domingo, 25 de novembro de 2012

Fortaleza e a descoberta do banho de mar

Na década de 30 o banho de mar ainda não fazia parte do programa dos finais de semana. A Praia de Iracema, que era o cartão postal da cidade, onde a beleza natural atraía os curiosos, foi destruída com o avanço do mar, devido às obras da construção do Porto do Mucuripe. No entanto, outros pontos da zona litorânea começavam a despontar na lista dos admiradores das belezas naturais.

Praia de Iracema década de 30. A elite não valorizava a praia nessa época, que era frequentada apenas pelos moradores da área, pescadores, estivadores etc . 

Na Barra do Ceará, a oeste de Fortaleza, o Rio Ceará, que ali desemboca, fora escolhido como local de pouso dos hidraviões que atendiam os viajantes privilegiados, capazes de assumir gastos com uma passagem aérea.  Embora se mantivesse uma expectativa de que a Barra do Ceará fosse se tornar um local que viria a oferecer opção de lazer para a população,  a frequência ao local se restringia aos que acompanhavam ou desejavam observar os pousos e decolagens dos hidroaviões.

hidroavião na Barra do Ceará em 1930

Depois da 2ª. Guerra, a Barra do Ceará voltou a ser área excluída do roteiro de lazer da elite fortalezense. A pobreza foi ocupando os terrenos à beira mar, estendendo-se até a miserabilidade extrema que se concentrava no Pirambu.
O interesse dos moradores pela zona costeira se limitava às Praias Formosa, de Iracema e do Meireles que ficavam mais próximas do centro. A Praia de Iracema passou a ser valorizada com a construção de residências, sendo algumas de veraneio. Mas as obras do porto e o consequente avanço do mar diminuiu a extensão da praia, prejudicando os adeptos dos banhos de mar. 

A praia do Meireles, o metro quadrado mais caro da cidade atualmente, tinha esse aspecto até a década de 50. Casas de pescadores e muitos coqueiros. 

A esperada modernização do porto abalara fortemente a opção de lazer que fora iniciada no pós-guerra, deixando aos saudosistas os lamentos poéticos sobre o que perderam da antiga Praia de Iracema.  Entretanto, foi através do porto, que na década de 1940, começaram a chegar os automóveis: o Lincoln, o Packard, considerados mais luxuosos e os carros menores como o Renault, além de outros modelos, franceses e ingleses. Só em uma remessa foram desembarcados 60 automóveis além de alguns caminhões. A maioria destinava-se a uso particular e foram substituindo os deselegantes jeeps.

a abertura do Porto do Mucuripe possibilitou a importação de automóveis em maior escala e o surgimento de veículos de aluguel. Na foto, o Posto Mazine, localizado na Praça do Ferreira. 

Como medida de prevenção ao contínuo avanço do mar na Praia de Iracema, foram colocados diques de pedras, restando apenas uma exígua área para os banhistas. O espaço praiano aberto só começava após aquela praia, a partir da Praia do Meireles nas proximidades do antigo Clube dos Diários, prolongando-se até a Volta da jurema. 

Porto do Mucuripe, anos 60. A construção do porto  tornou-se um obstáculo para o fluxo de areias do litoral leste para o oeste, causando a drástica diminuição da faixa de praia na região da Praia de Iracema e o progressivo abandono das atividades portuárias e comerciais na área.
 
Um leitor do jornal O Povo lembrando a existência do jornal Praieiro, no Recife, boletim dos postos de salvamento e da Diretoria de Documentação e Cultura da Prefeitura,  distribuído aos domingos, extravasava sua repulsa pelas praias de Fortaleza, classificando-as como praias de cavalos, praias de jeeps e praias de ébrios. Lembrava que no sentido oeste, a Praia do Pirambu se tornara imprópria para banhos porque o serviço de esgoto despejava ali seus dejetos. 
A classificação em praia dos cavalos e dos jeeps devia-se ao costume dos que passeavam a cavalo e de carro pelas praias, poluindo o ambiente e pondo em risco a segurança dos frequentadores.  A praia dos ébrios eram as situadas nas proximidades do porto onde a população pobre habitava e tinha nos botecos uma oportunidade de esquecer a miséria em que viviam. Na década de 50 a frequência à praia aumentou e foram instalados dois postos de salvamento na Praia do Meireles.

 Praia de Iracema, início dos anos 50, já sob a influência do avanço do mar. Com o passar do tempo, a redução da faixa de praia se acentuou

Em razão da crescente afluência de público, em 1956 as praias já eram consideradas sujas, com lixo acumulado. Reclamava-se da "molecagem", e da presença de "mulheres de má reputação" que invadiam trechos onde estavam "as famílias". O foco da atração chegava ao Iate Clube, onda  a praia se tornara muito concorrida. 

 Praia Formosa 1892

A praia de Iracema perdera seu brilho, com casas mal conservadas e o espaço diminuído. A praia Formosa já estava sendo ocupada por casebres, e pelos prostíbulos. Desde 1945 que a polícia com o incentivo do Jornal católico O Nordeste, passou a reprimir a falta de moralidade reinante nas praias. A igreja associava-se ao rigor policial, que impunha a repressão como um recurso sadio, influenciado pelo autoritarismo na relação Estado e sociedade na década anterior.
O exagero da caça policial também visava "os namoros indecentes" e "os vagabundos" que geralmente se exibiam nas ruas. A imoralidade a ser combatida era, sobretudo, oriunda das classes baixas e precisava ser repelida, pois acontecia em espaço público.
A questão da virgindade era tratada com rigor pela sociedade:  se o namorado "avançava o sinal", tinha que casar. Se a família de classe média tinha poder para exigir o casamento, tudo se acomodava. Se não, "a vítima" era discretamente exportada para o Rio de Janeiro, onde as moças do Nordeste, virgens ou não, tinham excelente aceitação no mercado matrimonial, principalmente entre outros nordestinos nostálgicos dos conterrâneos. Nas classes alta e baixa, ricos e pobres resolviam o problema sem maiores complicações. 

os trajes de banho eram condenados, em nome da moral e dos costumes 
  
O uso de calções e maiôs nas praias jamais deveria ser adotado por pessoas católicas, e recomendava-se aos confessores que não absolvessem os fiéis que confessassem o uso destas vestimentas. Até o traje de calção nas ruas em geral, praticado pelos que se dirigiam às praias, passou a ser combatido.

fotos do Arquivo Nirez
extraído do artigo de Gisafran Nazareno Mota Jucá
Fortaleza: cultura e lazer (1945-1960), 
publicado no livro Uma nova história do Ceará

2 comentários:

Anônimo disse...

Tá faltando só um botão de Gostei/Compartilhar.

Muito bom! Parabéns.

Fátima Garcia disse...

obrigada anônimo, compartilhe no nosso face.
abs