sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A Praça e os Boêmios



A Praça do Ferreira foi por cerca de oito décadas, o palco principal da boemia cearense. Depois a cidade foi se descentralizando e alguns bairros passaram a oferecer opções de lazer para os amantes da bebida e da boa conversa.
Na primeira metade do século XX quem quisesse se manter informado sobre fatos políticos, ocorrências sociais, pendências testamentárias, atividades culturais, fuxicos e mexericos da casa alheia, era só circular pelos cafés, bares e livrarias da Praça. Os pontos principais eram:

Rua Major Facundo endereço da Maison Art-Nouveau

A Maison Art-Nouveau, que funcionou entre 1907 e 1930, localizada na esquina sudoeste da Rua Major Facundo com Guilherme Rocha (onde hoje está o Edifício Granito). Lá podiam ser encontrados todos os dias os jovens intelectuais Carlos Câmara, Ubatuba de Miranda, Renato Braga, Josaphat Linhares e Edigar de Alencar. Este café foi destruído por um incêndio.
O Café Riche funcionou entre 1913 e 1926. Ficava na esquina noroeste das mesmas Ruas Major Facundo e Guilherme Rocha, no local onde hoje está o Excelsior Hotel. Seus proprietários eram o futuro maior exibidor cinematográfico do Brasil, Luiz Severiano Ribeiro e o abolicionista Alfredo Salgado. 

O Café Riche foi inaugurado em 21 de setembro de 1913, na esquina da Rua Major Facundo com Guilherme Rocha.Ocupava o andar térreo do sobrado onde nos pavimentos superiores se instalara, dias atrás, o Hotel Central.

Nesse recinto pontificava o gênio livre de Quintino Cunha, sempre pronto a responder com inteligência e humor a todas as provocações de adversários e admiradores. Certa vez, recebendo de seu amigo Gomes de matos um par de chifres muito bem embrulhado numa caixa de chapéu, no dia do seu aniversário, retribuiu com um ramalhete de flores. Gomes ficou desconcertado e comentou: “ora Quintino, eu estou morto de vergonha. Te mando um par de chifres e tu me cobres de flores?”   - “É fácil explicar, meu amigo Gomes” – retorquiu o arguto Quintino – “cada um dá o que tem”.
Naquele tempo das manipulações, eram os boticários que preparavam os remédios. Em Fortaleza surgiram muitas fórmulas medicinais que ficaram famosas e algumas delas ainda hoje estão em pleno uso, como o Elixir Paregórico, as Gotas Artur de Carvalho, as Pílulas de matos e o Sabão Líquido Asseptol. O boticário José Elói da Costa criou, nos anos 20, a pomada Epidermina para tirar sardas da pele. O produto tinha um cheiro horroroso e, um dia, um parente do inventor perguntou ao Quintino o que ele achava do remédio que estava limpando de sardas e panos-pretos os rostos da cidade. Irreverente como nunca, o poeta, pondo o dedo no nariz, satirizou de improviso:

A Epidermina, fuummm!
Do José Eloi da Costa
É puro cheiro de bosta,
Na cara de qualquer um.

Estava difícil para o José Elói, João Brígido mudou o nome de sua pomada para Epimerdina.
Contemporâneo do Riche, mas a ele sobrevivendo por muitos anos,  o Bar do Majestic , funcionando ao lado do cinema do mesmo nome e fora inaugurado em 1917. Ali nos anos 30 e início dos anos 40, atendia seo João, pitoresca figura de garçom que vivia atormentado com os fiados dos boêmios. Chegava a sugerir, com muito jeito, que os mais velhacos tomassem cachaça ao invés de cerveja, porque o prejuízo seria menor.  

 Palacete Ceará, na esquina da Rua Floriano Peixoto com Guilherme Rocha

No térreo do Palacete Ceará, um dos poucos prédios que sobreviveram à fúria dos vândalos, funcionou a Rotisserie, restaurante frequentado pela alta sociedade, políticos, desembargadores, altos comerciantes, e inclusive, o presidente do Estado. Nos altos funcionava o Clube Iracema, onde se davam grandes festas, animadas pela orquestra do maestro Antônio Moreira. Quando o clube se transferiu para outro endereço, seu espaço ganhou divisórias e foi transformado em república de estudantes. Muitos, que depois se tornariam conhecidos artistas e intelectuais, moraram nessa república: Mário Barata, Antônio Bandeira, Aldemir Martins...

