quarta-feira, 5 de março de 2014

Um jardim chamado Passeio Público

O areal baldio do antigo largo do Paiol transformou-se em logradouro seguidamente conhecido por denominações tais como largo da Fortaleza, praça do Hospital e praça da Misericórdia. Por fim, oficialmente denominou-se Praça dos Mártires em homenagem aos participantes da Revolução do Equador, executados no local, em 1825.
Situado na parte mais antiga da cidade, transformado em um dos seus principais equipamentos culturais, o Passeio Público se estendia pelas encostas da colina da misericórdia, ladeado pelo velho Quartel da Força de Linha e pela fortaleza consagrada a N. S. da Assunção. 
Ocupava primitivamente, uma área muito mais extensa desse elevado, hoje compreendida entre a Rua Dr. João Moreira e a Avenida Presidente Castelo Branco. Dispunha-se ao longo da descida da encosta, em três planos de alturas diferentes, inter comunicados por escadarias.  O primeiro plano – o único que restou do velho Passeio Público – assentado no cimo da colina, passou a ser chamado de Praça dos Mártires, por ali terem sido sentenciados os líderes da República do Equador, presidida no Ceará por Tristão Gonçalves, irmão do Senador Alencar. Nesse largo, então denominado Campo da Pólvora, Padre Mororó e Pessoa Anta foram os primeiros a serem fuzilados, em 1825.

 Avenida Caio Prado - 1908

Em 1888, nesse primeiro plano, construiu-se a bela Avenida Caio Prado, voltada para o mar.
Construído na metade da encosta, o segundo plano sustentava-se por uma muralha que lhe servia de arrimo. Entre pitombeiras e pitangueiras, uma escultura da deusa Diana no Banho, de Jean Goujon, um lago e repuxos em cascata artificial ambientavam este nível.  Por algum tempo, nele funcionou o Cassino Cearense, de Júlio Pinto – antes de sua instalação na Rua Major Facundo – com um bar famoso pelos refrescos de murici, tamarindo e outros frutos silvestres, com jogos de bilhar francês e outras diversões.
O terceiro plano, um sítio muito arborizado e com touceiras de bambus, estendia-se ao nível da Praia Formosa. Seu aprazível parque mantinha um pequeno zoológico de emas, cutias, veados, cisnes e patos, entre dois torreões encimados por domos de estilo indiano. 

 estátua de Netuno já no Parque da Liberdade
As águas do Pajeú formavam um lago, no meio do qual, sobre uma coluna de pedra, um grave Netuno de tridente em punho, olhava para o mar. Tempos depois, por volta de 1914, esse Netuno foi levado para o Parque da Liberdade, popularmente conhecido por Cidade da Criança, para ornamentar o lago que se originou da antiga Lagoa do Garrote. 
Na Praia Formosa localizava-se o Poço da Draga, um lagamar construído pelo represamento das águas do Pajeú em sua foz, formando o cais da Ceará Harbour. Servia às pequenas embarcações, às pescarias com landuá, linha e tarrafa e aos concorridos banhos de mar nas noites de lua cheia, quando o brilho do luar dispensava os combustores de iluminação da Ceará Gáz Company.  


Deveu-se  a Tito Antônio Rocha, comerciante português radicado em Fortaleza, o embelezamento do Passeio Público. Nos jardins arborizados ele instalou uma pista de patinação e um tanque circular com repuxos, adornado com jarrões de louça chinesa. Levantou uma caixa d’água de admirável arquitetura para a época, o coreto de música, com sua elegante cobertura em forma de pirâmide e o botequim no primeiro plano. Mais tarde instalou-se nesse local o café Caio Prado, de Júlio Pinto. 
Entre as réplicas de esculturas clássicas vindas da Europa, suas alamedas serviram ao footing dos fins de tarde, ao som das bandas do 15° Batalhão da 1ª Linha, do Batalhão de Segurança e da Escola de Aprendizes Marinheiros. 


Durou pouco tempo, esse espaço elegante e charmoso com suas divisões em planos.O desprezo e a descaracterização desmontaram aos poucos oconjunto paisagístico do Passeio Público, propiciando situações que redundaram na posterior cessão de partes do logradouro para usos diversos.As descaracterizações físicas, se não do 1º. Plano, mas das suas vizinhanças, já vinham de muito tempo. De fato, por volta de 1867, quando ainda não se definira a aparência do logradouro,perto do canto noroeste, do outro lado da rua Formosa, foi implantada a escura e volumosa estrutura metálica do gasômetro que garantia a iluminação da cidade.


Usina da Ceará Light e o Gasômetro, no desaparecido 3° plano do Passeio Público

A bem da verdade, deve-se pois dizer que as doações dos planos de nível inferior decorreram do próprio abandono a que desde longo tempo haviam sido relegados. No começo do século XX, o 3º. Plano do Passeio ficou completamente abandonado. Diante de tal situação, irreversível, o 3o. Plano e seu lago, desapareceram, sacrificados para construção de uma termoelétrica explorada por uma firma inglesa. Na ocasião, os fortalezenses já haviam esquecido o lago romântico, formado com as águas do Pajeú.

Avenida Carapinima, 3° Plano do Passeio Público - 1908

Desmontado o 3o. Plano, com seu lago, restou o patamar intermediário, o 2o. Plano, entretanto, já abandonado desde o início do século, como depunha Gustavo Barroso: No segundo [Plano] o mato invade tudo e o cassino cai aos pedaços. Demolido o Cassino, pouco tempo permaneceu o 2º Plano como espaço sem serventia explícita, pois logo, e por muitos anos, se transformou em palco de atividades atléticas, ou melhor, em campo de futebol de uso popular.

escadaria do 2° Plano

Em 1912, com a ocupação do 3º. Plano pela usina termoelétrica da Ceará Light, o 2º. plano perdeu sua função de acesso ao lago e à praia. Logo a área descampada ganhou novos usos, um dos quais ainda um tanto desconhecido, novidade assinalada pela imprensa: a preparação do terreno para construção do campo de futebol do Fortaleza Football Club. Em 1963, em dias mais próximos, o 2o. Plano foi cedido pela Prefeitura ao Exército, a fim de acolher obras militares de emergência, embora  atualmente esteja ocupado com edificações de porte, de propriedade do quartel da 10ª Região Militar. 
Atualmente, revitalizado e recuperado, o Passeio Público continua sendo palco de eventos e local de encontro dos fortalezenses e visitantes. 

fontes:
Passeio Público: espaços, estatutária e lazer, de José Liberal de Castro
Ideal Clube, História de uma Sociedade, de Vanius Meton Gadelha Vieira
fotos do Arquivo Nirez e do Álbum de Vistas do Ceará 
 

 

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