A crônica histórica de Fortaleza se iniciou, de maneira mais
precisa, com o filho de inglês Henry Koster, ao escrever o livro Travels in
Brazil, publicado em Londres em 1916 e traduzido por Luís da Câmara Cascudo, em
1942, com o título Viagens ao Nordeste do Brasil. Nascido em Portugal, veio por
motivo de saúde fixar-se no Recife, por sugestão de amigos e da família.
Em 1810, a 3 de novembro, inicia uma viagem maluca – cerca
de 156 léguas a cavalo, em tempo de seca, varando agreste, praia, caatinga, tabuleiro
e sertão, até Fortaleza. Viaja anotando tudo, os homens, as raças, as
paisagens, os animais, a natureza dos terrenos, crianças, tarefas agrícolas,
produtos, indumentárias, ferramentas de trabalho, crenças, usos e costumes.
A Igreja do Rosário é a mais antiga de Fortaleza (construída por escravos em 1730) e foi uma das avistadas por Henry Koster
Koster demorou em Fortaleza de 16 de dezembro de 1810 a 8 de
janeiro de 1811, e consignou no seu diário de viagem, valiosas informações
sobre a capital da Colônia do Siará Grande, à época governada por Luis Barba
Alardo de Menezes (junho de 1808 a março de 1812).
“A Vila de Fortaleza do Ceará – escreve o luso-inglês – é edificada
sobre terra arenosa, em formato quadrangular, com quatro ruas partindo da praça
(Praça do Conselho, hoje Praça da Sé) e mais outra, bem longa, do lado norte
desse quadro, correndo paralelamente, mas sem conexão”.
residência do governador das Armas do Ceará em 1824. Ficava na Praça da Sé na atual Rua Sobral, em frente ao Paço Municipal.
Um
governador das armas constituía cada um dos comandantes territoriais do
Exército Português, entre 1641 e 1836. Cada governador das armas tinha a seu
cargo um governo das armas, sendo responsável pelas tropas estacionadas numa
província
“As casas têm apenas o pavimento térreo e as ruas não
possuem calçamento, mas em algumas
residências, há uma calçadas de tijolos diante. Tem três igrejas, o Palácio
do Governador, a Casa da Câmara e Prisão, Alfândega e Tesouraria. Os moradores
devem ser uns mil e duzentos. A fortaleza de onde a vila recebe a denominação
fica sobre uma colina de areia, próxima às moradas e consiste num baluarte de
areia ou terra, do lado do mar, e uma paliçada enterrada no solo, para o lado
da Vila (somente em 1812, no governo de Manuel Sampaio a fortaleza foi
reconstruída em alvenaria), contém quatro peças de canhão, de vários calibres,
apontadas para muitas direções. Notei que a peça de maior força estava voltada
para a Vila. A que estava montada para o mar não tinha calibre suficiente para
atingir um navio no ancoradouro comum. O armazém da pólvora está noutro ponto e
é visto do porto”.
Casa dos Governadores na Rua dos Mercadores (atual Conde D'Eu). No mesmo local hoje funciona o Centro de Referência do Professor
“Não é muito para compreender-se a razão da preferência dada
a este local. Não há rio nem cais e as
praias são más e de acesso difícil. O porto é exposto e mau. Os ventos são
sempre do sul e do leste. Fossem mais variados, e seria raro um navio chegar à
costa. Os edifícios públicos são pequenos e baixos, mais limpos e caiados, e
perfeitamente adaptados aos fins a que se propõem. Não obstante a má impressão
geral, pela pobreza do solo em que a Vila está situada, confesso ter ela boa
aparência, embora escassamente possa este ser o estado real dessa terra. A
dificuldade de transporte terrestre, particularmente nessa região, a falta dum
porto, as terríveis secas, afastam algumas ousadas esperanças no
desenvolvimento, não tomará grandes impulsos. Os longos créditos que se é
obrigado a conceder aos negócios locais, fecham os cálculos de rápidos
pagamentos como estão habituados os comerciantes ingleses”.
prédio da Tesouraria Provincial em 1842
A capital do Siará Grande, a julgar por essas impressões de
Koster, não passava de uma pobre aldeia, sem melhor vitalidade e sem esperança
de se desenvolver. Pobreza sobre pobreza: sem calçamento, sem iluminação pública,
sem transportes, senão no lombo de cavalos. Naquele areal, nem os carros de
bois podiam trafegar. O viajante francês L.F. Tollenare quase cobriu o roteiro
de Koster, alguns anos mais tarde, em 1817, quando administrava a Colônia do
Siara Grande, o governador Manuel Inácio de Sampaio (março de 1812-janeiro de
1820). A capital cearense é chamada de Cidade do Ceará, e o viajante calcula de
1.000 a 1.200 o número de seus moradores, enfatizando ainda a precariedade do
porto.
prédio da Assembleia Provincial
Essa pobreza da capital do Ceará continuaria por longo
tempo, mesmo depois de promovida à categoria de cidade, por decreto imperial de
17 de março de 1823, as ruas sem pavimentação, às escuras durante à noite,
todos andando à pé, pois não havia ainda qualquer espécie de veículos. As casas
não apresentavam nenhuma estética em suas fachadas e o conforto interno era
quase rudimentar, sem serviço de água e com iluminação mortiça a azeite de
peixe.
Mesmo depois do início do seu povoamento, de se transformar em cidade, a capital do Ceará tinha tudo para não dar certo, conforme previa Koster. Das dificuldades geográficas e naturais que impunha a seus exploradores, ao desinteresse econômico e político por parte da Coroa Portuguesa em relação ao seu território, muitos foram os fatores que fizeram o povoado atravessar mais de três séculos em total ostracismo.
Tanto que, historiadores, cronistas e geógrafos, até hoje não sabem explicar com precisão, o que levou aquele povoado ermo e abandonado à própria sorte - fincado numa planície arenosa, sem grandes potenciais agrícolas, sujeita à secas periódicas, sem baías aportáveis e sem uma foz de rio navegável - se transformar numa das maiores metrópoles do País. Fortaleza tinha tudo para não dar certo. E deu.
Centro de Fortaleza, anos 70
Avenida Barão de Studart (foto Fátima Garcia)
fotos do Arquivo Nirez
fontes:
Fortaleza e a Crônica Histórica, de Raimundo Girão
Revista Fortaleza, fascículo 2, de 13/04/2006
Wikipédia
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