Crônica de Marciano Lopes
Hoje, eu quero aproveitar o sol da manhã e ir ao Passeio
Público e andar entre as alamedas e brincar nos repuxos d’água e nas fontes e “venerar”
os deuses olímpicos e sentar nos bancos e debruçar-me sobre o gradil tão antigo
e olhar, lá embaixo, a Praia Formosa, cheia de banhistas.
Hoje, eu
quero embarcar no bonde da Praia de Iracema, para contemplar o luar e rever as
ruas estreitas que lembram cada uma, nossas dizimadas tribos. Cadê os bélicos
Tabajaras, os altivos Potiguaras, os Tremembés os Cariris, os Tigipiós, os
Pacajus, os Ararius, os Guanacés, os Groaíras? Todos dormem o sono dos
injustiçados. Só alguns espreitam nas tabuletas esmaltadas das esquinas.
Porque é tempo de conferir remorsos...
Porque é tempo de conferir remorsos...
Praia de Iracema anos 1920
Hoje, eu
quero ir à Praça da Lagoinha e “viajar” em águas dançantes, com hipocampos e
nereidas. E sentar, contemplativo, num banco e ver babás empurrando carrinhos
de bebês e colher uma rosa num canteiro e ofertar à menininha de cachos.
Porque é tempo de romantismo infantil...
Porque é tempo de romantismo infantil...
Praça da Lagoinha
Hoje, eu
quero sair na madrugada e vagar, sem rumo, pela geografia da Aldeota e “ouvir”
o silêncio e sentir a brisa no rosto e embriagar-me com o doce perfume dos
cajueiros em flor.
Porque é tempo de meditações...
Porque é tempo de meditações...
Aldeota - Avenida Santos Dumont |
Hoje, eu
quero entrar no Cine Moderno e descobrir, fora da tela, dois castelos quase
escondidos no emaranhado da floresta. E rever Sabu e Bibi Ferreira, viajando
até o fim do Rio.
Porque é tempo de atriz brasileira, no cinema inglês...
Porque é tempo de atriz brasileira, no cinema inglês...
prédio do Cine Moderno
Hoje, eu
quero sair sem rumo, conferindo as coisas da cidade, vagar sem pressa, sem medo
dos “muxicões” de Zelfa, nem dos “sermões” de Esaú. E encontrar o Lustosa da
Costa, cantando loas à nossa amada Fortaleza e convidá-lo para um cafezinho
amigo, no Café Sport, dos irmãos Emygdio.
Porque é tempo de confraternização...
Porque é tempo de confraternização...
Café Sport dos irmãos Emydgio final dos anos 30 (acervo particular)
Hoje, eu
quero ver as vitrines da Rianil; os globos coloridos da Pharmacia Oswaldo Cruz;
as manequins da Casa Sloper; o retrato da Cyres Braga no Foto Moderno; a grande
estátua de Mercúrio na Cia. Quixadá; o
entalhado biombo na entrada do London Bank.
Porque é tempo de rever o belo...
Porque é tempo de rever o belo...
Casa onde funcionou o London Bank
Hoje, eu
quero adentrar o Tarcísio Magazine e encontrar a Clarlene Girão, comprando
produtos de maquilagem.
Porque é tempo de encenações no Teatro Pio X...
Porque é tempo de encenações no Teatro Pio X...
Cine Diogo - bilheteria |
Hoje, eu
quero ir à alfaiataria do Mário Cunto, encomendar um terno de tropical inglês,
azul-marinho, para poder entrar no Cine Diogo e ver Lawrence Olivier, brincando
de ser “Hamlet”.
Porque é tempo de ser ou não ser...
Porque é tempo de ser ou não ser...
Rua 24 de Maio
Hoje, eu
quero encontrar a Celina Maria e leva-la à casa das irmãs Freire, na Rua 24 de
maio. Lá estará a Leilah Carvalho e a Klébea Marinho, o Orlando Leite e o
Álvaro Moreno, o Fernando Marinho e a Odete Araújo. E haverá sarau com cantos líricos
e piano a quatro mãos. E terá guaraná e sequilhos.
