domingo, 5 de dezembro de 2010

Personagens da Fortaleza antiga – O Tertuliano

Rua Guilherme Rocha, final da década de 1920 - Cartão postal da loja Trianon
(arquivo Ah, Fortaleza)
Por volta de 1912, final do governo Accioly, inicio da presidência de Franco Rabelo, Fortaleza teve em José Tertuliano o tipo de rua mais popular da cidade.
Tertuliano era comerciante há vários anos, com seu comércio instalado na Rua Guilherme Rocha, esquina com a Rua Senador Pompeu. 
Adepto do espiritismo, um dia recebeu, por um motivo qualquer, uma intimação para comparecer à delegacia de polícia. Não obedeceu. A fim de fazer cumprir o mandato legal, vários soldados apareceram no seu estabelecimento para conduzir o intimado a presença da autoridade.
O comerciante, talvez porque já andasse funcionando mal das faculdades mentais, resistiu valentemente, resultando numa luta que deixou feridos em ambos os lados.
Tertuliano, provavelmente em conseqüência do episódio, tomou-se de um furor religioso, passando a comportar-se de modo estranho. 
Arranjou umas vestes talares, bastante coloridas, à guisa dos santos da igreja. Deixou crescer a barba, tomou uns ares de beato, passou a carregar dependurada nas costas uma tela colossal emoldurada com a imagem do Coração de Jesus e, carregando uma bíblia, começou a fazer, no meio da rua, curiosos sermões completamente incompreensíveis. 
Dizia-se enviado de Deus a divulgar os Evangelhos na terra. E principiou a fazer coisas e artes de um perfeito maluco, tomado de um fanatismo religioso que ele jamais externara.
Percorria pela manhã, as igrejas do centro da cidade, assistindo a missa, demonstrando predileção pelas Igrejas da Sé e do Coração de Jesus.
Praça Caio Prado (atual Praça da Sé) vista da torre da igreja tendo o cruzeiro em primeiro plano, em foto de 1938. O cruzeiro e a igreja foram demolidos neste mesmo ano.
(Arquivo Ah, Fortaleza)
Tertuliano quase sempre escalava o cruzeiro da catedral, onde se amarrava de braços estendidos, a fingir o Cristo no Calvário. Não havia jeito de tirá-lo de lá, onde permanecia horas a fio. Às vezes tinha momentos de serenidade, mas em outros era tomado de uma fúria incontrolável, quando se tornava perigosíssimo, pois era dono de um físico avantajado, capaz de resistir e vencer a quantos houvesse.
Aos sábados, invariavelmente, metido em sua exótica indumentária de santo, com o quadro do Coração de Jesus nos ombros, percorria o comércio, indo de porta em porta, com ares beatos para uns e com ameaças das fúrias do inferno para outros, na coleta semanal do que ele chamava de “imposto celestial”. 
E a arrecadação era grande. Ai, porém, de quem não contribuísse: ficava inscrito no livro negro do fanático, que passava a citá-lo, em público, em seus sermões diários, como um dos  candidatos que, certamente iriam sofrer as torturas do inferno.
Diariamente, com seus apetrechos de santo, como se intitulava, exigindo até ser chamado de São Tertuliano, subia no coreto existente no centro da Praça do Ferreira e, a uma multidão de populares, adeptos, talvez, da sua mística original, pregava os sermões, espalhando, segundo dizia, a palavra divina sobre a terra.
Praça do Ferreira com seu coreto coberto em foto de 1930. O coreto foi demolido em 1933 e no lugar, foi erguida a Coluna da Hora. (Arquivo NIREZ)
Míope, lia os trechos da bíblia com notável dificuldade, quase roçando a ponta do nariz sobre as páginas do livro sagrado.
Conta-se que certa vez, numa de suas costumeiras pregações na Praça do Ferreira, enquanto lia com dificuldade os trechos bíblicos, alguém sugeriu ao beato a compra de óculos, a fim de sanar a situação. Tertuliano, ofendido e quase explosivo, respondeu:
Você já leu, na verdade, a vida dos santos da igreja? Ouviu dizer, por acaso, que algum santo usasse óculos?

Fonte:
Menezes, Raimundo de. Coisas que o tempo levou: crônicas históricas da Fortaleza antiga. Introdução Sebastião Rogério Ponte. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2000.      

2 comentários:

Lúcia Paiva Bezerra disse...

Nunca tinha ouvido falar, nem lido, sobre essa figura tão excêntrica! Que matéria interessante, Fátima!

Nossos personagens, são mesmo o diferencial da terrinha !

ADOREI!!!!!!

Fátima Garcia disse...

pelo visto a policia bateu tanto que o homem ficou maluco beleza.
bjs Lucia