quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Hoje Eu Quero Ser Menino Outra Vez

Crônica de Marciano Lopes

Passeio Público (Praça dos Mártires)

Hoje, eu quero aproveitar o sol da manhã e ir ao Passeio Público e andar entre as alamedas e brincar nos repuxos d’água e nas fontes e “venerar” os deuses olímpicos e sentar nos bancos e debruçar-me sobre o gradil tão antigo e olhar, lá embaixo, a Praia Formosa, cheia de banhistas. 
Porque hoje é domingo...

Bonde Elétrico
Hoje, eu quero embarcar no bonde da Praia de Iracema, para contemplar o luar e rever as ruas estreitas que lembram cada uma, nossas dizimadas tribos. Cadê os bélicos Tabajaras, os altivos Potiguaras, os Tremembés os Cariris, os Tigipiós, os Pacajus, os Ararius, os Guanacés, os Groaíras? Todos dormem o sono dos injustiçados. Só alguns espreitam nas tabuletas esmaltadas das esquinas. 
Porque é tempo de conferir remorsos...

 Praia de Iracema anos 1920

Hoje, eu quero ir à Praça da Lagoinha e “viajar” em águas dançantes, com hipocampos e nereidas. E sentar, contemplativo, num banco e ver babás empurrando carrinhos de bebês e colher uma rosa num canteiro e ofertar à menininha de cachos. 
Porque é tempo de romantismo infantil...

 Praça da Lagoinha

Hoje, eu quero sair na madrugada e vagar, sem rumo, pela geografia da Aldeota e “ouvir” o silêncio e sentir a brisa no rosto e embriagar-me com o doce perfume dos cajueiros em flor. 
Porque é tempo de meditações...

Aldeota - Avenida Santos Dumont
Hoje, eu quero entrar no Cine Moderno e descobrir, fora da tela, dois castelos quase escondidos no emaranhado da floresta. E rever Sabu e Bibi Ferreira, viajando até o fim do Rio. 
Porque é tempo de atriz brasileira, no cinema inglês...

 prédio do Cine Moderno

Hoje, eu quero sair sem rumo, conferindo as coisas da cidade, vagar sem pressa, sem medo dos “muxicões” de Zelfa, nem dos “sermões” de Esaú. E encontrar o Lustosa da Costa, cantando loas à nossa amada Fortaleza e convidá-lo para um cafezinho amigo, no Café Sport, dos irmãos Emygdio. 
Porque é tempo de confraternização...

 Café Sport dos irmãos Emydgio final dos anos 30 (acervo particular)

Hoje, eu quero ver as vitrines da Rianil; os globos coloridos da Pharmacia Oswaldo Cruz; as manequins da Casa Sloper; o retrato da Cyres Braga no Foto Moderno; a grande estátua de  Mercúrio na Cia. Quixadá; o entalhado biombo na entrada do London Bank. 
Porque é tempo de rever o belo...

Casa onde funcionou o London Bank

Hoje, eu quero adentrar o Tarcísio Magazine e encontrar a Clarlene Girão, comprando produtos de maquilagem. 
Porque é tempo de encenações no Teatro Pio X...

Cine Diogo - bilheteria

Hoje, eu quero ir à alfaiataria do Mário Cunto, encomendar um terno de tropical inglês, azul-marinho, para poder entrar no Cine Diogo e ver Lawrence Olivier, brincando de ser “Hamlet”.   
Porque é tempo de ser ou não ser...

 Rua 24 de Maio

Hoje, eu quero encontrar a Celina Maria e leva-la à casa das irmãs Freire, na Rua 24 de maio. Lá estará a Leilah Carvalho e a Klébea Marinho, o Orlando Leite e o Álvaro Moreno, o Fernando Marinho e a Odete Araújo. E haverá sarau com cantos líricos e piano a quatro mãos. E terá guaraná e sequilhos.
Porque é tempo de reverenciar uma infanta morta...

