quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A Praia Formosa e o Curral das Éguas

Praia Formosa em fotos de 1939 - foto reprodução
ponte dos ingleses  

Desde a década de 1920 até inicio dos anos 1960, a então Praia Formosa (atual Iracema) era habitada por pescadores e por pessoas de classe média, que ali se instalavam devido à facilidade de acesso à Praça do Ferreira – ponto de convergência de todo o comércio de Fortaleza, repartições públicas, linhas de ônibus e de bondes, correios, bancos, etc. O trajeto entre a Praia e a Praça do Ferreira era cumprido a pé.
Ao longo desse tempo a Praia Formosa sempre foi uma área bastante movimentada, com destaque para os anos 1940, quando por ali transitavam as moças que habitavam o “Curral das Éguas”; também circulavam jovens solteiras de boas famílias, que frequentavam o cassino dos americanos (no lugar do atual Estoril), ou ainda, o “La Conga” que ficava na descida da Rua Barão do Rio Branco, já na beira do mar. O La Conga era tipo uma boate, e servia de ponto de encontro dos soldados americanos que ficaram aquartelados na cidade no tempo da guerra.
Estima-se que, entre 1943 e 1946, um total de 50 mil americanos tenha passado por Fortaleza. Para suas distrações se faziam acompanhar das famosas “coca-colas”, como ficaram conhecidas as moças de Fortaleza que namoravam os americanos, mesmo sem conhecer o idioma.
Bastava saber dançar e dizer algumas palavras que permitisse os mais rápidos relacionamentos.
Na descida do Passeio Público em direção a praia estava o “Bar São Jorge”, palco de muitas desventuras humanas, e por esse motivo, muito conhecido da crônica policial da cidade; nas redondezas se aglomerava grande número de operários que trabalhavam na antiga “light”, lugar que acumulava enorme quantidade de cinza das caldeiras que forneciam eletricidade a Fortaleza.
Mais tarde o lugar passou a ser chamado pejorativamente de “Cinzas”.

No Arraial Moura Brasil, na descida da ladeira da Rua General Sampaio, ao lado da estação central e da casa de detenção (atual Encetur), em direção a Praia Formosa, ficava o muito famoso “Curral das Éguas”, local onde desde 1920, muitos rapazes, de todas as classes sociais, se iniciavam nas artes amorosas.
As casas, estilo chalés situados à esquerda de quem descia a Rua General Sampaio, estavam sempre feericamente iluminados. As mulheres, de todos os tipos, vinham de todo o estado do Ceará, boa parte delas fugindo das secas e da carência de oportunidades em suas cidades, para “fazer a vida” e assumir a profissão.
Na pensão onde fixavam residência, a primeira providência da madame (a dona da pensão) era levar a “mariposa” a chefatura de policia onde era registrada, com prontuário de ocorrência sanitária, obrigada a comparecer mensalmente para obter visto na carteira, e para ser examinada para saber se tinha contraído “doença do mundo” ou “curuba”,
um tipo de sarna muito comum na época.
Os homens solteiros, casados, comprometidos, ricos, pobres, pretos ou brancos, freqüentavam o local às escondidas, cuidando para evitar as “doenças do mundo” dada a inexistência de preservativos ou camisinhas.
Os que pegavam alguma doença venérea, consultavam urologistas de confiança em busca da cura, tudo no maior segredo, evitando-se chegar ao conhecimento das famílias e namoradas, porque tal ocorrência podia decretar até o fim do casamento, se fosse descoberta.
O trottoir era o ponto alto do assédio: as “damas da noite” vestiam-se com roupas de sedas chamativas, subiam e desciam a ladeira da Rua General Sampaio, a fim de atrair os fregueses que se postavam na parte alta da rua, ou que estavam nos botequins da área.
Arranjado o parceiro, levavam para o quarto do lupanar reservado para o oficio que não durava nem meia hora. Findo o encontro, a mulher já saía do quarto com traje diferente do que usara antes para não ser reconhecida pelos circunstantes, e recomeçava a lide de subir e descer a ladeira.
Ao lado do curral havia outras pensões, o “Oitão Preto” e a “Pensão da Olímpia”, ambas de categorias superiores e separadas do público que freqüentava o curral.
Muitas foram as promessas do poder do publico e de entidades da iniciativa privada, de mudar a tradição de uso e ocupação da Praia de Iracema, a outrora Praia Formosa. Campanhas de revitalização para integrar a área ao contexto sócio-cultural de Fortaleza e atrair maior movimentação de visitantes são quase constantes.
Em alguns trechos, até que esse objetivo foi parcial e relativamente alcançado. Mas o trecho onde se situavam até a década de 1960 as atividades acima relatadas, continua sendo até os dias atuais, área onde reinam a insegurança, a prostituição e o tráfico de drogas.
Pobre Fortaleza Bela



Fonte:

Almada, Zenilo. Histórias da Fortaleza Antiga. Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza, tomo CXVIII, 2004.

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