Não havia nada de
positivo, de real, sobre os acontecimentos da Corte. Os boatos, no entanto,
fervilhavam. Dizia-se alto e em bom som – não se fazia mistério, nem se pedia
reserva – que a Monarquia caíra, e no Rio de Janeiro, fora proclamada a
República. Tudo, porém, vago, incerto, de origem duvidosa.
A primeira
comunicação, pelo fio, fora para importante casa comercial, cujo chefe em pessoa,
a levara ao presidente da Província, coronel Jerônimo Rodrigues Morais Jardim (11/10/1889-16/11/1889). Ainda assim, o
despacho telegráfico era um tanto lacônico, confuso em suas entrelinhas. Não
parecia verdadeiro. Era natural, portanto, que fosse recebido com cautela. Dizia
apenas que graves acontecimentos se desenrolavam na capital do país.
“o Ministro da Marinha, Barão de Ladário, fora mortalmente ferido por tiros e golpes de sabre ao entrar no Arsenal de Marinha. O Marechal Deodoro se colocara à frente do exército e agia contra o governo”.
Era o primeiro
anúncio do levante republicano. Correu célere como um raio. Em poucos minutos
Fortaleza em peso se manifestava. Nas praças, nas ruas, nos botequins e nos
cafés era o assunto obrigatório entre os populares. O coronel Morais Jardim,
como medida acauteladora, convocou uma reunião em palácio. Dela participaram as
pessoas mais em evidência no meio político e social.
Deodoro da Fonseca liderou o movimento para implantar a República; foi o primeiro presidente e renunciou em 1891.
O presidente expôs
a situação, gravíssima naquele momento. Falou com lealdade e franqueza, sobre o
que sentia e o que pensava. Confessou pesaroso, em face dos boatos insistentes,
as circunstâncias especiais em que se encontrava, afirmando por fim que
precisava do auxílio de todos para manter a ordem pública. E aconselhou que
aguardassem, prudentemente, os acontecimentos.
As 2 horas da
tarde de 16 de novembro de 1889, aconteceu uma grande reunião no Passeio Público,
com acalorados debates sobre o polêmico assunto. Manuel Bezerra de Albuquerque,
o principal indicador e promotor dessa reunião, João Cordeiro, João Lopes,
Barbosa Lima, Joaquim Catunda, Lobato de Castro, Bezerril Fontenele, e outros
ali se encontraram.
Todos confraternizados
com a Guarnição de 1ª. Linha e sob a indicação do primeiro citado, proclamaram “bem
e legitimamente constituído o governo provisório instalado no Rio de Janeiro,
sob a presidência do Marechal Deodoro da Fonseca. E considerando a Província do Ceará – Estado da República – aclamaram chefe do Poder Executivo neste Estado, o
tenente-coronel Luiz Antônio Ferraz, que era então, comandante do 11° Batalhão
de Infantaria.
O Passeio Público
era bastante conhecido da população. Tinha o seu passado emocionante e
glorioso. Havia sido o local onde tombaram, vítimas da rememorada Comissão
Militar, Mororó, Pessoa Anta, Carapinima, Ibiapina e Azevedo Bolão, cujas
figuras sintetizam o tributo de sangue que coube ao Ceará na temerária adesão à
Confederação do Equador.
Foi nesse
logradouro, segundo uma testemunha do fato, que em um dos bancos estava uma
bandeira com a haste respectiva, notando-se que ao invés da coroa imperial que
nela existia, havia sobreposto o símbolo da nova forma de governo.
Em passeata, Ferraz
foi conduzido ao palácio, e ao som da banda de música do batalhão de seu
comando. Lá chegando, Manuel Bezerra dirigiu-se ao presidente da Província: – “Coronel
Jardim, o povo e a tropa de mar e terra , reunidos na praça pública, acabam de
aclamar governador do Estado Livre do Ceará, o cidadão coronel Luiz Antônio
Ferraz.”
Não houve
relutância da parte do coronel Morais Jardim. O velho militar, soldado
experiente, com trinta e cinco anos de caserna, compreendeu a gravidade do momento.
Qualquer resistência seria inútil. Não contava mais com o apoio do povo. Estava
só.
Além do mais, o
governo central nada lhe dissera. Silêncio profundo. Sua provocação oficial,
perguntando com insistência o que se passava na metrópole ficara sem resposta
até aquela hora. Não havia outro remédio senão entregar-se a discrição dos seus
antagonistas.
Num discurso
incisivo, eloquente, Morais Jardim referiu-se a situação crítica da Província. Apelou
para o patriotismo dos cearenses, que no seu modo de ver, deviam manter a ordem
pública a fim de evitarem problemas maiores. Declarou por fim, ceder à vontade
do povo imposta daquele modo.
Os ânimos, porém,
já estavam por demais exaltados. Quando o coronel Jardim discursava perante a
multidão que o cercava, em justificativas do seu modo de agir, em face do
imprevisto daqueles fatos, que era o advento de um novo regime, um incidente
desagradável ao extremo, perturbou por alguns instantes a serenidade do ato.
Um Oficial de Polícia,
de nome Artur Saboia de Alencar, subiu numa cadeira, sacou de um punhal e
rasgou em contínuos golpes, o retrato de Dom Pedro II que ornava a galeria do
Palácio, atacando assim a figura varonil do velho monarca, grande benfeitor do
Ceará, que ele tanto serviu e desejava próspero e feliz. O que vale, ressaltam
os jornais da época, é que o ato de tão vil, não encontrou apoio na multidão.
Todos o censuraram.
Morais Jardim,
acabrunhado, deixou o Palácio recolhendo-se à casa do seu grande amigo
conselheiro Rodrigues Júnior. E assim foi a adesão do Ceará ao triunfante
movimento republicano de 1889.
Revista do
Instituto do Ceará, artigo de Eusébio de Sousa
1934.
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