terça-feira, 11 de março de 2014

O Oitizeiro da Capela do Rosário

Praça Portugal, que segundo projeto da prefeitura de Fortaleza, deverá desaparecer para dar lugar a  um cruzamento que possa facilitar o tráfego de veículos.

A retirada de árvores para facilitar o trânsito de veículos, não é propriamente uma novidade em Fortaleza.  Em 1929, na gestão do Prefeito Álvaro Weine (1928-1930), foi cortado um oitizeiro centenário, situado no cruzamento das Ruas Guilherme Rocha e General Bezerril, por trás da Igreja do Rosário. O corte da árvore provocou uma onda de indignação e revolta na população e nos cronistas que presenciaram o fato. O texto que se segue, é de autoria de João Nogueira, extraído do seu livro "Fortaleza Velha".  

O Oitizeiro do Rosário

Cruzamento das ruas Guilherme Rocha e General Bezerril, à esquerda da foto, o Oitizeiro do Rosário

O nosso estimado prefeito acaba de praticar um grande crime! Talvez, mesmo tenha feito coisa pior: cometido um pecado mortal, mandando matar o mais antigo dos seus munícipes, este inocente e querido oitizeiro da capela do Rosário.  Cortada a fronde e já reduzido ao tronco e a dois galhos principais, nos pareceu um supliciado a quem houvesse dilacerado o corpo e cortado as mãos e que, em um último arranco, levantasse os braços para o céu clamando vingança (talvez perdão) para os seus matadores.
Pobre oitizeiro! O teu crime foi teres vivido muito e te alimentado do passado, falando a língua antiga do Ceará que já não entende esta geração de calças largas e saias curtas. Que amargura não será viver-se tanto até ficar-se isolado, rodeado embora de uma multidão que não entendemos e que não nos entende!
Na Índia se acredita que quem planta uma árvore sobe um degrau para o céu; e que quem destrói outra desce outro tanto para o inferno. Não sabemos se os deuses da Índia se ocupam com o Ceará; mas, se assim for, o nosso amável Álvaro Weine estará mal visto por eles. 



O nosso Antônio Sales já declarou que “a mão que nunca plantou uma árvore deixou de fazer um dos mais úteis e belos gestos da vida.” Que dirá agora o poeta, da mão que matou uma árvore secular, em plena florescência da vida e que assistiu aos primórdios da Fortaleza?
É verdade que o nosso operoso prefeito há plantado inúmeros fícus benjamins, os quais, quando crescerem, não só arrebentarão as calçadas pelo desenvolvimento das raízes, mas também tornarão tenebrosas as nossas célebres “noites de escuro”.
Melhor fora que arborizasse somente as praças, como sempre se fez, e deixasse as ruas desentupidas; conservaríamos até a expressão muito nossa, “lado do sol, lado da sombra”.  Quer uma tradição muito antiga que o oitizeiro da capela do Rosário tenha servido de baliza às sumacas e jangadas que demandavam o nosso porto, ao tempo em que Fortaleza era uma aldeia pobrezinha espalhada pelas areias do mar.


Praça do Ferreira, com o oitizeiro ao lado do Palacete Ceará, ao fundo.

Não se sabe ao certo de quando datava aquele oitizeiro. Antônio Bezerra, diz que há ainda quem se lembre de tê-lo visto tal qual é hoje (30 de setembro de 1888), no começo do século XIX e que a ele se prendem lendas interessantes e a tradição é corrente acerca da veneração que lhe votaram os edificadores da capital.
Diz mais que, em 1862 a Câmara Municipal resolvera alinhar a rua e derrubar o oitizeiro. Mas o desembargador Jerônimo Martiniani Figueira de Melo, informado do caso, conseguiu da Câmara que se fizesse um muro em torno da árvore no qual se construíssem assentos. Assim se fez, e assim se salvou o oitizeiro.
João Brígido conta que, em outubro de 1912, dizia-se na cidade que o Intendente Municipal mandaria derrubar o oitizeiro ultrassecular que se encontra à entrada da Rua Bezerril. Foi um horror para muita gente que professa o culto das árvores e olha para aquela com a veneração que os anos soem incutir nos amigos das tradições.


O oitizeiro no dia do corte: alguns homens cortam os galhos, enquanto populares observam a cena. A foto foi mandada fazer pelo prefeito Álvaro Weine, que determinou a retirada da árvore.

Um cajueiro tivemos no começo do século XVIII, no extremo da rua ora chamada do Cajueiro, que testemunhara a entrada dos primeiros portugueses nesta terra e à sombra do qual se estabeleceu o primeiro açougue da povoação. O juiz almotacé o condenou a ser derrubado, o povo se opôs e correu uma demanda que foi julgada em última instância pelo Tribunal da Relação, que tinha sede na Bahia. O cajueiro em questão era o mais antigo morador do forte, alegava-se que por isto, deveria ser conservado, e o Tribunal julgou assim.
Entre nós a população ainda meio bárbara não respeitava as árvores; nos nossos sertões derrubam-se cedros seculares para, das suas cinzas, fazer grosseiro sabão. 

Rua Major Facundo
 
A árvore em questão estava no quintal de uma casa, extremo da Rua do Rosário. Em 1863, o desembargador Figueira de Melo, que viera aqui pleitear uma eleição senatorial, para mostrar-se amigo do povo, fez resguardá-la dizendo que seria sua filha de então por diante e concorreu com 500$000 para a compra do terreno que ela ocupava, e a construção de um gradil que existiu por muito tempo, de modo que tudo ficou sendo do Estado propriamente. Sobre a aquisição do oitizeiro e a construção da grade protetora há uma outra versão. O Dr. José Duarte Pimentel, em artigo no Diário do norte, de 1° de outubro de 1912, diz que lhe foi referido pelo falecido Dr. Francisco Cordeiro da Rocha Campelo, antigo inspetor do Tesouro provincial e pai do Dr. Adolfo Campelo, provecto e conhecido advogado no foro de Baturité, que o oitizeiro junto ao muro do palácio foi oferecido pelo finado senador Domingos José Nogueira Jaguaribe, que o comprara em 1878 por quinhentos mil réis, cuja escritura se acha depositada no Tesouro; e que o Dr. Paulino Nogueira Borges da Fonseca, estando na presidência da província, mandou cerca-lo  por meio de uma grade de ferro que existia até bem pouco tempo.


Publicada em 23 de maio de 1929
fotos do Arquivo Nirez
fotos da Praça Portugal de março/2014
 

Nenhum comentário: