domingo, 29 de julho de 2012

A Presença Britânica no Ceará

Rua Floriano peixoto, trecho Praça do Ferreira

Nas primeiras décadas do século XIX a Província do Ceará se mantém integrada à Corte, às demais províncias brasileiras e aos países estrangeiros mais importantes, por contínuo fluxo de embarcações que ainda enfrentavam corsários e riscos de naufrágio na costa nordestina. Alguns ilustres visitantes aqui estiveram motivados por objetivos de ordem científica, comercial, religiosa, artística, e militar, a exemplo de Lord Thomas Cochrane, que em 1824, em dezesseis dias de permanência, assegurou a conformação da Província ao Imperador D. Pedro II e assistiu ao juramento de obediência e fidelidade prestada pelos habitantes de Fortaleza.
Súditos ingleses já ocupavam espaços de comércio em Fortaleza, estabelecendo as primeiras organizações que atuariam voltadas para o mercado internacional. O pioneiro foi o irlandês William Wara, em 1811, seguido de Robert Singlehurst, John William Studart, Henry Ellery, Alfred Harvey, Richard P. Hugges, John Foster, Charley Hardy e outros.
Na segunda metade do século XIX acentua-se a tendência da província pelas relações com as potências europeias, com claro predomínio da Grã-Bretanha que estabelece relações comerciais e viabiliza o suprimento de capitais e competência tecnológica. De um lado, há a facilitação dos processos através de súditos europeus já migrados para a província, e de outro, a disponibilidade de recursos para investimento do capitalismo internacional se expande a partir de 1850. Em 1862, de 277 estabelecimentos comerciais existentes em Fortaleza, 76 eram de estrangeiros.
Por essa época, a Grã-Bretanha já estabelecera o domínio da navegação comercial com a província do Ceará, através de linhas ligando o Porto de Liverpool e outros portos ingleses à cidade de Fortaleza, com rotas que seguiam ao norte até New Orleans e New York. Empresas como a Liverpool Northern Brazil Steamers (depois Booth Company) e a Red Cross Line of Mail Steamers consolidaram essa rota que transportava o algodão e outros produtos primários cearenses e abasteciam o mercado local de produtos britânicos. A aceitação dessa presença é verificável  na denominação de lojas locais da época com Casa Manchester, Túnel de Londres, Ship Chandler, Casa Reeckelk.


Trabalho de perfuração de poços, para obtenção de água potável, no bairro do Benfica(imagem do blog ibamendes)

Os investimentos britânicos eram voltados para os setores de produção, comércio e intermediação financeira, mas também com forte interesse na infraestrutura de serviços públicos. A essas áreas agrega-se a partir da última década do século XIX, a geração e distribuição de energia elétrica, com investimentos diretos ou por associação aos grupos financeiros do Canadá e dos Estados Unidos da América, nos mercados onde esses países já mantinham controle.
A presença britânica no Ceará, no campo dos serviços públicos, tem início em 1862, quando era concedido ao cidadão  José Paulino Hoonholtz o privilégio de explorar o abastecimento e a comercialização de água em Fortaleza por um período de 50 anos. O texto legal assegurava o direito de exclusividade, obrigando-se o contratante a canalizar a água do sítio no Benfica para a cidade, e a construir quatro chafarizes. O governo por sua vez, fecharia todas as cacimbas públicas de água potável existentes na cidade. 


água potável de maior aceitação pela população era proveniente da fonte de Zuca Acioli, retirada de um grande poço localizado na Rua marechal Deodoro, antiga Rua da Cachorra Magra  

Logo depois, em 1863, Hoonholtz propõe a transferência dos seus direitos para uma firma constituída e sediada em Londres para esse fim – a Ceará Water Company Limited. Mas a ideia não se materializa facilmente. As obras somente são iniciadas em janeiro de 1865, enquanto novos decretos são publicados, prorrogando o prazo por mais 10 anos; isentando de impostos a importação de equipamentos    necessários à execução da obra, e autorizando o funcionamento da companhia inglesa no Ceará. O tempo de vida da empresa seria encurtado pela seca que se abateu sobre o Estado em 1877, causa do desaparecimento da água nos reservatórios de Benfica e ainda dos problemas financeiros dos investidores ingleses. Ausentes do país os seus dirigentes, sem nenhum representante oficial na província, infrutíferos seriam os esforços do vice-cônsul inglês John William Chambly Studart para salvar a Ceará Water da decisão governamental  de sequestrar as propriedades e bens da empresa como forma de obter recursos para pagamento de dívidas acumuladas.


A Ponte dos Ingleses foi construída para servir de porto em substituição a Ponte Metálica, mas as obras foram suspensas no governo do presidente Artur Bernardes. A Ponte dos Ingleses nunca funcionou como porto de Fortaleza.   

Outros empreendimentos britânicos ocorrem em Fortaleza priorizando os serviços públicos essenciais. Em 1865, a empresa Ceará Gas Company Limited, com sede em Londres, assume, por 59 anos, os serviços de iluminação pública a gás carbônico. Também foi entregue aos ingleses a construção do porto de Fortaleza. No ano de 1886 é contratada a firma Ceará Harbour Corporation Limited, associação de capitalistas de Londres, a qual fora concedido pelo governo imperial a missão de construir o porto e o direito de usufruir as rendas de sua operacionalização pelo prazo de 33 anos. Depois, em 1892, o prazo de conclusão é prorrogado e concedidas garantias de juros por 25 anos.
Em 1910 é autorizado o arrendamento da Estrada de ferro Baturité pela South América Railway Construction Company Ltd, sociedade inglesa que teve a concessão rescindida por descumprimento de termos contratuais. Nessa época vem ao Ceará o engenheiro Francis Reginald Hull, exemplo dentre os estrangeiros que se integraram à vida Local. 


Casa de Mr. Hull na Avenida Monsenhor Tabosa, antigo bairro da Prainha

Quatro vezes Mr. Hull desenvolveu atividades profissionais no Brasil: de 1892 a 1893, na São Paulo Railway; novamente na ferrovia paulista, de 1895 a 1900; em 1913, como superintendente geral da Brasil North Eastern Railway, no Ceará; em 1921 como superintendente da The State of Bahia South Western Railway Co. Ltd e a partir de 1933, em Fortaleza, como vice-cônsul da Inglaterra e diretor local da The Ceará Tramway Light and Power Co. Ltd.


Usina da Ceará Light no Passeio Público, à esquerda, o Gasômetro

Finalmente na série de investidas de grupos ingleses no Ceará, em 1911, mais uma empresa é constituída em Londres para  explorar serviços públicos. A Ceará Tramway Light and Power Co. Ltd, que começou a atuar em Fortaleza em 1913, com o fornecimento de energia elétrica para consumo residencial, suprimento para fins comerciais e industriais e o serviço de transporte urbano, com bondes elétricos.  Em 1934, com o fechamento da concorrente Ceará Gas, assume os serviços de iluminação pública. Esta seria a mais importante e a última das empresas oriundas da Grã-Bretanha, concessionárias de serviços públicos na capital cearense.


fotos do Arquivo Nirez 
Extraído do livro de Ary Bezerra Leite
História da Energia no Ceará
         

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