Cidade de Fortaleza em 1937 (foto de Amélia Earhart)
Foi assim no chamado
quebra-quebra acontecido no dia 18 de agosto daquele ano, quando não se sabe
como, nasceu um movimento enlouquecido, e a multidão incontrolável passou a
depredar tudo o que tivesse qualquer ligação com os países do eixo, ou seja,
alemães, italianos e japoneses.
Os sócios da Loja "A Pernambucana", sequer eram alemães, mas foram confundidos como tal
Lojas como “As Pernambucanas”, a Sapataria Veneza, representações de laboratórios como a Bayer e outros foram destruídos com violência, seguindo-se saques por parte de aproveitadores. Era a explosão do sentimento nacional contra os países agressores, e particularmente, contra a posição indefinida do governo ditatorial de Getúlio Vargas, que continuava neutro, não obstante os atentados contra a nossa soberania.
Havia grande agitação entre os estudantes do Liceu do Ceará,
que desafiando a policia estadual, que não admitia qualquer tipo de manifestação
popular, realizavam animadas passeatas, saindo da então Praça Fernandes Vieira,
atual Gustavo Barroso, e terminavam sempre ao pé da Coluna da Hora, onde exaltados
oradores conclamavam o governo a declarar guerra aos países do Eixo.
Prédio do Liceu na antiga Praça Fernandes Vieira, atual Praça Gustavo Barroso
Foram tempos de muita agitação, com a
população inquieta e querendo a imediata declaração de guerra. E esta não
tardou. O presidente dos Estados Unidos, Roosevelt, preso à sua cadeira de
rodas, veio ao Brasil e manteve um encontro histórico com Vargas, a bordo de um
navio da esquadra americana nas águas mansas do Rio Potengi, em Natal
(RN).
Poucos meses depois chegavam os americanos ao Nordeste, em
especial a Fortaleza e Natal, onde instalaram suas bases, pontos de apoio
fundamentais aos planos estratégicos de assalto aos nazistas, na África e
posteriormente na Europa.
O clima belicoso tomou conta dos alunos do velho Liceu.
Falava-se inclusive, que nos planos de preparação da tropa brasileira que iria
para as frentes de combate, a sede do colégio seria transformada em quartel.
Os Estados Unidos montaram uma agência consular em
Fortaleza, funcionando próximo à Praça do Ferreira. O Consulado da Inglaterra,
instalado no prédio da Ceará Light, ficava a cargo de Mister Hull, inglês
radicado em Fortaleza.
Prédio da Ceará Tramway Light and Power, onde foi instalado o Consulado Britânico a cargo do Mister Hull
Muita coisa mudou em Fortaleza com a presença dos
americanos. Trouxeram novos costumes, e vulgarizou-se o estudo do inglês.
Engraxates, garçons, motoristas, recepcionistas aprendiam a comunicar-se com os
soldados de Tio Sam, marinheiros e soldados do exército, que estavam por toda
cidade. Os cigarros em voga eram
“Camel”, “Chesterfield”, “Lucky-Strike”, e “Pall-Mall”, que os gringos
popularizaram entre nós. Tempos do “Xore e gás”, um tipo popular que se
aproximou dos americanos e lhes servia de cicerone por todo canto.
O governo americano implantou duas bases aéreas em
Fortaleza, a do Pici e a do Cocorote. A cidade realizava exercícios
preparatórios contra possíveis ataques aéreos que nunca aconteceram, mas a
realidade da guerra ficava próxima dos habitantes nas noites dos chamados
blecautes, quando era necessário pregar papéis ou tecidos escuros nas vidraças
das residências.
O povo solidário com a nova situação do país promovia
campanhas em prol do esforço de guerra. Surgiram as Pirâmides de Metal, montes
de restos de latas, tubos de dentifrícios vazios, talheres imprestáveis, tudo
enfim, que pudesse ser aproveitados na fabricação de utensílios, armas e
equipamentos para os soldados que iriam em breve, partir para o front. Os
jornais, cujas edições eram avidamente disputadas pela população, noticiavam a
convocação de jovens da sociedade para servir como oficiais do Exército, entre
médicos, dentistas, até advogados.
Avião bombardeio B-25, patrulhando os céus de Fortaleza
As patrulhas da PE, tanto do exército Brasileiro como dos
Americanos, vasculhavam as ruas da cidade. Temia-se andar à noite e havia toque
de recolher. A vida da cidade tranquila, com suas rodas de cadeira nas
calçadas, modificou-se bastante.
Por esse tempo surgiram as filas. O abastecimento
ficou difícil, alguns gêneros escasseavam. Para comprar carne, os consumidores acordavam
de madrugada e ficavam horas na fila à espera da chegada do açougueiro. A
aquisição era limitada a 1 quilo do produto. Havia a fila do açúcar, da farinha,
do leite, da gasolina. Foi também quando apareceram os motores a gasogênio,
aparelho movido a carvão que acionava os veículos na crise aguda da falta de
combustível, inteiramente importado naqueles idos.
Durante a guerra apareceu por aqui, com os soldados e
marujos americanos o refrigerante Coca-Cola. Não era fácil obter uma das
garrafinhas, mas sempre havia alguém com acesso aos locais dominados pelos
gringos para consegui-las.
Vila Morena, na Praia de Iracema, onde funcionou o USO, clube de oficiais americanos durante a 2a. guerra. Era o reduto das chamadas "Coca-Colas"
Na Praia de
Iracema, onde posteriormente se instalaria o restaurante Estoril, funcionava o
USO – um clube de oficiais americanos de muita frequência, especialmente
feminina. Muitas jovens conterrâneas se encantaram com o tipo físico dos americanos. Mas a
natural ciumeira dos rapazes da terra não as perdoava e as meninas passaram a
ser chamadas de “Coca-Colas”. Circulava no Liceu do Ceará, em cópias
datilografadas, uma relação com nomes de namoradas de americano, moças faladas, que
não serviam para casar. Várias dessas moças acabaram casando com soldados e, ao
término da guerra se transferiram para os Estados Unidos. Outras, sem a mesma
sorte, enfrentaram valentemente a maledicência provinciana. Por vários anos,
entre 1943 e 1946, tropas americanas permaneceram em Fortaleza, e sempre havia
desavenças entre ianques e nativos.
Desfile dos "pracinhas" em despedida. Uma multidão foi às ruas no adeus aos rapazes cearenses que partiam para se incorporar à Força Expedicionária brasileira - FEB
No dia 07 de maio de 1945, o Jornal O Povo anunciava em
grande manchete o fim da guerra na Europa, publicando a Declaração do Almirante
Doenitz, novo chefe do Governo da Alemanha, através do qual notifica a rendição
alemã. A guerra continuaria ainda por algum tempo no Pacífico. Veio a bomba
atômica e a destruição de Hiroshima e Nagasaki, então o Japão também se rendeu.
E dos escombros da terrível hecatombe, surgiu um novo mundo.
extraído do livro de Blanchard Girão
O Liceu e o Bonde na paisagem sentimental da Fortaleza-Província
fotos do Arquivo Nirez
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