quinta-feira, 16 de maio de 2013

Modernização e Adversidade Climática


Casa residencial na Avenida Visconde de Cauípe
Os anseios por modernização em Fortaleza começaram a se materializar ainda no final do século XIX.  A partir das décadas de 60 e 70 o perfil da cidade começa a sofrer alterações. Na década de 60 surgem o Lazareto da lagoa Funda e a Santa Casa de Misericórdia, para zelarem pela saúde pública, pois como ressaltava o saber médico social da época, sem homens sadios para o trabalho, não haveria produção de riquezas nem progresso.

  A Santa Casa foi inaugurada a princípio com 80 leitos e tinha como mantenedora a Irmandade Beneficente da Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza. O Dr. Joaquim Antônio Ribeiro foi o primeiro médico nomeado para trabalhar na Santa Casa, em 12 março de 1861.
 
Na década seguinte, em 1870, a remodelação prosseguia com a instalação da ferrovia para Baturité, a construção de um novo cemitério, a criação da Academia Francesa, a iluminação a gás e o plano urbanístico de Adolfo Herbster.

A inauguração da Estrada de Ferro Baturité, em 1873, agilizando o transporte do algodão e de pessoas para a cidade, consolidou a hegemonia econômica de Fortaleza. Estreitando a distância e a dependência do interior com a capital, o trem, um dos principais produtos do avanço tecnológico do século XIX, reforçou mais ainda os resultados positivos dos efeitos sociais do progresso.

A Estação Central da Estrada de Ferro de Baturité foi inaugurada no dia 30 de novembro de 1873 e no dia 9 de junho de 1880, ela seria reinaugurada depois de passar por alterações definitivas

A edificação de um novo cemitério – o São João Batista, em 1872 – em local mais afastado (Jacarecanga), justificou-se pela pressão médica de suprimir a necrópole anterior, o São Casimiro, que comprometia o estado sanitário urbano por achar-se muito próximo (na Praça da Estação) do perímetro central, além de ter sepultado vítimas da epidemia de cólera, ocorrida entre 1862 e 1864. Pouco depois seria a vez de alcoólatras, loucos e meretrizes, acusados de potencialmente perigosos á saúde e à segurança pública, serem também confinados fora da região central.
  
 Capela do cemitério São João Batista ainda em construção
O novo cemitério logo seria povoado com exuberantes sepulturas em estilo gótico e refinadas esculturas importadas de anjos e figuras melancólicas. Nesse sentido o São João Batista revela tanto a imponência da arte cemiterial da época, como o poderio dos setores dominantes.  Também na cidade dos vivos, essa consagração econômica evidenciava-se através do surgimento de suntuosos sobrados e palacetes. Ostentando estilos em voga na Europa, estas novas construções tomavam o lugar do casario modesto, desenhando um novo rosto para a cidade. 
A iluminação a gás carbônico, por sua vez, substituindo a de azeite de peixe, deu mais vida e sociabilidade às noites fortalezenses, fazendo com que a população fosse dormir mais tarde. Por motivos de economia, por algum tempo estabeleceu-se o costume de não acender os lampiões em noite de lua cheia.

 Avenida Alberto Nepomuceno

A cidade se expandia visivelmente. Para disciplinar seu crescimento espacial foi contratado pelo governo cearense o engenheiro Adolfo Herbster, que em 1875 elaborou a “Planta Topográfica de Fortaleza e Subúrbios”. Atualizando o sistema de traçado urbano na forma de xadrez esboçado por Silva Paulet em 1818, o plano urbanístico de Herbster estendia o alinhamento das ruas até os subúrbios, corrigindo becos e vias sinuosas; esse traçado retilíneo agilizava o fluxo de pedestres, veículos e mercadorias. Ao deixar a capital mais aberta e transparente, o plano dificultava possíveis ocorrências de revoltas e distúrbios, facilitando o controle dos poderes públicos sobre a cidade.

 Avenida Dom Manuel, antigo boulevard da Conceição

O plano de Herbster incluiu ainda a abertura de três avenidas (as atuais avenidas do Imperador, Duque de Caxias e Dom Manuel), circundando o perímetro central;  o engenheiro projetou ainda um conjunto de obras públicas, entre as quais o edifício que iria sediar a  Assembleia Provincial, em 1871, em estilo neoclássico. 

 edifício da Assembleia Provincial, onde funciona atualmente o Museu do Ceará
A devastadora seca de 1877-1879 interrompeu temporariamente esse fluxo modernizador que se instaurava na cidade. Além de desestabilizar a economia cearense e provocar intenso êxodo rural  para a capital, a longa estiagem possibilitou a propagação de uma fulminante epidemia de varíola, vitimando mais da metade dos 100 mil retirantes amontoados em abarracamentos providenciados pelo governo na periferia de Fortaleza. 

 retirantes da seca de 1877 (foto do google)
Ao longo desses três anos, com a capital assistindo ao féretro diário de centenas de mortos, a cidade tomou-se de pavor e pesar, não existindo clima para que grandes obras ou novidades fossem patrocinadas.
Tinha Fortaleza o aspecto de sombria desolação. A tristeza e o luto entravam em todos os lares. O comércio completamente paralisado dava às ruas a feição de uma terra abandonada.
A cidade não estava preparada para tamanha calamidade. O Lazareto da Lagoa Funda, edificado em 1856 para confinar doentes contagiosos, só dispunha de 300 leitos e os acometidos pela varíola eram milhares. 

O auge daquele teatro de horrores foi o dia 10 de dezembro de 1878, quando o cemitério do Lazareto recebeu 1004 vitimas da epidemia, ficando por muito tempo na memória da cidade como “O Dia dos Mil Mortos”. O medo alastrou-se no seio da população nativa, sobretudo quando a varíola vitimou a esposa do presidente da província. A partir desse fato ninguém mais se considerou a salvo, mesmo na área urbana mais protegida.
O repulsivo e perigoso trabalho de transportar os cadáveres dos abarracamentos até o cemitério do Lazareto, só encontrou aceitação entre aqueles que compunham o crescente contingente de miseráveis produzidos pelo crescimento econômico excludente. Afora a diária de mil réis e comida, os voluntários exigiram também o fornecimento de aguardente para poderem encarar semelhante tarefa.


extraído do artigo de Sebastião Rogério Ponte
A Belle Epoque em Fortaleza: remodelação e controle
publicado no livro  Uma Nova História do Ceará 
fotos do arquivo Nirez

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