quinta-feira, 9 de julho de 2009

Histórias da Fortaleza Antiga: O Dia dos Mil Mortos

O sanitarista Rodolfo Teófilo, no Morro do Moinho, procedendo á vacinação anti-variolica
 (Arquivo NIREZ)
Fortaleza já vinha de um histórico de períodos de seca e sucessivas epidemias de cólera e febre amarela, que produziram efeitos devastadores na cidade. Mas foi a doença conhecida como varíola, que no final do século XIX assolou Fortaleza e se espalhou por municipios vizinhos, a exemplo de Pacatuba.
A seca de 1877, que se estendeu até 1879, foi uma das mais danosas já enfrentadas no Ceará. Atraiu para a capital da provincia um exército de retirantes, que multiplicou a população local, e veio acompanhada de violenta epidemia de varíola.
A cidade não dispunha de infra-estrutura para atender ao grande contingentes migrantes que se instalaram nas praças e em seus arredores, contribuindo para agravar o desequilibrio entre tamanho da população e disponibilidade de alimentos e serviços básicos.
Os esforços da administração para implementar as medidas recomendadas pelos médicos - limpeza do espaço urbano, higienização, vacinação e organização da população em abarracamentos - não impediram a disseminação da varíola.
A situação sanitária da província preocupava o presidente que além de providenciar a vacinação em larga escala, organizou um serviço de recepção aos emigrantes, que incluía alojamento, assistência médica e construção de abarracamentos nas imediações da cidade.
A varíola chegou a Fortaleza trazida por passageiros de duas embarcações provenientes do Pará. Ao constatar que a doença já atingira 19 pessoas na cidade, a saúde pública determinou que os doentes fossem sequestrados e levados para o lazareto da Lagoa-Funda, nos arredores da cidade, onde já se encontravam isolados os tripulantes dos dois navios.
Enquanto nas provincias vizinhas a epidemia se alastrava, o presidente da província José Júlio de Albuquerque Barros, preocupado com o perigo eminente que rondava o Ceará, renovou as recomendações para a vacinação e para emprego de outros meios preventivos.
No entanto, a população resistia a inoculação, supondo ser esta antes a causa do que a prevenção da doença e a maior parte dos indigentes usava de todos os artificios para impedir ou frustar a vacinação.
A epidemia proliferou rapidamente em Fortaleza: em agosto de 1877 morreram duas pessoas; em setembro, 62; em outubro do mesmo ano, 481. Até novembro todos esses óbitos foram registrados entre os isolados do lazareto da Lagoa-Funda, que mantinha 1884 doentes.
Para atender ao crescente número de infectados, esse lazareto foi ampliado e construidos mais dois, o da Boa Vista e o de São Sebastião, nos Arronches, com capacidade para atender seis mil pessoas.
Apesar de todas as medidas adotadas, a administração não conseguiu impedir o progresso da varíola, e a doença estendeu-se a todas as classes sociais, vitimando até mesmo a esposa do presidente.
A mortalidade continuou aumentando durante todo o ano de 1878 e chegou ao seu limite no dia 10 de dezembro de 1878 quando morreram 1004 pessoas vitimas da varíola, num episódio que ficou conhecido como "o dia dos mil mortos".
Os cadáveres eram empilhados sem qualquer medida de precaução e transportados em carroças por coveiros completamente embriagados. A ingestão de cachaça era uma forma de evitar o mal- estar causado pelo terrivel odor que emanava dos corpos. Muitos ficaram insepultos, não havia tempo nem lugar para enterrá-los.
Naquele ano de 1878, o obituário em Fortaleza registrou 57.780 mortos, a maioria vitimas da varíola. Antes da grande seca, o número de mortos variava entre 651 (em 1870) e 803 (em 1876).
A epidemia de varíola dissipou-se durante o ano de 1879, e o indice de mortalidade na provincia voltou aos seus níveis normais.

fonte
Teorias médicas e gestão urbana: a seca de 1877-79, de Maria Clélia Lustosa da Costa
Rodolfo Teófilo e a luta contra a varíola no Ceará, de Natacha R. Bianchi Reis

Um comentário:

Artesanato em madeira disse...

Muito bom Fátima! Como sempre informação precisa de fácil leitura e com boa fundamentação.
Senti falta da "pitadinha" ácida comum a ses comentários que eu tanto adoro.
Abraços saldosos!

Lunásio
Neto