Hoje, eu
quero passar pela Rua Guilherme Rocha, no rumo do Jacarecanga e parar,
respeitoso, defronte à Itapuca Villa e ficar olhando Alfredo Salgado, com sua
longa casaca negra e os vastos cabelos brancos e a farta barba da cor de
algodão, sentado na varanda de sua mansão, contemplando o imenso jardim.
Hoje, eu
quero sentir a tranquilidade da Praça Coração de Jesus, deitar e rolar sobre a
relva, mirar-me no translúcido espelho d’água, depois, gastar os fundilhos das
calças, nos escorregadores da Cidade da Criança. Tudo sob a vigilância dos Doze
Apóstolos e do próprio Cristo.
Hoje, eu
quero voltar ao Catecismo, na Igreja de São Benedito e escutar, enlevado, os
ensinamentos de Dona Anete Aguiar.
Porque é tempo de reconhecimento...
Hoje, eu
quero acordar de madrugada e escutar o carrilhão da Igreja do Coração de Jesus,
chamando para a Missa das quatro. E no silêncio daquela hora, os acordes da Ave
Maria de Somma, chegarem aos meus ouvidos, como algo celestial. E imagino o céu
e um coro de arcanjos.
Hoje, eu
quero brincar de bola, sob os oitizeiros da Avenida Imperador, com Zé Airton,
com Leôncio e Leônidas, com Assis, com Zé do Carmo.
Hoje, eu
quero adentrar o Cine Rex e encontrar o Oscarito, o Grande Otelo, o Modesto de
Souza, o Catalano, a Eliana e o Alberto Ruschell, a Adelaide Chiozzo, a
Horacina Correia, o Quitandinhas Serenaders, o Luiz Gonzaga, a Estelita Bell, a
Nena Napoli.
Hoje, eu
quero ir ao Bar Americano, do Salomão Benício na Praça José de Alencar e tomar
um aluá bem geladinho. E comprar uma ficha e colocar naquela radiola cheia de
luzes coloridas. Depois, a música no ar, ir até o centro da Praça, deitar-me
num banco e cochilar, escutando cantos de pássaros e arrulhos de namorados.
Porque
é tempo de segurança...
Hoje, eu quero andar a esmo e encontrar a Patrícia Medina, a Maurren O’Hara, a Linda Darnell, a Maria Montez, a Dolores del Rio, a Arlene Dall, a Cyres Braga.
Hoje, eu quero andar a esmo e encontrar a Patrícia Medina, a Maurren O’Hara, a Linda Darnell, a Maria Montez, a Dolores del Rio, a Arlene Dall, a Cyres Braga.
Hoje, eu
quero levar a Tereza Moura, para merendar um cachorro-quente com guaraná
Kacique na Sorveteria Variedades.
Porque é tempo de fraternidade...
Hoje, eu
quero encontrar Pedro Rossi para uma sessão nostálgica. Vamos recordar coisas
dos anos dourados, entre móveis seculares, santos barrocos, biscouits franceses.
Porque é tempo de
muita saudade...
Neide Maia |
Hoje, eu
quero encontrar toda a gente que eu gosto, o José Augusto Lopes, a Neide Maia,
o João Ramos, a Adísia Sá, a Maninha, a Sônia Pinheiro, a Ítala Márcia, a
Ângela Borges, o Gilmar de Carvalho e mais um punhado de pessoas. E juntar todo
mundo e levar para que todos vejam como é gostoso viver nos anos quarenta.
Porque
é tempo de dividir venturas.
Do livro
Royal Briar, a Fortaleza dos anos quarenta.
fotos do Arquivo Nirez
Royal Briar, a Fortaleza dos anos quarenta.
fotos do Arquivo Nirez
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