segunda-feira, 28 de junho de 2010

A Violência cotidiana na Capitania do Siará

Forte São Sebastião - Fortaleza Gravura do Séc. XVII (foto reprodução)

Em Fevereiro de 1787, o Ouvidor da Capitania do Ceará Manuel Magalhães Pinto e Avelar escreveu uma carta endereçada à soberana portuguesa, D. Maria I (1777-1792).
O conteúdo da correspondência se assemelhava a um relatório sobre as atividades econômicas do Ceará e continha sugestões e queixas sobre a situação da Capitania.
Segundo o Ouvidor havia uma série de características da região e de seus habitantes que contribuíam para o não desenvolvimento da economia: o vicio pela aguardente, a ociosidade, a estupidez inata e a grande quantidade de homens vadios e matadores, que sequer reconheciam a autoridade do Reino.

Anos depois, em 1798, o pároco Joaquim Pereira registrava seu testemunho sobre a seca grande de 1792. O pároco responsabilizava a estiagem e a violência exacerbada pelo êxodo rural e pela alta mortalidade da população.
O cenário descrito pelo padre era de extrema calamidade, onde a seca ameaçava despovoar vastas regiões do sertão da capitania. Segundo as reflexões do padre, a ausência de chuvas redefinia personalidades que se despiam de qualquer solidariedade.
Era o homem em seu estado bruto, engendrado sob o calor escaldante e a dor profunda da fome.

No ano de 1816 o engenheiro real Antonio Paulet, ao descrever a capitania, denunciava uma rotina marcada por assassinatos e vinganças. Procurando explicar a estagnação no desenvolvimento da Ceará, o enviado da corte portuguesa apontava algumas causas para a situação econômica precária do lugar.
Reforçando as impressões do ouvidor, escritas 29 anos antes, o engenheiro apontava a seca, o roubo, a ociosidade e os crimes de morte como os motivos principais do atraso em que se achava a capitania.

A impunidade era explicada por Paulet como um elemento tão comum quanto os assassinatos e tinha dois fatores como causa: o primeiro seria a própria geografia cearense que facilitava a fuga e dispersão dos matadores. O segundo seria a conivência da população com os crimes de morte. A violência era utilizada como um sistema de resolução e negociação de conflitos entre a população. Nesse sentido o papel do poder instituído era secundário.

A violência se constituía num elemento integrante do sertão cearense. Sua presença era tácita e emergia em diferentes circunstâncias do cotidiano, como na nomenclatura de algumas localidades ou fazendas. Tais lugares traziam em suas denominações a lembrança dos assassinatos e das guerras que marcaram sua história.
A Freguesia de Nossa Senhora do Riacho do Sangue ganhara esse nome após uma batalha entre famílias pela posse da terra. Morreram tantas pessoas que o sangue tingiu de vermelho as águas do riacho. O Sitio Bacamarte ficou conhecido por essa denominação depois que seu proprietário, Alexandre Mourão, cansou de perseguir um inimigo, por longo tempo, sem sucesso e resolveu fixar moradia. Saco de Bala era uma região da Serra da Ibiapaba, onde após um confronto, foi encontrado um saco de balas.

Na indumentária dos sertanejos além dos acessórios de couro, as armas integravam o traje do cearense: facas conhecidas como Parnaíbas e Catanas, ou armas de fogo como bacamartes, granadeiras e pistolas. Como era corriqueiro o uso de armas, então se fazia necessário criar mecanismos de proteção contra esse arsenal, que estava sempre a espreita em cada trecho de estrada.

O Rol dos Culpados era um livro onde se registrava o nome dos réus condenados após a abertura da querela e a conclusão do julgamento, isso implicava que, somente os crimes denunciados e condenados figuravam na listagem nominal desse documento.
Entre os anos de 1793-1815 foram registrados no Rol dos Culpados 432 delitos; 178 foram assassinatos, agressões ou porte de armas, ou seja, cerca de 40% dos crimes julgados e condenados estavam diretamente relacionados com tentativas contra a vida.
Fonte:
VIEIRA JR, Antonio Otaviano. Apresentando a Família a partir da Violência. Tramas, tensões e cotidiano no Ceará (1780-1850). Documentos Revista do Arquivo Público do Ceará, V.1. n° 4, semestral. Fortaleza: Arquivo Público do Ceará, 2005.

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