quarta-feira, 4 de outubro de 2017

A Construção da Mobilidade

Quando visitou a então Vila de Fortaleza em 1810, o visitante britânico Henry Koster ressaltou a grande dificuldade de transportes terrestres, e a falta de um porto. “As terríveis secas que assolam a região afastam algumas ousadas esperanças no desenvolvimento de sua prosperidade”. Contra todas as evidências, contra o areal que parecia não ter fim, contra o sol escaldante, Fortaleza cresceu. Principalmente a partir da segunda metade do século XIX, por conta de um ditame econômico.

O algodão produzido no interior, beneficiado pela crise que abalara o mercado norte-americano do produto, passava pela capital para abastecer em grande medida, a indústria da Inglaterra e fomentar o capitalismo europeu. 

Ponte Metálica - Arquivo Nirez

Os ingleses suplantaram as empresas portuguesas na área e os empresários locais se aproveitaram sabiamente da conjuntura para realizar negócios com os anglo-saxões. Foi um período de esplendor financeiro, artístico, urbanístico, científico para Fortaleza.
Mas, por muito tempo, o porto foi de trapiches que se seguravam de pé à revelia do vento. Somente em 1906 surge a Ponte Metálica, erguida em concreto – um escoadouro menos improvisado para uma cidade que fazia sua fortuna da exportação de algodão pela via marítima. Localizada na Avenida Tamandaré, a Ponte Metálica seria o porto oficial da cidade até a década de 1950, quando a função foi transferida para o Mucuripe, lugar, cuja profundidade permitia a atracação de embarcações de maior porte.


Avenida Almirante Tamandaré, que já foi chamada de Avenida Atlântica (acervo Jesuíno Vianna)

Em julho de 1873, dormentes e trilhos, com a Via Férrea de Baturité passam a ligar a capital ao interior – primeiro Baturité, depois Sobral. A importância não se limitava ao simples “advento da máquina”. Era uma mudança de hábitos. O trem compartilhava o jornal, o boato; servia de relógio e esperança; despertava a necessidade de novos serviços e edificações.
O marco foi a inauguração da Estação Central; depois vem ao sul a Estação da Parangaba, antiga Arronches, inaugurada também em 1873, e, em seguida, as de Mondubim e Maracanaú (1875), Marítima (1878), Pajuçara (1918), Otávio Bonfim (1922) e Couto Fernandes (1940). Ao norte, Antônio Bezerra, Caucaia (1917) e Álvaro Weyne (1926).




A construção da Estrada de Ferro Baturité e a conexão de trem com o porto, marcam o período da economia calcada no cultivo de algodão num contexto muito favorável à Fortaleza e a todo o Estado. A cidade abre-se ao mundo e amplia sua relação com o sertão. Para que os mascates fortalezenses ganhassem dinheiro, o trem teve de se expandir e se conjugar com o porto. Mas acabou ajudando a modernizar a urbe.


Depois vieram os bondes. Só embarcava nos bondes quem estivesse decente.  Decente, no vocabulário do século XIX queria dizer paletó, colarinho, sapato. O aviso servia tanto para o transporte público, lançado em 1880, por atração animal, quanto para o elétrico, de 1913.

Os primeiros bondes, 25 ao todo, com 25 lugares cada, andavam 7.500 metros, de meia em meia hora, e enquanto houvesse passageiros nas avenidas centrais. Os bondes significaram novo e importante espaço de sociabilidade; em livros, jornais e revistas não é raro encontrar referências a conversas e acontecimentos advindos de seus bancos.

Em 1895, a concessionária dos transportes urbanos, a Companhia Ferro Carril do Ceará, contava com 11.527 metros de linha, atendendo a diversos pontos da cidade e arrabaldes, como a linha da Praia, a da Estação do Caminho de Ferro, a da Rua Padre Mororó, a de Pelotas, a da Fábrica de Tecidos, do Benfica, e a do Bouvelard Visconde do Rio Branco. 

A instalação dos serviços de transportes coletivos, possibilitou o crescimento da cidade em direção aos arrabaldes, uma vez que os que residiam fora do núcleo central passaram a utilizar os bondes em seus deslocamentos. O crescimento orientou-se para as zonas sul e oeste, no sentido oposto ao litoral. A expansão acompanha as antigas estradas do Jacarecanga, Soure, Arronches e Aquiraz.      

Foram, assim como as ferrovias, objetivados como símbolo de modernidade; não por acaso, pouco tempo depois surgiu um pasquim intitulado o Bond, contemporâneo de outros ditos jocosos. Os bondes elétricos exigiam certas características que a cidade ainda se recusava a ter.

As calçadas e os calçamentos – se estenderam ainda mais sobre o areal em brasa; as praças, sem bordas ou limites, foram redimensionadas; e o pedestre se adaptava a um trânsito ainda incipiente. Segundo Mozart Soriano Aderaldo, foi o automóvel que obrigou os administradores a melhorar a pavimentação, imaginando-se a situação provisório do trilho de pedra para ônibus, seguida do piso de concreto e, finalmente, de asfalto.

O primeiro automóvel chegou em 1909; a primeira linha de ônibus, em 1928. Mais rápidos e mais lucrativos, os ônibus aposentariam os bondes em 1947. A prefeitura vende os trilhos de aço e os fios de cobre e dá fim a uma era. Começava assim a Fortaleza movida a petróleo.

vista de Fortaleza na década de 1930

A população se multiplica vertiginosamente: 16 mil habitantes em 1863; 27 mil em 1887; 50 mil em 1900; em 1930 ultrapassa os 100 mil; em 1950, 270 mil; em 1960, 500 mil; na década de 70, atinge a casa de 1 milhão.

O quadrilátero formado pelas avenidas Duque de Caxias, Dom Manuel e Imperador, data de 1875, quando Adolfo Herbster desenhou a Planta Exacta de Fortaleza. Durante muito tempo foram as vias que delimitavam o centro da cidade. As ligações com o sertão foram determinantes neste desenho. Mas a expansão veloz a oeste e leste desafiava os urbanistas. 

fonte: Anuário de Fortaleza 
fotos arquivo Nirez

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