terça-feira, 14 de maio de 2013

Em Nome da Moral e dos Bons Costumes

Rua Barão do Rio Branco, a antiga Rua Formosa

Na década de 1940, as pensões alegres situavam-se no centro da cidade, de preferência no andar superior de velhos casarões, vizinhos ou próximos a casas comerciais. A polícia realizava rondas frequentes nas ruas mais procuradas pelos boêmios. 
Para os de mais recursos, havia os motéis ambulantes  com os carros de praça, os automóveis dos postos Mazine, Vitória, Nove e Pará, da Praça do Ferreira.  Mediante pagamento de uma boa gorjeta, os motoristas levavam os casais à Praia do Futuro, então sem asfalto e sem risco de assalto. Ficavam fumando, sentados numa pedra, num monte de areia contando as estrelas no céu, enquanto o banco traseiro do carro servia de quarto de motel. Era incômodo, as moças ficavam “faladas”, mas ninguém deixava de namorar por causa disso.  A polícia agia com frequência no contraditório combate à prostituição, que não podia nem seria compensador extinguir.
Além do mais “a caça” era dirigida aos desregrados, aos alcoólatras, e às mulheres tuberculosas. Na Coréia, um dos bairros miseráveis localizados na Volta da Jurema, situavam-se vários cabarés,  um deles, chamado de ”coaça”, estava localizado bem próximo aos grandes clubes e a belas residências. Ali na Coréia, em casas toscas habitavam mundanas, maconheiros, ladrões e criminosos “procurados”. 

 a desaparecida Rua Franco Rabelo, zona de prostituição no Arraial Moura Brasil

Em outros bairros da periferia, aumentavam as reclamações contra os prostibulos. Em Porangabuçu e no Campo do Pio também residiam mulheres suspeitas, que costumavam ser apanhadas por rapazes em automóveis, muitas vezes dirigindo embriagados. O Arraial Moura Brasil representava uma das zonas perigosas, bem próximo ao centro, onde crianças e adolescentes conviviam com prostitutas.  Calculava-se em cerca de 800 prostitutas  no bairro, também conhecidas como as 'mulheres do curral", onde a água escorria pelo calçamento e poucos casebres dispunham de sanitários. 
Nas proximidades do Estádio Presidente Vargas, na Rua Marechal Deodoro, as casas suspeitas animavam as noitadas de pândega, gerando protestos contra a gritaria e a bebedeiras, com as mulheres em trajes inadequados. No Cercado Zé Padre, nas ruas desertas e escuras, também se encontravam mocinhas prostituídas.  

 Carro de Polícia, chamado popularmente de "Madalena"
Em 1947 anunciou-se uma medida saneadora. O secretário de Polícia comprometeu-se a sanear moralmente o trecho central da cidade que servia de zona livre. A intenção de transferir a prostituição para locais distantes do Centro, apesar de ser prioritária, foi sendo protelada pelas circunstâncias problemáticas que envolviam diferentes opiniões e ameaçavam uma segura fonte de renda para seus agenciadores.  Na surdina, as autoridades policiais tinham um pacto com o meretrício. Enquanto isso, em quarteirões inteiros das ruas do Centro, como a Barão do Rio Branco, Major Facundo,  Sena Madureira, Pessoa Anta e na vizinhança dos clubes elegantes, pontilhavam as alegres pensões.


Rua Floriano Peixoto, início do século XX
 
Até as tradicionais retratas, que anteriormente representavam um dos principais meios de animação popular, realizadas em praça pública, iam perdendo seu significado, pois afetavam os interesses e a tradição das "boas famílias". Em 1948 tentou-se reativar as retretas do Passeio Público, mas as recatadas senhoras sentiam-se inseguras na outrora concorrida praça, em razão da vizinhança de cabarés e casas suspeitas.   
Até mesmo as casas populares mantidas pela Legião Brasileira de Assistência (LBA) eram denunciadas por serem  utilizadas por meretrizes que recebiam proteção de pessoas de recursos. A resposta da LBA aos ataques agravou a situação, decidindo vender as casas e lançando diversas famílias ao desabrigo.  A Delegacia de Ordem Política e Social organizou uma campanha contra o meretrício, mas o próprio jornal defensor da medida em defesa da moral pública (O Nordeste), reconhecia os exageros cometidos.

 Nas proximidades do velho farol do Mucuripe, instalou-se uma das principais zonas de prostituição de Fortaleza (foto do blog)

Em 1952, na zona portuária do Mucuripe cerca de 600 mulheres foram ameaçadas de despejo pela Secretaria de Polícia, pois algumas famílias exigiam a transferência dos prostíbulos pra outros locais. 
A decantada defesa da moral pública, o combate à prostituição e malandragem criou um clima de medo constante nos bairros pobres. O “regime da lata”, ou seja, o trabalho gratuito e forçado dos presos em obras públicas foi uma imposição do secretário de Segurança Cordeiro Neto, que ganhou prestígio e foi eleito prefeito da cidade. 

 Rua Major Facundo, início do século XX

Conta-se que certa vez a Polícia recolheu alguns homossexuais que vadiavam pelas ruas de Fortaleza e os condenou ao “regime da lata”. Eles passaram pela Praça do Ferreira, num caminhão da polícia, rumo à tarefa que lhes fora imposta. Na Praça do Ferreira, naturalmente, levaram a maior vaia. Um dos presos, um negro alto, forte e largo como um armário, que destoava no meio dos rapazes, reagiu às vaias distribuindo “bananas” e explicando com orgulho: Não sou veado, eu sou é ladrão.


fotos do Arquivo Nirez
Extraído do texto de Gisafran Nazareno Mota Jucá
Fortaleza, cultura e lazer (1945-1960)
Publicado no livro Uma Nova História do Ceará. 

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