quinta-feira, 19 de julho de 2012

Os Bairros dos Ricos e os Impasses Urbanos

No inicio dos anos 1950 a Aldeota começava a se consolidar como espaço da burguesia, que exercia a sua hegemonia nos diferentes setores da vida urbana. A cidade passou a se guiar pelo modo de vida oriundo da cultura das elites, que exerciam um controle sobre a vida urbana.
Os bairros elegantes ainda eram Jacarecanga e Benfica. O primeiro, até os anos quarenta era conhecido como o mais aristocrático. O palacete de José Gentil no Benfica rivalizava em ostentação com o da família de Pedro Philomeno Gomes, no Jacarecanga, onde havia casas copiadas de modelos europeus.


Residência de José Gentil, no Benfica. Ampliado, atualmente o prédio é ocupado pela Reitoria da Universidade Federal do Ceará.

Foi nesse período que a Aldeota começou a crescer, mas limitava-se ao final da linha dos bondes, entre as ruas Silva Paulet e Jose Vilar. Havia o castelo do Plácido de Carvalho, comerciante que, para homenagear a mulher de origem italiana, mandara construir a residência nos moldes de um castelo florentino.  Em 1954 o edifício chegou a ser objeto de debates na Câmara Municipal, em razão de um requerimento do vereador Pedro Paulo, que solicitava ao Governo do Estado que adquirisse o palacete da viúva de Plácido de Carvalho, a fim de transformá-lo em residência governamental com a denominação de Palacete Verdes Mares. O requerimento foi rejeitado pela câmara.


Palácio do Plácido, que foi objeto de um projeto para a compra pelo Governo do Estado, quando receberia a denominação de Palacete Verdes Mares. O projeto foi recusado, e o palácio acabou demolido alguns anos mais tarde, em 1974. 

O bairro mais distante era São Gerardo, antigo Alagadiço, Messejana, Parangaba e Antônio Bezerra ainda se apresentavam com aspectos de cidades interioranas. O plano de Fortaleza, de 1952, de autoria do engenheiro Saboia Ribeiro, lesava o interesse dominante relativo à preservação dos prédios localizados no centro da cidade, que seriam atingidos pelo projeto. Por isso seus partidários eram poucos, sendo a polemica sobre o plano orientada por uma comissão presidida pelo prefeito e composto, em sua maioria, por componentes de várias entidades públicas e particulares.
Aprovado pela Câmara Municipal em 1952, juntamente com o Código de Obras da Prefeitura, não constava do projeto a regulamentação relativa aos recursos que seriam utilizados para alargar algumas ruas do centro, pois ficariam a cargo de uma comissão responsável. Desse modo, o plano foi alterado com a aprovação do novo código. Os recuos previstos nas ruas centrais foram rejeitados para não contrariar interesses dos proprietários da zona comercial. O argumento usado pelos defensores da preservação da área central foi a precária condição financeira do município, que impediu a concretização do projeto. Consequentemente, a Rua General Sampaio não foi alargada, o que facilitaria o fluxo urbano. O alargamento só foi permitido no sentido norte-sul. As ruas que corriam de leste a oeste, como Liberato Barroso, Senador Alencar e João Moreira poderiam ser alargadas. 


Cruzamento da Rua Liberato Barroso com a Rua Barão do Rio Branco (década de 50)

O acesso à Praça do Ferreira continuou a ser feito por meio de ruas estreitas, para não onerar o município, menos beneficiado do que os interesses imobiliários privados. O plano fora considerado inviável porque indicava o alargamento de diversas avenidas, como a Dom Manuel, a Duque de Caxias e a Avenida Imperador. Edifícios como o Jangada e o Sul América seriam atingidos, além da área dos cines São Luiz, Diogo e do próprio Hotel Excelsior que seriam destruídos. 


