sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Fortaleza em Paris: As Reformas Urbanas na 1ª República

A instauração da República no Ceará se processou entre os dias 15 e 16 de novembro por intermédio de uma articulação envolvendo militares da Escola Militar e do 11° Batalhão, e os integrantes do centro Republicano – organizado poucos meses antes, em 26 de julho de 1889 – que depôs o governo provincial de Morais Jardim (outubro de 1889-novembro de 1889).

cadetes da Escola Militar de Fortaleza cercam o Palácio do Governo e derrubam o presidente Clarindo de Queirós 

Ocupando provisoriamente o novo poder, o Coronel Luís Ferraz faleceu pouco tempo depois (janeiro de 1891), sendo substituído pelo General Clarindo de Queirós. Esse foi deposto quando Floriano Peixoto assumiu a presidência da República, após a renúncia de Deodoro da Fonseca. Como Clarindo de Queiroz demorou a atender o chamado do presidente para ir à capital federal, uma revolta militar bombardeou por toda uma noite o Palácio do Governo e obteve a deposição do General.
Foi nesse momento que principiou a ascensão do bacharel Nogueira Accioly rumo à presidência do estado e à constituição de sua oligarquia, uma das mais duradouras (1896-1912) das tantas que despontaram no Brasil na Primeira República. Accioly não era um republicano histórico. Ainda no período monárquico tornou-se presidente do Partido Liberal cearense após a morte do seu sogro, Senador Pompeu. Protegido pelo ministro Sinimbu, ocupou a presidência da província em 1878. Em outubro de 1889 foi nomeado Senador do Império, cargo que não chegou a assumir por causa da Proclamação da República. 

 Em 1906 Nogueira Accioly (de pé) recebeu a visita do Presidente da República Afonso Pena

Nogueira Accioly logo aderiu ao novo regime e em 1890 fundava a União Republicana contando com a participação da antiga facção liberal e de ex-conservadores. O prestigio político de Accioly não foi abalado pelas pressões dos republicanos que o identificavam como uma das “raposas” do antigo regime, tanto que se tornou senador em 1892, cargo que lhe conferiu grande influência na política cearense daqueles atribulados primeiros anos da República.
Na condição de aliado político de Floriano Peixoto, Accioly teve atuação destacada na articulação que depôs o presidente Clarindo de Queiroz. A seguir, ocupou a presidência do Estado o tenente-coronel José Freire Bezerril; Accioly, então já presidente do Partido republicano Federalista, que fundara naquele mesmo ano de 1892, foi o escolhido para ocupar a vice-presidência. Findo o quadriênio da gestão Bezerril (1896), Accioly finalmente se elege presidente do Ceará – o primeiro governante civil do estado – com cerca de 21 mil votos.

 Embora iniciado no governo de Bezerril Fontenele (1892-96), o Mercado de Ferro, concluído em 1897 na gestão de Accioly, se configura como a primeira grande obra municipal que o intendente  Guilherme Rocha teve esmerada participação.

Entre 1889 e 1896, o período crítico dos 3 governos militares cearenses, foram poucas as práticas dominantes voltadas para os anseios de modernizar Fortaleza e disciplinar a população via estratégias higienistas e comportamentais. A destacar, entretanto, a tentativa em 1891,  de substituir os nomes das ruas por números, a exemplo de New York, medida que acabou revogada poucos meses depois; o surgimento da Academia Cearense (1894), que, ao lado do Instituto Histórico do Ceará (1887), veio a se tornar uma das principais instituições de saber da capital, reunindo os mais ilustres intelectuais e publicando uma revista anual, em formato de livro contendo não menos de 200 páginas; e a emergência de mais uma organização voltada para o controle assistencialista do contingente de miseráveis da cidade, o  Dispensário dos Pobres, em 1895. 

Guilherme Rocha, Intendente de Fortaleza de 1892 a 1912

Foi a partir dos governos seguintes de 1896 a 1930, que realmente se tornaram mais efetivos os investimentos de normalização urbano-social em Fortaleza.  Durante todo o período em que durou a oligarquia aciolina (1896-1912) a Intendência da capital ficou a cargo do coronel Guilherme Rocha, considerado pela histografia cearense um dos administradores que mais fizeram pela urbanização e embelezamento de Fortaleza.

