terça-feira, 16 de outubro de 2012

Os Pregões das Ruas


Rua Rodrigues Júnior (Arquivo Nirez) 

Na Fortaleza da década de 40, quando não existiam os supermercados, os self-services, e as lanchonetes eram raras, a população era atendida em suas necessidades básicas alimentares pelos pregões de rua, uma marca registrada da cidade. Tudo era oferecido de porta em porta, pelos vendedores que começavam sua lida ainda na madrugada. 
Começavam com os padeiros, com suas enormes cestas, colocando os pães em sacos que desde a noite anterior ficavam presos nas portas das casas. Como a população era honesta e ordeira, ninguém mexia neles, mesmo depois de recheados com pães quentinhos e cheirosos.
Quando o dia clareava apareciam os leiteiros, que traziam o produto em grandes vasilhames de metal, transportados em charretes puxadas a burro. 

vasilhames para transporte de leite (acervo IBGE)

Quando a família está à mesa, tomando o café, passavam os jornaleiros. Os jornais oferecidos à época eram a Gazeta, o Unitário, e o Estado. Os exemplares são conduzidos em capas improvisadas, uma espécie de forma onde os jornais foram moldados. São feitas de um papelão especial, duro, que não dobram com facilidade.
Depois o desfile se intensifica. As ruas vão ganhando movimentação com jovens passando para os colégios, donas de casa e empregadas indo se abastecer nas bodegas e mercearias. Com a manhã pela metade, vem o vendedor de carne de porco, toicinho, banha. Ele conduz sua mercadoria, numa espécie de baú vermelho, em cuja tampa tem um quadrado de tela para ventilação. 

 um vendedor de água transportada em um burrico, passa pela Rua Visconde de Saboia

E passam oferecendo seus produtos os verdureiros e vendedores de frutas, que utilizam tabuleiros fechados e com longas pernas que, quando apoiados no chão, funcionam como pequenos balcões. Também em carroças puxadas por burros, passam os vendedores de lenha. O sol começa a esquentar e os aguadeiros vão surgindo. Vem do bairro da Floresta, da Pirocaia e da fonte de Zuca Acioly, no Benfica. Conduzem o precioso líquido em grandes pipas de madeira pintadas de verde, sobre carroças. Em ancoretas,  a água é levada aos potes no interior da casa. 


Quando o almoço já está na mesa, passam as sobremesas: o primeiro é o vendedor de laranja do Piauí, conduzindo sua mercadoria num saco pendurado no ombro. Em seguida vem o vendedor de doce de goiaba, um doce artesanal, acondicionada em rústicas latas. Ambos têm voz possante e meio cantada. E fazem verdadeiro zig-zag de uma calçada para outra, à medida que as portas se abrem e os fregueses os chamam.
Lá pelas 3 horas, quando o pessoal está saindo da sesta, passam de novo os padeiros, oferecendo pães quentinhos para a merenda da tarde. E passam novamente os jornaleiros, dessa vez oferecendo os vespertinos: Correio, O Povo, os dois jornais de maior circulação que rodavam na parte da tarde, e que os jornaleiros gritavam Correi, Pô. Alguns meninos apregoam também “O Democrata”, que tem pouca aceitação porque é um jornal comunista.
E de novo passam os homens do baú vermelho, agora oferecendo fígado, panelada e língua gorda. 

das sacadas das casas as pessoas chamavam os pregões que lhes interessavam (arquivo Nirez)

E as donas de casa correm aflitas para não perderem a chance de adquirirem o gostoso e barato jantar de fígado misturado. Passa o entregador de “O Nordeste” jornal católico, que é todo de assinantes. E a tarde já começa a cair. Quando os oitizeiros já estão projetando sombra nas casas do lado do sol, passa o menino dos pirulitos; e passa a mulher do puxa-puxa, de avental imaculadamente branco, puxando sem parar aquela grossa madeixa amarela. Se parar de puxar, ele açucara, isto é, endurece.
O sol ainda não desapareceu de todo e quem passa agora é o amolador de facas, empurrando sua carrocinha. Seu pregão é apenas “amolador!”... uma das figuras mais impressionantes era o vendedor de azeites. Conduz seus frascos dentro de um caixote com alças, tipo caixa de ferramentas. Não gritava nem cantava, apenas batia uma sineta de bronze com cabo de madeira. Tinha azeites para todos os usos e para todos os fins. 

Depois do jantar e da novela do rádio ouvida na PRE-9, formavam-se as rodas de cadeiras nas amplas calçadas e, enquanto as matronas comentavam sobre o desenrolar da história, passava o vendedor de doce gelado. E passa o vendedor de rolete de cana, a carrocinha iluminada e quentinha do doce japonês, o homem da chegadinha, com aquela enorme lata listrada de verde e branco às costas, batendo o triângulo de ferro para anunciar sua presença.
Quando a noite já vai alta passam as alunas-enfermeiras da Escola São Vicente de Paulo para o plantão na Casa de saúde Dr. Cesar Cals. Impressionam pelas imponentes capas vermelhas com desenho da lâmpada da vida e os chapéus impecavelmente engomados. Amanhã será um novo dia. E começará tudo de novo.  

Extraído do livro de Marciano Lopes
Royal Briar a Fortaleza dos Anos 40

3 comentários:

denise disse...

A fotografia é mágica, tem o poder de congelar momentos único que se transformam em memória viva.

denise disse...

A fotografia é mágica, tem o poder de congelar momentos únicos que depois se transformam em memória viva.

Fátima Garcia disse...

verdade Denise.
abs