cruzamento da Rua Barão do Rio Branco com a Guilherme Rocha

Ante a pressão da elite, o próprio Dr. Saboia Ribeiro concordou que as ruas centrais permanecessem em seu estado original, mas que o número de andares dos edifícios ficasse limitado a dois. Apesar do predomínio de edifícios comerciais, ainda havia residências no centro, ocupadas por pessoas de classe média, a maior parte, imóveis recebidos por meio de heranças. Em sua maioria eram casas conjugadas, com instalações nem sempre atualizadas.  A escritora Rachel de Queiroz certa feita impressionou-se coma má administração e o desleixo na recuperação dos prédios em Fortaleza. Até mesmo alguns  que tinham sido atingidos por incêndios, apesar de localizados na área central, não eram reconstruídos de imediato. Só na Rua Major Facundo havia três, na Floriano Peixoto também tinha uma casa, incendiada desde a 2ª. Guerra. Na própria Praça do Ferreira o espaço outrora ocupado pelo armazém Pan-America, permanecia interditado.


Rua Gonçalves Ledo

Quando a Aldeota ainda não se tornara o bairro mais valorizado de Fortaleza, diversas famílias de melhores posses residiam na Praia de Iracema. Em decorrência do projeto de construção da futura avenida que ligava a Praia de Iracema ao Mucuripe, onde o porto estava sendo concluído, fora feito um levantamento topográfico da área litorânea em janeiro de 1945, partindo do entroncamento da igreja de São Pedro, até o porto. 


construção da avenida Beira-Mar

Previa-se no plano, o alargamento de terrenos situados a cem metros à direita da linha férrea. Pretendia-se assim, que a antiga sede do Náutico Atlético cearense, a conhecida Casa de Recreio do “Sr. Johnson” e outros edifícios residenciais importantes fossem desapropriados. Os proprietários de áreas valorizadas defendiam a instalação do porto, desde que não afetasse seus interesses.


casas residenciais na Praia de Iracema (foto do livro Ah, Fortaleza!)

Casas destruídas pela força das marés na Rua Pacajus. O hotel Pacajus , na mesma via, também foi afetado 

Muitas das residências da Praia de Iracema foram abandonadas ou destruídas, principalmente pelo avanço das marés, em decorrência das obras de construção do porto. O impulso das ondas passou a interromper o trânsito na Praia de Iracema. Estimava-se que uns duzentos metros de extensão de praia iam sendo atingidos pelas marés. As águas chegaram a atingir os trilhos dos bondes, avançando até as casa localizadas no outro lado da rua. O conhecido Hotel Pacajus, que abrigava até cinquenta hóspedes, ia perdendo a clientela ante a ameaça de desabamento do prédio.
A obra de implantação do porto e a consequente destruição da Praia de Iracema testemunhavam a contradição entre as medidas voltadas às melhorias urbanas, a cargo das autoridades locais, e os resultados concretos obtidos. A  viabilização de melhor escoamento da produção por via marítima traria benefícios à economia local, mas o preço pago pelo progresso foi a destruição da beleza natural da Praia de Iracema, inviabilizando a permanência dos que ali residiam. 


Avenida Santos Dumont cruzamento com a Avenida Barão de Studart

Compreende-se desse modo, o motivo da valorização da Aldeota como novo polo citadino. Contudo, a transferência para o futuro bairro da elite não se fez de forma súbita, pois apesar do avanço do mar em 1952, ainda surgiam novas casas na Praia de Iracema. Interessante é que o ano de seca, 1951, parece ter contribuído para o aumento do índice de edificações em Fortaleza. Com a mão-de-obra mais barata e o crescente aumento dos preços dos aluguéis incentivou a construção. Calcula-se em oitenta milhões de cruzeiros a quantia gasta em construções no ano de 1951. 
Dois anos depois já se dizia que a Praia de Iracema não mais existia. Restavam apenas alguns trechos do antigo local pitoresco da cidade.



fotos do Arquivo Nirez
Extraído do livro
Verso e reverso do perfil urbano de Fortaleza, de
Gisafran Nazareno Mota Jucá
    

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