Praça da Sé, uma das beneficiadas com melhoramentos na gestão do Intendente Guilherme Rocha

Após a construção do Mercado de Ferro, o poder municipal investiu na ampla remodelação das três principais praças da capital – a do Ferreira, a Marquês de Herval e a da Sé – inauguradas com muitos festejos. Nestes logradouros foram introduzidos canteiros de flores, avenidas, réplicas de estátuas gregas, vasos importados, chafarizes e largos pavilhões para ocorrência de retretas, patinação e ginástica.
A regeneração das praças, portanto, vai muito além do mero aformoseamento: facilitava a circulação e determinava novas regras de convivência e utilização do espaço público, além de estimular a prática de exercícios físicos nos jovens e estudantes, tidos como saudáveis aos costumes e à saúde.
  
Jardim sete de setembro, na Praça do Ferreira

Atento e vigilante ao embelezamento da cidade, Guilherme Rocha também procurou fazer cumprir o Código de Posturas de 1893, que prescrevia a adoção de uma padronização formal nas platibandas, obrigatórias nas fachadas de frente, bem como nos vãos de portas e janelas externas. Para manter a harmonia do conjunto urbano, tentou impedir as construções que não obedecessem as linhas gerais definidas pelo Código.
Com base no artigo 12 do Código, o intendente exigiu que as esquinas fossem cortadas em dois ângulos obtusos, o que provocou reação da oposição.

sede do Jornal "Unitário", de onde João Brígido disparava suas críticas contra o Governo Accioly

O jornalista João Brígido, inimigo político de Accioly, aproveitava-se do fato para ironizar o intendente municipal chamando-o de nosso Haussmann, (prefeito de Paris à época) num artigo intitulado “Fortaleza em Paris” inserido no jornal Unitário de 23 de julho de 1908. Apontando a disparidade das situações, afirmava que Haussmann  havia feito as derribadas de Paris para tirar aos inimigos seus melhores pontos estratégicos acomodados às barricadas. Por tal razão, tinham sido condenadas as esquinas angulares, dando-lhes forma arredondada. Não era este o caso de Fortaleza, onde em ponto central se via um pardieiro, que não era do repertório de Haussmann.

Praça José de Alencar, então Marquês de Herval depois da reforma empreendida por Guilherme Rocha. Era o cartão-postal de Fortaleza

O pardieiro a que se referia João Brígido era o Mercado de Ferro, mas sua desqualificação é questionável: afinal o Mercado de Ferro, metálico, em estilo art-nouveau, enquadrava-se nas reformas estéticas do final do século. Como se vê, os segmentos modernizadores locais – prefeitos e jornalistas, entre outros – estavam informados e alinhados com as reformas urbanas ocorridas na Europa, sobretudo as da França e Inglaterra, países com as quais as cidades brasileiras mantinham mais contato. 

detalhes do embelezamento da Praça Marquês de Herval: réplicas de estátuas gregas e vasos importados

Um dos mais eloquentes testemunhos sobre a onde de transformações urbanas vividas por Fortaleza é a crônica Epitáfio na Calçada, de Paulino Nogueira, publicada no Almanaque do Ceará, ano de 1900. Já sentindo certa nostalgia de um passado recente, o cronista compara a Fortaleza de poucas décadas atrás com a “nova” cidade do momento em que escreve, destacando, com a perspicácia e perplexidade do olhar literário, as fascinantes novidades que estavam alterando a fisionomia da cidade:
... era muito pequena e atrasada esta Capital. Ainda não tinha o Passeio Público, praças arborizadas, templos majestosos, edifícios elegantes, tantas e tantas ruas alinhadas, calçamento, iluminação à gás, linhas de bondes, carros de aluguel, hotéis, quiosques, clubes, prado, corrida de touros, a cavalo e à bicicleta, quermesse, bazar e demais novidades.  


extraído do livro de Sebastião Rogério Ponte
Fortaleza Belle Epoque: reformas urbanas e controle social (1860-1930) 
  

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