segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A Vida em Fortaleza durante a 2ª. Guerra Mundial


 Cidade de Fortaleza em 1937 (foto de Amélia Earhart)

Quando em 1942, visando amedrontar o governo brasileiro e impedir uma maior aproximação do Brasil com os Estados Unidos, a Alemanha deu início ao afundamento dos navios mercantes nas costas brasileiras, o povo se enfureceu. E a fúria do povo tornou-se incontrolável. 
Foi assim no chamado quebra-quebra acontecido no dia 18 de agosto daquele ano, quando não se sabe como, nasceu um movimento enlouquecido, e a multidão incontrolável passou a depredar tudo o que tivesse qualquer ligação com os países do eixo, ou seja, alemães, italianos e japoneses. 

Os sócios da Loja "A Pernambucana", sequer eram alemães, mas foram confundidos como tal

Lojas como “As Pernambucanas”, a Sapataria Veneza, representações de laboratórios como a Bayer e outros foram destruídos com violência, seguindo-se saques por parte de aproveitadores. Era a explosão do sentimento nacional contra os países agressores, e particularmente, contra a posição indefinida do governo ditatorial de Getúlio Vargas, que continuava neutro, não obstante os atentados contra a nossa soberania.
Havia grande agitação entre os estudantes do Liceu do Ceará, que desafiando a policia estadual, que não admitia qualquer tipo de manifestação popular, realizavam animadas passeatas, saindo da então Praça Fernandes Vieira, atual Gustavo Barroso, e terminavam sempre ao pé da Coluna da Hora, onde exaltados oradores conclamavam o governo a declarar guerra aos países do Eixo. 

Prédio do Liceu na antiga Praça Fernandes Vieira, atual Praça Gustavo Barroso

Foram tempos de muita agitação, com a população inquieta e querendo a imediata declaração de guerra. E esta não tardou. O presidente dos Estados Unidos, Roosevelt, preso à sua cadeira de rodas, veio ao Brasil e manteve um encontro histórico com Vargas, a bordo de um navio da esquadra americana nas águas mansas do Rio Potengi, em Natal (RN). 
Poucos meses depois chegavam os americanos ao Nordeste, em especial a Fortaleza e Natal, onde instalaram suas bases, pontos de apoio fundamentais aos planos estratégicos de assalto aos nazistas, na África e posteriormente na Europa.
O clima belicoso tomou conta dos alunos do velho Liceu. Falava-se inclusive, que nos planos de preparação da tropa brasileira que iria para as frentes de combate, a sede do colégio seria transformada em quartel.
Os Estados Unidos montaram uma agência consular em Fortaleza, funcionando próximo à Praça do Ferreira. O Consulado da Inglaterra, instalado no prédio da Ceará Light, ficava a cargo de Mister Hull, inglês radicado em Fortaleza. 

Prédio da Ceará Tramway Light and Power, onde foi instalado o Consulado Britânico a cargo do Mister Hull

Muita coisa mudou em Fortaleza com a presença dos americanos. Trouxeram novos costumes, e vulgarizou-se o estudo do inglês. Engraxates, garçons, motoristas, recepcionistas aprendiam a comunicar-se com os soldados de Tio Sam, marinheiros e soldados do exército, que estavam por toda cidade. Os cigarros em voga eram  “Camel”, “Chesterfield”, “Lucky-Strike”, e “Pall-Mall”, que os gringos popularizaram entre nós. Tempos do “Xore e gás”, um tipo popular que se aproximou dos americanos e lhes servia de cicerone por todo canto.
O governo americano implantou duas bases aéreas em Fortaleza, a do Pici e a do Cocorote. A cidade realizava exercícios preparatórios contra possíveis ataques aéreos que nunca aconteceram, mas a realidade da guerra ficava próxima dos habitantes nas noites dos chamados blecautes, quando era necessário pregar papéis ou tecidos escuros nas vidraças das residências. 
O povo solidário com a nova situação do país promovia campanhas em prol do esforço de guerra. Surgiram as Pirâmides de Metal, montes de restos de latas, tubos de dentifrícios vazios, talheres imprestáveis, tudo enfim, que pudesse ser aproveitados na fabricação de utensílios, armas e equipamentos para os soldados que iriam em breve, partir para o front. Os jornais, cujas edições eram avidamente disputadas pela população, noticiavam a convocação de jovens da sociedade para servir como oficiais do Exército, entre médicos, dentistas, até advogados. 

 Avião bombardeio B-25, patrulhando os céus de Fortaleza

As patrulhas da PE, tanto do exército Brasileiro como dos Americanos, vasculhavam as ruas da cidade. Temia-se andar à noite e havia toque de recolher. A vida da cidade tranquila, com suas rodas de cadeira nas calçadas, modificou-se bastante. 
Por esse tempo surgiram as filas. O abastecimento ficou difícil, alguns gêneros escasseavam. Para comprar carne, os consumidores acordavam de madrugada e ficavam horas na fila à espera da chegada do açougueiro. A aquisição era limitada a 1 quilo do produto. Havia a fila do açúcar, da farinha, do leite, da gasolina. Foi também quando apareceram os motores a gasogênio, aparelho movido a carvão que acionava os veículos na crise aguda da falta de combustível, inteiramente importado naqueles idos.
Durante a guerra apareceu por aqui, com os soldados e marujos americanos o refrigerante Coca-Cola. Não era fácil obter uma das garrafinhas, mas sempre havia alguém com acesso aos locais dominados pelos gringos para consegui-las.  

Vila Morena, na Praia de Iracema, onde funcionou o USO, clube de oficiais americanos durante a 2a. guerra. Era o reduto das chamadas "Coca-Colas"

Na Praia de Iracema, onde posteriormente se instalaria o restaurante Estoril, funcionava o USO – um clube de oficiais americanos de muita frequência, especialmente feminina. Muitas jovens conterrâneas se encantaram  com o tipo físico dos americanos. Mas a natural ciumeira dos rapazes da terra não as perdoava e as meninas passaram a ser chamadas de “Coca-Colas”. Circulava no Liceu do Ceará, em cópias datilografadas, uma relação com nomes de namoradas de americano, moças faladas, que não serviam para casar. Várias dessas moças acabaram casando com soldados e, ao término da guerra se transferiram para os Estados Unidos. Outras, sem a mesma sorte, enfrentaram valentemente a maledicência provinciana. Por vários anos, entre 1943 e 1946, tropas americanas permaneceram em Fortaleza, e sempre havia desavenças entre ianques e nativos.

Desfile dos "pracinhas" em despedida. Uma multidão foi às ruas no adeus aos rapazes cearenses que partiam para se incorporar à Força Expedicionária brasileira - FEB

No dia 07 de maio de 1945, o Jornal O Povo anunciava em grande manchete o fim da guerra na Europa, publicando a Declaração do Almirante Doenitz, novo chefe do Governo da Alemanha, através do qual notifica a rendição alemã. A guerra continuaria ainda por algum tempo no Pacífico. Veio a bomba atômica e a destruição de Hiroshima e Nagasaki, então o Japão também se rendeu. 
E dos escombros da terrível hecatombe, surgiu um novo mundo.

extraído do livro de Blanchard Girão
O Liceu e o Bonde na paisagem sentimental da Fortaleza-Província
fotos do Arquivo Nirez


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