domingo, 15 de março de 2015

Tipos Populares: O Pilombeta


José Sales, vulgo Pilombeta foi dentro do panorama incolor da Fortaleza de outros tempos, um dos tipos popularmente conhecidos e apreciados pelos habitantes desta capital, de cujas rodas boêmias era assíduo frequentador.

Praça José de Alencar, 1910 

Natural de Minas Gerais, muito cedo se transplantou para esta cidade, se tornando notável desde logo, em razão de sua altura descomunal, especialmente quando desfilava seus dois metros de altura em meio a multidão da Praça do Ferreira.

Magricela, comprido, bizarro, de braços e mãos tão longos que dançavam ao vento, quando andava o Pilombeta se distinguia pela sua feiura que chegava a assustar as crianças. O rosto grotesco, um nariz enorme, sobre o qual se equilibrava um pince-nez, a boca sensual e mole, sempre com carregando um resto de cigarro. A barba e o bigode sempre por fazer, os cabelos ralos a escorrer pelo rosto pálido. Mal ajambrado um fraque e umas calças surradas cobriam-lhe os ossos pontudos, parecia em seu todo, a sua figura melancólica, com a de D. Quixote de La Mancha. 

Praça do Ferreira, por volta dos anos 20 

Diziam que, além de jogador emérito de xadrez, possuía verdadeira ojeriza a trabalho. Conseguira, em sua terra o titulo de agrimensor, e os fortalezenses seus conhecidos, alarmados com os constantes pedidos de empréstimos, resolveram, numa conspiração, arranjar-lhe um emprego na Estrada de Ferro Baturité, então sob direção de uma companhia inglesa.

Encaminharam-no com uma carta de apresentação ao superintendente, e este logo lhe arranjou uma colocação. Mas Pilombeta, mal acabara de obter o emprego, solicitou uma licença de seis meses. Ali mesmo, foi demitido.

Pianista de méritos discutíveis sabia de cor algumas canções que eram desafinadamente mal tocadas.  Anda assim conseguiu um emprego como pianista do cinema Júlio Pinto, onde podia ser visto todas as noites, durante as exibições das fitas, a dedilhar as músicas da moda que conseguira aprender de ouvido. E os sons fanhosos gemiam dentro da sala calorenta, atordoando os incautos espectadores, que se emocionavam com as românticas fitas europeias.

Rua Rufino de Alencar, 1908

Depois daquele extravasar de sua arte esquisita, saía para os cafés noturnos, em cujas mesas permanecia horas perdidas, a sorver o álcool que lhe envenenava pouco a pouco o organismo débil.Dali saía cambaleante, rua afora, ziguezagueando pelas calçadas, varando a noite em serenatas românticas.

João Brígido, um dos maiores jornalistas da época, míope ao extremo  ao cruzar, certa tarde na rua, com a figura fina e sutil do Pilombeta que o cumprimentara, apenas levantando o chapéu,  emitiu o seguinte comentário: – O Ceará é uma terra extraordinária! Imaginem que até os combustores da iluminação cumprimentam, tirando o chapéu quando a gente passa!

 Rua Major Facundo por volta de 1900

Café do Comércio, 1908 

Por volta do ano de 1916, os pulmões do Pilombeta ante a vida desorganizada e boêmia que levava não puderam resistir. Seus amigos o levaram para o Asilo de Mendicidade, onde pouco tempo depois, terminaram seus dias acidentados de farra, de noites mal dormidas, como esbanjador incorrigível da sua própria existência.
Ao dar entrada naquele estabelecimento de caridade, carregado pelos amigos que se haviam cotizado, Pilombeta teve a seguinte frase de profunda melancolia: eis a casa dos desvalidos da sorte como eu, e feliz daquele que nela encontrar abrigo.

Extraído do livro: Coisas que o Tempo Levou: crônicas históricas da Fortaleza antiga. De Raimundo de Menezes
fotos do arquivo Nirez 

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