segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Fortaleza no Pós-Guerra: de Francesa para Americana

Na segunda metade dos anos quarenta, terminada a Segunda Guerra Mundial, enquanto a Europa tentava recuperar-se dos estragos causados pelo conflito, os americanos emergiram como os novos heróis, os vencedores que derrubaram Hitler e seus aliados.

O Estoril na Praia de Iracema era o reduto dos soldados norte-americanos em Fortaleza durante a 2a. Guerra

Em toda América Latina os americanos viram aumentar o prestígio e a idolatria pelos bravos soldados do Tio Sam. Nada mais natural para essas populações, inclusive a do Brasil, do que aderir à emergente cultura proveniente da América do Norte, o que significava, dentre outras coisas, aceitar as grandes invenções americanas: os utensílios de plástico, o pirex, as meias de nylon, a caneta esferográfica, além é claro, da Coca-Cola e outras bugigangas. 

Fortaleza, que antes da guerra estivera sob jugo da moda francesa, de onde eram importados tecidos finos, chapéus, vestidos, sapatos e perfumes, de repente, encantou-se pelas quinquilharias americanas. Já não eram as sofisticadas vitrines da Casa Sloper e da Broadway que chamavam a atenção; antes da guerra, maravilhosa era a Alemanha, grande parceira econômica com seus gênios inventores, onde o Brasil comprava máquinas e carros, e vendia grãos, matéria-prima e até armas. 

Passeio Público no tempo da Belle Epoque: chapéus, ternos e belos vestidos inclusive para as crianças (1920) 

A França mandava a frescura na forma de moda, de hábitos culturais, de artes e no modelo de urbanização. Agora, porém, a coisa estava mudando, e Tio Sam com sua festiva cartola estrelada começava a exercer sua influência sobre os ingênuos habitantes do Terceiro Mundo. E não foram só as quinquilharias que causaram sensação por aqui: a música latina, bem alegre e vibrante, as danças sensuais, a moda, a gastronomia, e a arquitetura. Os filmes encontraram espaço nos salões e nos cinemas da cidade e os colégios católicos passaram a priorizar o inglês como segunda língua, em vez do francês. Os jovens mascavam chicletes, tomavam Coca-Cola e dançavam Fox. Os mais velhos dançavam ao som de Glenn Miller e dos ritmos caribenhos. 

Fortaleza antes e depois da 2a. Guerra

Em frente as lojas do centro se juntavam pequenas multidões para assistir as demonstrações das novas aquisições. Nas Lojas de Variedades na Praça do Ferreira, os vendedores mostravam as maravilhas do plástico – através de copos que não quebravam mesmo quando eram arremessados ao chão – e do pirex, o novo vidro miraculoso que podia ir ao forno sem quebrar, para uma plateia que assistia tudo de boca aberta, queixo caído, maravilhada diante de tantas novidades.


Lojas de variedades, no centro de Fortaleza 

Mas sucesso mesmo fizeram as meias de nylon: primeiro correu a notícia de que os americanos tinham inventado uma “meia de vidro”. Seria tão fina e transparente que podia ser lavada e usada em seguida, pois secava instantaneamente. Logo depois as meias de nylon chegaram às vitrines e causaram furor; as tradicionais meias de seda foram deixadas de lado, as mulheres tinham prazer em ostentar a novidade que mostrava até os poros das pernas. Uma sensação! As vitrines mostravam as raridades como se fossem joias preciosas.

O plástico aumentou a família na forma de bacias, baldes, tigelas, pratos e até penicos. Então lançaram a grande novidade: o plástico em forma de tecidos, em peças estampadas. As mulheres não perderam tempo. Fizeram vestidos e desfilavam na esquina da Broadway. Mas logo abandonaram o modismo porque o vento não levantava suas saias e por causa do calor que fazia. Jogaram os vestidos no lixo, para só depois descobrirem que a novidade servia era para fazer cortinas de banheiro. 

Assim se deu a transição da elegante Fortaleza à francesa para a cidade americanizada: uma cidade seduzida por plásticos, pirex, e meias de ”vidro”.


extraído do livro: 
Royal Briar - A Fortaleza dos anos 40, de Marciano Lopes 
fotos IBGE e arquivo Nirez

Nenhum comentário: