A preocupação com o
saneamento de Fortaleza surgiu na segunda metade do século XIX, integrado ao
processo de remodelação e aformoseamento da Capital. Um conjunto diversificado
de intervenções, e reformas sanitárias, disseminou-se pela cidade e entre a população,
por todo o período que compreende parte do Império e a primeira República
(1889-1930).
milhares de retirantes fugidos da seca do sertão, se concentram na Praça da Estação em Fortaleza, em busca de alimentos, trabalho e assistência médica.
A proporção que Fortaleza
se adensava de gente e construções, verificou-se por parte das autoridades e da
elite intelectual, toda uma produção de discursos acerca do que as autoridades
e os habitantes precisavam ter e fazer para se atingir um desenvolvimento
organizado, sistematizado, saudável e civilizado. E daí surgiu uma grande
preocupação com a questão social dos menos favorecidos e que, segundo as
autoridades, comprometiam o desenvolvimento e o grau de civilidade que se
planejava alcançar.
Disciplinar o meio urbano
remetia à necessidade de regular o social. Nessa perspectiva, produziu-se uma
imagem negativa da população pobre, qualificada como indolente, propensa ao
vício e à vadiagem. Assim, não tardou a aparecer a lista de acontecimentos
apontados como obstáculos à ordenação de Fortaleza e que deveriam ser
combatidos com rigor: epidemias, morbidade e mortalidade consideradas altas,
proliferação de lixo, água insalubre, aumento do contingente de loucos, vadios,
mendigos, menores abandonados, delinquentes, alagamentos, falta de higiene
pública e doméstica, etc.
Os estabelecimentos e
instituições foram surgindo à medida que os problemas se agravavam. As secas e
epidemias foram as maiores responsáveis pela construção da Santa Casa da
Misericórdia e do Lazareto da Lagoa Funda. A decisão de erguer um hospital que
a cidade ainda não dispunha, foi motivada pelas doenças e sequelas deixadas
pela seca de 1845. Apesar de parcialmente concluída em 1857, a Santa Casa só
foi concluída em 1861, no mesmo local em que se encontra até hoje, entre o
Passeio Público e a antiga cadeia. Até o início dos anos 30, quando aparecerem
as Casas de Saúde, a Santa Casa foi o principal espaço de tratamento da
população pobre, desde que não se tratasse de moléstias contagiosas.
Lazareto da Lagoa Funda -
um hospital para doenças contagiosas
Para os portadores de
moléstias contagiosas foi criado o Lazareto da Lagoa Funda, localizado a 7 km
do centro da Cidade, edificado entre 1856 e 1857. O Lazareto foi o primeiro
exemplo concreto da medicina urbana e preventiva em Fortaleza, já que foi
criado com a finalidade de abrigar os prováveis atingidos pela epidemia de
cólera que se espalhava pelos Estados do Nordeste. A epidemia efetivamente
chegou e atingiu toda a província entre 1862 e 1864, ceifando a vida de 11 mil
cearenses, com 362 óbitos na Capital.
Cemitério de São João
Batista - para evitar a contaminação da água e do ar
Ainda na década de 1860,
Fortaleza passaria por duas importantes resoluções visando a preservação da
salubridade do ar e da água. Uma foi a decisão de transferir o Cemitério de São
Casimiro, localizado em área central, para o arrabalde de Jacarecanga, com o
nome de São João Batista. No lugar do São Casimiro foi construída, em 1873, a
Estação Ferroviária.
A escolha de Jacarecanga
para acolher o novo cemitério, deveu-se ao fato de um ser espaço praticamente
vazio à época, além de estar a oeste da cidade, isto é, a sotavento. O
cemitério não poderia ficar a leste (a barlavento), porque como os ventos
correm na direção Leste-Oeste, eles espalhariam os germes do cemitério pela
cidade. Pelo mesmo motivo, o Lazareto da Lagoa Funda também foi edificado no
mesmo subúrbio de Jacarecanga.
Asilo São Vicente de
Paulo - um hospital para os loucos
O Asilo de Alienados São
Vicente de Paulo, concluído em 1886 na vizinha localidade de Arronches, hoje
Parangaba, foi a décima instituição para loucos edificada no Brasil. Dentre as
justificativas para a sua criação, estavam a retirada dos loucos do espaço
urbano e afastamento das respectivas famílias que não podiam tratar nem
controlar, além de afastá-los do crime. O maior impulso financeiro à construção
do Asilo veio da lei provincial de 1876, concedendo à Santa Casa o privilégio de
administrar o novo cemitério de São João Batista. Todo o saldo líquido auferido
dessa atividade foi empregado na obra de construção do Asilo São Vicente de
Paulo.
Dispensário dos Pobres e
Asilo de Mendicidade - para os pobres e mendigos
Prédio antigo do Dispensário dos Pobres, no Benfica
O Dispensário dos Pobres
foi criado em 1885, situado na atual Avenida da Universidade, no Benfica,
entregue aos cuidados das Irmãs da Ordem Filhas de São Vicente de Paulo; também
no Benfica foi instalado o novo Asilo de Mendicidade, patrocinado pela
maçonaria através da congregação de três lojas maçônicas, a "Igualdade", "Fraternidade Cearense" e "Amor e Caridade". O asilo de Mendicidade foi criado em 1905, na Chácara Amaral, localizada na Avenida Visconde de Cauípe, hoje Avenida da Universidade, sendo depois transferido para a Chácara Virginia Salgado, no bairro Jacarecanga. Hoje é o Lar Torres de Melo.
