Desde quando foi elevado à categoria de Paróquia, em 1931, o Mucuripe teve sucessivos vigários: chegavam, passavam dias, algumas semanas ou meses e depois pediam transferência. Era realmente uma paróquia difícil, uma comunidade constituída de pescadores e suas famílias que moravam em casebres, não contavam com qualquer tipo de ajuda e sofriam as maiores carências, situando-se muito aquém da linha de pobreza. Mas tinham uma grande religiosidade e depositavam suas esperanças na proteção da padroeira do lugar, Nossa Senhora da Saúde.
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Região do Farol do Mucuripe final dos anos 1930 |
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Praia do Mucuripe início dos anos 1950, cenário encontrado pelo padre Nilson |
No dia 05 de maio de 1950, assumia um novo vigário, o padre José Nilson Oliveira Lima: pouco mais de dois
anos de ordenação, vinte e poucos anos de idade. Tempo previsto de permanência:
6 meses. Logo no início, o padre se surpreendeu com o contraste entre a
esplendorosa paisagem natural e a miséria dos moradores. Começou seu reconhecimento
pelos recantos do imenso território da paróquia. Subia e descia morros, vencia
trechos prolongados no meio de um areal cansativo; Farol, Morro do Teixeira,
Encantado, Santa Teresinha, Favela Verdes Mares, Varjota, Jurema, Vila dos
Estivadores... um longo e penoso percurso que a juventude e o ardor religioso
do padre enfrentavam com entusiasmo e coragem.
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Imagem: https://www.facebook.com/acervopejosenilson/ |
Seminário da Prainha anos 1910 |
Naquele início dos anos 50, chegar ao Mucuripe era uma
aventura. Havia tão somente uma linha de ônibus – Cais do Porto – que demorava
horas, e já vinha lotado do Centro. Padre Nilson morava no Seminário da
Prainha, e pegava o ônibus em frente ao local. Tinha lugar garantido, por
mais cheio que o ônibus estivesse. Os estivadores que vinham do centro,
reservavam o seu lugar. Era conhecido dos motoristas da linha e dos demais passageiros,
estimado e respeitado por todos.
De Início o Padre Nilson criou a Associação da Juventude
Católica do Mucuripe, para encaminhamento de menores pobres, que viviam em
ambiente pernicioso, pouco recomendável a crianças, sem escola e sem regras. Incentivou
a construção do cemitério, colégio, estádio e a restauração da igreja de cima (a
atual Igreja de Nossa Senhora da Saúde, na Avenida da Abolição). Para tanto,
contava com o apoio da comunidade, de alguns políticos, e com as célebres quermesses,
que angariavam fundos para tais iniciativas.
Com o tempo, Padre Nilson passou a intervir positivamente junto as comunidades do Mucuripe: tornou-se interlocutor dos Estivadores junto às autoridades da Marinha e da administração do Porto. Foi inscrito como estivador, com direito a carteira do Sindicato, e remuneração pelos dias em que, por sorteio, era escalado para trabalhar na carga e descarga dos navios atracados. Quando vinham lhe pagar o valor da diária, sugeriu que os estivadores guardassem o dinheiro para alguma eventualidade. Mais tarde, foi aposentado como estivador do cais do Porto de Fortaleza.
Também os jangadeiros do Mucuripe tornaram Padre Nilson sócio
efetivo da Colônia Z-8. Depois da missa matinal dos domingos, o padre reunia-se
com os pescadores, e à exemplo dos estivadores, cuidava dos interesses deles
junto à Capitania dos Portos. Tornou-se um pescador de carteirinha. Gozava de
muita simpatia e total acolhida por parte das autoridades da Marinha, e sempre
era convidado para toda e qualquer solenidade promovida por eles.
As mulheres de faziam a vida na prostituição do Mucuripe
contavam com a compreensão e o acolhimento do padre Nilson. Muitas vezes, ao
chegar para rezar a missa na capelinha de baixo (atual Capela de São Pedro, na
avenida Beira Mar), o padre se deparava com algumas delas embriagadas, sentadas
à porta da Igreja. Tinham pelo padre respeito e estima. Levantavam-se quando
ele chegava, e apesar da embriaguez, não há qualquer registro de que essas
mulheres tenham sido agressivas ou tenham dirigido ao religioso qualquer
palavra grosseira.
Foi o Padre José Nilson quem orientou as mulheres a se
transferirem para a vizinhança do Farol Velho, onde estavam sendo
providenciadas acomodações com relativo conforto. Além de luz, água e
transporte coletivo; as prostitutas se estabeleceriam no entorno do farol e as
famílias residiriam mais além, em local mais tarde denominado Vicente Pinzon.
Cerca de mil e trezentas mulheres da vida fizeram esta baldeação e ali
sacramentaram a chamada Zona do Farol.
Padre Nilson chegou ao Mucuripe para ficar 6 meses, mas
acabou ficando por mais de 50 anos. Testemunhou amplas transformações no bairro,
principalmente transformações físicas, mudando quase que por inteiro aquela
visão formosa que encantou os primeiros navegantes que aportaram por aqui, nos
idos de 1500. A praia de areias brancas está reduzida a uma estreita faixa
praticamente toda ocupada por embarcações, por barraquinhas de venda de peixe
ou por equipamentos de lazer implantados pela prefeitura.
Centenas de pequenas embarcações a motor apinham as águas
calmas da baía. E as dunas de outrora cederam lugar a espigões de muitos
andares que compõem um paredão a impedir que o “Nordeste” refresque com sua
aragem a cidade calorenta. Do muito que aconteceu, Padre Nilson viu de perto. Depois
que se aposentou o padre continuou vivendo no Seminário da Prainha. Faleceu no
dia 14 de abril de 2010, aos 88 anos, deixando para todos o exemplo de uma
pessoa voltada e devotada às coisas de Deus, pela presença e solidariedade com
todos que o cercavam.
Igreja de Nossa Senhora da Saúde, construída em 1932, no cimo de uma duna |
Morro do Teixeira - 2012 |
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Região do farol, depois que a zona de prostituição foi transferida para lá |
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Mucuripe atual - vista aérea - imagem Diário do Nordeste |
Fontes:
Mucuripe, de Pinzon ao Padre Nilson de Blanchard Girão.
Edições Fundação Demócrito Rocha-1998.
Mucuripe / Audifax Rios – Fortaleza: 2013.
fotos: Arquivo Nirez, IBGE, Anuário do Ceará e Fortaleza em Fotos
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