quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A Praça do Povo na década de 1940

No ano de 1945 a Praça do Ferreira era o coração da cidade. Coração que pulsava forte no ritmo do relógio da sua famosa Coluna da Hora. De inspiração francesa, como quase tudo naquele tempo, a praça era absolutamente simétrica na arrumação de seus longos e confortáveis bancos de madeira; nos canteiros, cortados à moda francesa, com suas estátuas de faiança representando as quatro estações e os fícus-benjamins podados em formas de bolas, anéis, pirâmides e cubos. 


Projetada para acolher grandes aglomerações por ser o centro nevrálgico da cidade, a Praça do Ferreira tinha amplos espaços de passeios pavimentados com mosaicos brancos, antiderrapantes. 
Ao centro sobre pequeno patamar, com quatro degraus, nas quatro faces, em mosaicos vermelhos se assentava a Coluna da Hora, um dos mais difundidos cartões postais de Fortaleza. Em cada canto do patamar, um artístico poste metálico em belo trabalho de relevos e arabescos sustentava cada um, quatro globos de vidro branco leitoso. 

A Coluna da Hora atual não tem mais a base, nem os degraus

Contornando o logradouro, duas alamedas em cada extremo, intercaladas por canteiros salva-vidas, arborizados com velhas mangueiras e fícus-benjamins.
A Praça do ferreira limitava-se ao sul pela Travessa Pedro Borges e ao Norte pela Travessa Pará, ao Leste pela Rua Floriano Peixoto e a Oeste pela Rua Major Facundo. 


Por se tratar de uma praça que era uma síntese da cidade, ostentava uma seleção do que o comércio local possuía de mais representativo. Ali estava A Casa Sloper, espécie de templo da moda, com suas vitrines bem armadas,  seus manequins vestindo criações de estilistas franceses, lingeries parisienses, bijuterias que pareciam jóias e até suas vendeuses tão alinhadas que se confundiam com as clientes.
Era na Praça do Ferreira que estava o Excelsior Hotel, com sete andares, o hotel mais luxuoso do Norte/Nordeste e a maior terrace do Brasil, no alto, tremulavam as bandeiras das nações amigas. 

O Excelsior Hotel encerrou suas atividades no dia 1° de outubro de 1964, após 33 anos de funcionamento

A Broadway – loja de fazendas finas de Alberto Bardawill – na esquina das Ruas Guilherme Rocha e Major Facundo, tinha um charme tão grande que se tinha a impressão de estar em Nova York, e que a Broadway autêntica era ali mesmo.
O Eldorado e o Jangadeiro eram duas casas de alto luxo, espécies de casas de chá requintadas e tinham até orquestras de cordas. Ofereciam vasto menu de sorvetes sofisticados, bebidas finas, espumantes, licores, queijos, etc. Frequentado  pela alta sociedade, o Eldorado mudava a decoração todos os anos.
Na Praça do Ferreira ficava o posto Mazine, com sua frota de carros luxuosos. 

Na Praça do Ferreira, à esquerda, ficavam estacionados os luxuosos automóveis Packards do Posto Mazine

Estava também a Rainha da Moda e a Ceará Chic, o Café Globo e o Café Baturité, a Casa Clark e a garapeira leão do Sul, que ainda está por lá. Tinha o famoso Mundico do Pega-Pinto e a Sorveteria Odeon, com suas paredes espelhadas e tinha a Moldura Paraense.

A Rainha da Moda que funcionava no térreo vendia tecidos, bolsas, sombrinhas e outros acessórios. Ficava na Major Facundo, esquina da Praça do Ferreira, em frente ao Cine Moderno. O prédio, sem nenhuma modificação, ainda existe. 

Tinha também as duas serpentes disputando a grande taça da Farmácia Pasteur. Tinha a Loja 4.400 a Farmácia Belém, e juntinhas as Farmácias Globo, Santo Antonio e do Povo. 

O prédio que abrigou a Farmácia Pasteur continua de pé, mas a fachada foi bastante modificada. 