Para menores abandonados
foram criados o Patrocínio dos Menores Pobres, em 1903, a Escola para Menores
Pobres (1908), e o Dispensário Infantil (1914).
Patronato Maria
Auxiliadora e Internato Bom Pastor - para moças pobres, órfãs e mães solteiras
Para moças pobres e órfãs
surgiu o Patronato Maria Auxiliadora (1922), criado pela Liga das Senhoras
Católicas e instalado na atual Avenida do Imperador; e o Internato Bom Pastor
(1928) situado no bairro do Jacarecanga,
onde eram confinadas as moças que tinham desviado suas condutas e, para
não causarem vergonha à família, eram mandadas para lá e ali permaneciam até
cair no esquecimento da sociedade.
As internas do Bom Pastor
eram, muitas vezes, moças solteiras “de família” que engravidavam, e eram
afastadas do convívio familiar, antes que a vizinhança percebesse o acontecido
e começassem os comentários maldosos, e as especulações sobre paternidade. Se a
mãe solteira fosse descoberta, ficaria “falada” e desonrada, e dificilmente
arranjaria um noivo ou teria novamente um relacionamento sério. Assim, o
expurgo familiar, evitava que tanto a moça quanto a família viessem a sofrer as
consequências da desonra, ou que o bom nome da família fosse maculado.
Depois, com o passar do
tempo, e purgado a culpa, as internas retornavam aos lares, depois de terem
recebido cursos e aprendido trabalhos manuais sob orientação das irmãs
religiosas, como costurar, bordar, cozinhar e outras atividades domésticas. As
moças recolhidas ao Bom Pastor tinham uma maneira peculiar de se vestir: se
cobriam de preto, lenço na cabeça, e nas ocasiões em que frequentavam missas,
usavam um véu no rosto, evitando assim o reconhecimento de pessoas que estavam
na igreja e pudessem, porventura identifica-las.
Saíam do Bom Pastor como
quem deixa o cárcere depois de ter cumprido pena pelo mal cometido. A criança fruto desse amor clandestino, era
dada em adoção, com a condição de jamais poder ser revelado quem eram os
verdadeiros pais. Além das mães solteiras, o Bom Pastor também acolhia órfãs e
meninas abandonadas ou em situação de extrema miséria.
Campo Penal Agrícola de
Canafístula - prisão agrícola para homens
Colônia Cristina em data anterior à instalação da Prisão Agrícola de Canafístula. À época da foto, o local abrigava retirantes da seca. (foto Brasiliana Fotográfica)
Santo Antônio do Buraco -
para menores abandonados
Em razão dos sucessivos
períodos de secas e da consequente migração de sertanejos para a capital, havia um grande
contingente de crianças órfãs, vítimas da estiagem ou de epidemias, que perderam os pais e seus
responsáveis, e se viram sozinhas no mundo, sobrevivendo de esmolas,
perambulando pelas ruas da cidade. As meninas eram encaminhadas ao Bom Pastor ou ao Patronato Maria Auxiliadora; os meninos, para o Santo Antônio do Buraco.
Para esses meninos abandonados, recomendou-se prática
regenerativa semelhante ao da Colônia Cristina, através de uma instituição
disciplinar específica. Em 1928 surgiu um internato com características
prisionais através da Estação Experimental de Santo Antônio do Pitaguary (atual Maracanaú).
A escola foi instalada na
Fazenda Santo Antônio, de propriedade do Estado e se destinava a regeneração de
menores com idade entre 8 e 18 anos. O prédio da escola foi construído com a
ajuda de presos sentenciados. A operação de internamento é relatada com minúcia
pelo governador:
- primeiro veio uma lei que conferiu ao juiz municipal da 2ª. Vara a atribuição para recolher menores vagabundos ou mendigos;
- Em seguida, foram colocados à disposição do juiz, pelo Secretário de Segurança Pública, os policiais requisitados, investidos da função de comissário de menores.
- Os policiais sem demora, saíram as ruas e delas recolheram 48 menores para a Estação Experimental que funciona no Sitio Santo Antônio, de propriedade do Estado.
Estava assim criado, o
reformatório “Santo Antônio do Buraco” como ficou conhecido popularmente. O
lendário rigor aplicado aos internos permaneceu por muitas décadas no
imaginário infantil cearense como verdadeiro signo de terror.
Fontes:
Fortaleza Belle Époque – reformas urbanas e controle
social – 1860-1930,
de Sebastião Rogério Ponte
Relatório Carneiro de Mendonça - 1936
Benfica de Ontem e de Hoje, de Francisco de Andrade Barroso
fotos Brasiliana Fotográfica, arquivo Nirez, relatório Carneiro de Mendonça
fotos Brasiliana Fotográfica, arquivo Nirez, relatório Carneiro de Mendonça
Um comentário:
Excelente material histórico.
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