acontecido. A madame ficou furiosa. Daria toda sua fortuna que acumulara ao longo de sua vida de cafetina vitoriosa, para descobrir o autor a patifaria. Funcionou o espírito de corpo, ninguém dedurou ninguém.

imagem: http://angelofl.blogspot.com.br

Naquela noite o salão funcionou normalmente. Mas a determinada altura, Amélia Campos mandou parar a orquestra e falou, como se estivesse se dirigindo apenas ao seu elenco de mulheres:  meninas, nós não temos amigos aqui. Estes senhores que conversam conosco, nos abraçam e participam de nossa intimidade, são apenas lobos da noite. Amanhã voltarão a vestir suas  peles de cordeiro, longe, numa imensa distância social de todas nós. Não se iludam: nós somos apenas coisas em suas mãos, brinquedos de seu prazer. Por isto, a partir de hoje, como nossa casa oferece as melhores condições de luxo e tratamento, estará dobrado o preço da relação e do quarto. Na madrugada de hoje eu paguei caro a ilusão de ser outra coisa que não um mero pedaço de carne viva para os instintos de nossos clientes. Continuem, entretanto, a sorrir e a fingir amabilidades para eles, pois este é o nosso negócio.  

Extraído do livro
Sábado estação de viver, de Juarez Leitão

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