No extremo oposto estava a Pharmácia Oswaldo Cruz e o Photo Ribeiro com suas ampliações de corpo inteiro. 

A Farmácia Oswaldo Cruz é um dos estabelecimentos mais tradicionais da Praça do Ferreira

Na Praça do Ferreira estava o Cine Moderno, com sua fachada monumental, lembrando um palácio egípcio e sua sala de espera Art-Nouveau, toda em madeira entalhada e espelhos de cristal bisotados. Também estava a Miscelânea,mercearia de primeira ordem, e a Casa Leitão, do mesmo gênero. A Casa Clark, famosa pelos seus sapatos que duravam muito e tinham acabamento primoroso. 

O cinema foi fechado em 1968, o prédio foi vendido ao Grupo Edson Queiroz

E tinha a encardida fachada do velho Majestic, tão bonito mas já decadente, transformado em poeira.
Na Praça do Ferreira entre a Casa Sloper e os escritórios da Empresa Luiz Severiano Ribeiro, estava o tapume das obras do futuro Cine São Luiz, chamado pela população de sinfonia inacabada, pois sua construção tivera inicio em 1938. No coração da cidade dominava absoluto, por sua beleza ímpar, o tradicional Rotisserie, que já fora uma porção de coisas, inclusive sediara o Clube Iracema. Nos idos de 1945, era uma república de rapazes e casa de bilhares. 


Uma particularidade que marcou época e chegou a ser um dos folclores da cidade era a “esquina da Broadway”, por ser um ponto estratégico e passagem obrigatória para milhares de pessoas, ali se postavam os rapazes que vinham tentar conquistar as mulheres que cruzavam a esquina fatídica. Também conhecida como esquina do pecado, devido ao vento encanado que soprava ali, levantando as saias das moças e provocando galanteios dos atrevidos rapazes.


Havia ainda Pharmácia Galeno, de fachada simples, escondia um tesouro no seu interior. Sucessora da Botica do Ferreira, a Pharmácia Galeno nada tinha em comum com suas congêneres. 
Tudo era incrivelmente antigo: os balcões entalhados, os armários com vidros bordados, os globos coloridos. Parecia um pequeno museu. Nos armários nada de medicamentos convencionais. Eram poções, bálsamos e pomadas, em potes de porcelana com letras em forma de ouro, frascos de vidro âmbar com tampas de vidro incolor.


E finalmente, tinha o “banco dos velhos” uma instituição da Praça do Ferreira e da cidade. O “banco” era sagrado e nenhum profano podia nele sentar-se. Era exclusivo dos velhos. Velhos intelectuais, cultores da memória da cidade. Ali ficavam, todas as tardes, num papo sem fim, falando de tudo. Até da Praça. Quando os vândalos desmantelaram a praça, não tiveram a sensibilidade de conservar o “banco”. 
Por isso, todos os velhos sumiram. De tristeza, por tanto desamor às coisas da nossa cidade.

Fonte:
Lopes, Marciano. Royal Briar, a Fortaleza dos anos 40. Fortaleza: ABC, Coleção Nostalgia, 1996.
fotos: Arquivos NIREZ e Marciano Lopes

4 comentários:

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Quando eu leio e vejo retratada tanta coisa que conheci, como a antiga Coluna da Hora, a Casa Sloper, a Rainha da Moda, o Cine Moderno e tal....,na minha cabeça vem a canção que diz:" a saudade mata a gente, Morena, a saudade é dor pungente, Morena!"...a Morena aí, é Fortaleza...."cidade que FURTA e LESA a alma da gente " (?) no dizer de meu pai, amante, como eu, dessa terra tão maltratada..."pelo desamor às coisas de nossa cidade"...pelos gestores estúpidos
que o povo tem elegido...

LAMENTÁVEL!!!!

Anônimo disse...

era linda a Praça do Ferreira, como nós regredimos em matéria de civilidade!

Anônimo disse...

Deveria ser muito boa aquela época, pois hoje em dia infelizmente só se vê mais é mendigo, drogueiro e ladrão na praça.

Fátima Garcia disse...

é anônimo, a cidade perdeu muito em qualidade de vida.