 Itapuca Villa, a residência de Alfredo Salgado

Hoje, eu quero passar pela Rua Guilherme Rocha, no rumo do Jacarecanga e parar, respeitoso, defronte à Itapuca Villa e ficar olhando Alfredo Salgado, com sua longa casaca negra e os vastos cabelos brancos e a farta barba da cor de algodão, sentado na varanda de sua mansão, contemplando o imenso jardim. 
Porque é tempo de rever nossa história...

Praça do Coração de Jesus

Hoje, eu quero sentir a tranquilidade da Praça Coração de Jesus, deitar e rolar sobre a relva, mirar-me no translúcido espelho d’água, depois, gastar os fundilhos das calças, nos escorregadores da Cidade da Criança. Tudo sob a vigilância dos Doze Apóstolos e do próprio Cristo.  
Porque é tempo de despreocupação de criança...

 antiga Igreja de São Benedito

Hoje, eu quero voltar ao Catecismo, na Igreja de São Benedito e escutar, enlevado, os ensinamentos de Dona Anete Aguiar.  
Porque é tempo de reconhecimento...

Hoje, eu quero acordar de madrugada e escutar o carrilhão da Igreja do Coração de Jesus, chamando para a Missa das quatro. E no silêncio daquela hora, os acordes da Ave Maria de Somma, chegarem aos meus ouvidos, como algo celestial. E imagino o céu e um coro de arcanjos. 
Porque é tempo de acreditar em coisas divinas...  

antiga fachada da Igreja do Coração de Jesus 

Hoje, eu quero brincar de bola, sob os oitizeiros da Avenida Imperador, com Zé Airton, com Leôncio e Leônidas, com Assis, com Zé do Carmo. 
Porque é tempo de sentir saudades dos folguedos infantis...

Avenida do Imperador - década de 1940

Hoje, eu quero adentrar o Cine Rex e encontrar o Oscarito, o Grande Otelo, o Modesto de Souza, o Catalano, a Eliana e o Alberto Ruschell, a Adelaide Chiozzo, a Horacina Correia, o Quitandinhas Serenaders, o Luiz Gonzaga, a Estelita Bell, a Nena Napoli. 
Porque é tempo de paz e o mundo se diverte... 

Praça e Teatro José de Alencar

Hoje, eu quero ir ao Bar Americano, do Salomão Benício na Praça José de Alencar e tomar um aluá bem geladinho. E comprar uma ficha e colocar naquela radiola cheia de luzes coloridas. Depois, a música no ar, ir até o centro da Praça, deitar-me num banco e cochilar, escutando cantos de pássaros e arrulhos de namorados.  
Porque é tempo de segurança...
Hoje, eu quero andar a esmo e encontrar a Patrícia Medina, a Maurren O’Hara, a Linda Darnell, a Maria Montez, a Dolores del Rio, a Arlene Dall, a Cyres Braga.
Porque é tempo de beleza plena...  

 Sorveteria da Lojas de Variedades

Hoje, eu quero levar a Tereza Moura, para merendar um cachorro-quente com guaraná Kacique na Sorveteria Variedades.  
Porque é tempo de fraternidade...
Hoje, eu quero encontrar Pedro Rossi para uma sessão nostálgica. Vamos recordar coisas dos anos dourados, entre móveis seculares, santos barrocos, biscouits franceses. 
Porque é tempo de muita saudade...
Neide Maia
Hoje, eu quero encontrar toda a gente que eu gosto, o José Augusto Lopes, a Neide Maia, o João Ramos, a Adísia Sá, a Maninha, a Sônia Pinheiro, a Ítala Márcia, a Ângela Borges, o Gilmar de Carvalho e mais um punhado de pessoas. E juntar todo mundo e levar para que todos vejam como é gostoso viver nos anos quarenta. 
Porque é tempo de dividir venturas. 

Do livro
Royal Briar, a Fortaleza dos anos quarenta.
fotos do Arquivo Nirez

 

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