Instalações do Clube Iracema, no Palacete Ceará

A Confeitaria Glória, cujo proprietário era André Almeida, ficava nos baixos do sobrado da Intendência Municipal, entre as ruas Floriano Peixoto e Major Facundo. Funcionou de 1928 a 1937. Dentre os seus frequentadores, a escritora Rachel de Queiroz, o poeta Jáder de Carvalho, o advogado Gomes de Matos, os escritores Antônio Girão Barroso, Moreira Campos, Fran Martins e Murilo Mota.
Em 1934 Rachel de Queiroz lançou sua candidatura a Deputada Constituinte Estadual pelo Partido Socialista Brasileiro. Apesar de já ser famoso no Brasil inteiro, não recebeu os votos suficientes para sua eleição.

 Café Emidio final da década de 30 (acervo particular)

Também no velho prédio da Intendência ficava o Café Emídio, dos gêmeos José e Estevão de Castro. Eram homens elegantes e distintos, além de exímios pianistas.
O Café Globo, de Edilberto Góis Ferreira, situado numa esquina da Praça, funcionou de 1937 a 1955. Em seu recinto sempre podiam ser encontrados os médicos Pedro Sampaio, Carlos Ribeiro e Virgílio Aguiar; o Quintino Cunha, já velho, acompanhado de seu sobrinho Renato Soldon; Romeu Martins e Tompson Bulcão, Raimundo Girão, Djacir Menezes Avelar Rocha e o pessoal do Grupo Clã: Artur Eduardo Benevides, João Clímaco Bezerra,  e outros.

O Bar O Jangadeiro, na Praça do Ferreira era um front na batalha das Coca-Colas contra o preconceito. Ali elas tinham encontros com os soldados americanos. Quando a guerra acabou, o bar ficou sem clientes.  (arquivo Marciano Lopes)

À Turma do Clã se atribui a terrível responsabilidade pela falência de muitos dos cafés da Praça do Ferreira. Como eram todos “lisos” , ao ocuparem uma mesa, ficavam pedindo cafezinhos e dizendo poemas. Mas cafezinhos não sustentam bares. Por receberem a preferência desse grupo de inteligentes rapazes, cerraram as portas o Café do Comércio (em sua 3ª. fase), a Confeitaria Cristal, o Botequim do Mundico e o Café Éden

 Grupo Clã reunido na casa de Fran Martins (do livro Roteiro sentimental de Fortaleza)
No tempo da Segunda Guerra, quando Fortaleza se encheu de americanos, o dólar passou a ser moeda corrente por aqui. O bar O Jangadeiro era um dos pontos prediletos dos soldados yanques, sempre muito bem acompanhados das deslumbradas meninas, as Coca-Colas, como foram apelidadas pelos rapazes locais, desprezados por elas. O proprietário de O Jangadeiro, José Frota Passos, entusiasmado com a grana dos gringos, passou a dizer que a freguesia cearense não lhe interessava porque não tinham dinheiro.  Depois da guerra, quando os americanos se foram, deixaram além das desfrutadas e saudosas Coca-Colas, um vazio nas mesas do restaurante do Sr. Frota Passos. Ele precisou usar muitas desculpas e pedidos de perdão e até uma nota explicativa nos jornais para recuperar a clientela perdida.  Coisas da guerra.

Extraído do livro de Juarez Leitão
Sábado, estação de viver.  
fotos do arquivo Nirez 

Um comentário:

Anônimo disse...

sou filho do
Renato SoldoN e bisneto de Quintino cunha, me diga a que vc tem do RenAto soldon e de SEUS BISAVOS. EU FAÇO PESQUISA GENEALOGICA E ESTA DIFICIL PESQUISA NO ARQUIVO,EU PROCURO O LOCAL ONDE ESTA O TUMULO DO BISAVO E DOCUMENTOS DE SESU PARENTES. O SEU BISAVO ERA FILHO DE UM UM ALEMAO QUE PELO RELATO TERIA SIDO MORTO NO PIAUI E O RENATO E O SEU BISAVO TERIAM MORADO EM UM CASARAO EM BATURITE E INDO APRA FORTALEZA
MEU EMAIL E SOELDON@HOTMAIL.COM