sábado, 18 de maio de 2013

Os Bondes e o Passeio Público

Rua Major Facundo, início do século XX

Três anos após ficar paralisada, acuada e enlutada pela peste negra da epidemia de varíola, Fortaleza ressurge nos anos seguintes, década de 1880, repleta de impactantes novidades, retomando com renovada energia o ritmo de seu processo de modernização. Tão logo a seca e a varíola encerraram seu ciclo de devastação em 1879, de pronto no ano seguinte, a população pode tirar o luto, voltar a sorrir, e a passear por dois presentes que a cidade recebeu e que  causaram sensação: os bondes e o Passeio Público.  Inaugurados em 1880, os novos equipamentos reorientaram os usos e costumes nos espaços públicos.

Os primeiros bondes puxados por burros surgiram em Fortaleza no dia 25 de abril de 1880, num empreendimento de propriedade do Cel. Tomé A. de Mota, denominada Companhia Ferro Carril do Ceará.No inicio eram 25 bondes, cada um com capacidade para conduzir 25 passageiros, distribuídos em cinco bancos. Eram veiculos pequenos, modestos, adornados com cortinas que protegiam os passageiros do sol e da chuva.

Os bondes puxados a tração animal vieram para suprir a necessidade de um meio de transporte coletivo para uma cidade que crescia em espaço e em número de habitantes. Como à época era de um capitalismo que impunha um ritmo veloz de trabalho e produção, os bondes serviram de trunfo para a exigência patronal por assiduidade e pontualidade dos trabalhadores. Por outro lado, os bondes requerem maior extensão de calçamento, reduzindo o areal que tanto incomodava as pessoas e dificultava o tráfego de veículos. Por conta do calçamento de ruas, os moradores puderam recorrer, com mais conforto, ao hábito de sentar em cadeiras nas calçadas ao entardecer.
O novo equipamento também contribuiu para a valorização imobiliária das ruas em que passava, além de ter visto nascer um novo costume: o flerte entre os passageiros e moças que se postavam às janelas, para ver o bonde passar. 

 O trânsito de veiculos e pedestres na antiga Rua Formosa em 1910
O Passeio Público, por sua vez, surgiu para  satisfazer o desejo por uma área exclusiva de lazer público que outras grandes cidades brasileiras já possuíam. Deveria ser um espaço ajardinado, arejado, reservado apenas para a fruição daqueles belos tempos, onde o footing (passeio a pé), o meeting (encontro entre pessoas) e o flert (paquera) pudessem ser aprazivelmente praticados. 


O Passeio Público foi edificado no antigo Campo do Paiol, depois denominado Praça dos Mártires em homenagem aos cearenses que lutaram na Confederação do Equador e que ali foram executados. Sobranceiro ao mar e bem arborizado, o logradouro foi murado e decorado com estátuas representando divindades mitológicas gregas, além de canteiros, coreto, café, passarelas pavimentadas e longos bancos. Atração imperdível  às quintas e domingos o Passeio lotava-se de gente elegante exibindo as últimas novidades trazidas pelos navios vindos da Europa. A banda municipal embalava os namoros, os flertes e o caminhar de um lado para outro dos passantes. 


O Passeio Público era um lugar para todos, mas separadamente.  O logradouro possuía três planos; entretanto não havia nenhuma determinação oficial reservando cada um para as três distintas classes sociais. O fato acabou acontecendo naturalmente, no dizer de cronistas da época.  Mais plausível considerar que essa separação se deu por força do segregacionismo social já existente, mas então reforçado pela modernização em curso, que conferia às elites a primazia dos espaços públicos ora embelezados.

1° Plano do Passeio Público, denominado Avenida Caio Prado
Assim o primeiro plano, o mais bonito, ficou como palco para deleite das elites, enquanto o segundo e o terceiro foram ocupados, respectivamente, pelas camadas médias e populares. Desses três planos, apenas o primeiro resta atualmente. O logradouro manteve sua importância enquanto área de lazer e sociabilidade até os anos 30, quando começou a sofrer concorrência de outras atrações ligadas ao entretenimento, como o cinema, os clubes e os banhos de mar. Seu esvaziamento se completou à medida que o centro, daquela década em diante, tornou-se basicamente área comercial, forçando o deslocamento das elites e classe média para outros bairros da cidade.

Avenida Carapinima, correspondente ao 2° Plano do Passeio Público

Se o processo de remodelação de Fortaleza tinha como exemplo Paris – a metrópole mais civilizada e charmosa do século XIX, e se uma das marcas registradas desta eram os cafés, onde modernos e literatos celebravam a alegria de viver daqueles tempos, então a capital cearense deveria tê-los também. 

Café Iracema, em 1908 foto do Álbum de Vistas do Ceará

Desta forma, não foi à toa que na década de 80 quatro elegantes cafés, em estilo chalet francês, surgiram nos quatro cantos da Praça do Ferreira, o principal logradouro desde a primeira metade do século XIX. Em seu entorno estavam os principais estabelecimentos comerciais, repartições públicas e o terminal dos bondes.

 fotos do Arquivo Nirez
extraído do artigo Belle Epoque em Fortaleza: remodelação e controle
de Sebastião Rogério Ponte
publicado no livro Uma Nova História do Ceará  

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