terça-feira, 17 de outubro de 2017

A Inauguração e os Primeiros Tempos do Teatro José de Alencar

A inauguração do Teatro José de Alencar, em 17 de junho de 1910, foi marcada por uma programação composta de apresentações musicais e inúmeros discursos oficiais, numa festa que se estendeu por três dias seguidos. Constituiu-se, sobretudo, em ato de louvor ao presidente Antônio Pinto Nogueira Accioly, que havia chegado recentemente do sul do País.


Além dos elogios de praxe, o orador oficial pregou contra a permissividade e os vícios que os atores, artistas em geral e as artes espalham na sociedade. Em artigo posterior, publicado no "O Povo", JC Alencar Araripe, assim descreve as festividades: “ tudo fora feito de maneira a emprestar a maior importância possível à recepção do prestigioso chefe político. Formaram o Batalhão de Segurança e os alunos do Liceu, realizaram-se espetáculos de gala em todos os cinemas, os cafés foram ornamentados, bandas de música alegravam a cidade com retretas, fogos de artificio subiram ao ar em várias oportunidades, e o Palacete Guarany regurgitou com um banquete de 200 talheres. A cerimônia inaugural contou com o alto mundo oficial e o escol da sociedade. O teatro, feericamente iluminado, oferecia um espetáculo soberbo.”


O programa de inauguração foi aberto por um concerto da banda sinfônica do Quartel do Batalhão de Segurança, ao término do qual o Dr. Nogueira Accioly sentou-se a uma grande mesa, colocada no centro do palco, rodeado de seu secretariado e de algumas outras figuras da elite local. Com três golpes de martelinho na mesa, Accioly declarou inaugurado solenemente o teatro.

Como orador oficial, discursou o Dr. Júlio César da Fonseca, com algum exagero verbal: “ afinal temos um teatro, depois de tantos projetos vãmente elaborados, de tantas iniciativas perdidas e tantos tentames malogrados. Está satisfeita a necessidade que cotidianamente acentuava num relevo imperiosamente clamante.” Em seguida foi executado o Hino Nacional.

O primeiro diretor do Teatro José de Alencar foi Faustino de Albuquerque, (que mais tarde seria governador do Estado). Mas somente ao final do terceiro mês de sua gestão, o teatro receberia seu batismo de grande público, com a temporada da companhia carioca de Lucília Perez, iniciada em 23 de setembro.

Aspecto da Rua Barão do Rio Branco - antiga Rua Formosa - à época da inauguração do Theatro José de Alencar

O início de funcionamento do majestoso teatro foi de altos e baixos. Várias companhias de teatro se apresentaram no local, a maioria, com grande público na estreia, e bilheteria escassa na sequência, a exemplo da temporada inaugural, que foi bem sucedida na estreia, mas já com esvaziamento de público nas apresentações seguintes. 

Em Janeiro de 1911, “A Pérola”, comédia drama de Marcelino Mesquita, consagrado autor português, apresentada pela Companhia Francisco Santos, fez temporada no teatro. Após as primeiras apresentações, o jornal “A República”, publicou a seguinte nota: “E no entanto, as bellezas de muitas scenas d’A Pérola resistiram ao ambiente de indiferença e de frieza e a correção, o calor, a vida da representação, pozeram-se em destaque na quase solidão, que reinava no recinto do teatro”.

Outra peça apresentada, “A Tosca” de Victorien Sardou, drama de grande sucesso – segundo os jornais – trazia Maria Castro como protagonista. Com esta apresentação, a famosa atriz homenagearia seus conterrâneos mais ilustres, entre eles, Papi Junior e Hermínio Barroso. E novamente, reclama o jornal: “É  injustificável essa indiferença para com uma companhia digna de nosso franco acolhimento pelo conjunto mais ou menos harmônico do seu elenco, em que se notam artistas de real merecimento e pelo primor das peças de seu variado repertório. Camarotes inteiramente vazios, frisas em sua quase totalidade abandonados, occupadas algumas dezenas de cadeiras da primeira ordem e poucas da segunda – tal era o aspecto do Theatro José de Alencar, em a noite hontem”.

Sucedem-se temporadas de peças apresentadas, com larga vantagem, por companhias de fora do Estado, algumas das quais de operetas, como a da atriz espanhola Dolores Rentini. O público, porém, continuava retraído, e as peças começaram a rarear. O insucesso era tanto, que o teatro foi forçado a fechar as portas.

Maestro Henrique Jorge com a mulher e a filha no Passeio Público. Foi um dos regentes da orquestra do Batalhão de Segurança no concerto de inauguração do teatro, e mais tarde, um dos seus diretores 

Em 1915, o maestro Henrique Jorge, então diretor do teatro, queixava-se: “a receita tem sido quase nulla, o que se explica pelo facto de ser o theatro pouco procurado para o fim a que se destina, isto, em grande parte devido aos inconvenientes acima apontados.” Os tais inconvenientes resumiam-se praticamente a um: o extremo calor que fazia no interior do teatro, devido à iluminação carbônica local, sem abertura que permitisse a circulação de ar. Além disso, o primeiro regulamento do TJA, declaradamente repressivo,  aconselhava terno e gravata para os homens, bem como traje de gala para as mulheres. O mesmo regulamento impunha a presença de três inspetores, que em comissão, censuravam textos e proibiam gestos indecorosos, além de qualquer expressão de desrespeito à moral vigente, a seus juízos.


Nesse período, os frequentadores do teatro se distribuíam desigualmente na plateia. Enquanto a elite, com seus trajes vistosos, ocupavam os camarotes, estudantes e pequenos empregados do comércio apinhavam-se nas gerais, depois chamadas torrinhas, onde as moças não deviam frequentar. Para todos havia regras rigorosas de comportamento, que incluíam desde a proibição do uso de chapéus (para não atrapalhar a visão dos demais), passando por horários precisos para o início e o término dos espetáculos, e até multas e prisões para os atores que se recusassem a representar.

Ainda em 1915, em razão da quase ausência de programação, o teatro passou dois anos de portas fechadas, tendo como principal motivo, a questão do desconforto causado pelo calor excessivo gerado pelos combustores de gás carbureto usados na iluminação. Daí o teatro passou pela sua primeira reforma, acontecida em 1918, durante o governo de João Thomé de Saboia, que mandou instalar iluminação elétrica, substituiu o asfalto do pátio interno por ladrilhos, abriu portas laterais na plateia e consertou o telhado. 

Enquanto isso, Carlos Câmara enchia, nos fins de semana, o seu teatro improvisado do Grêmio Dramático Familiar, no bairro Joaquim Távora.

Fonte:
Theatro José de Alencar – O Teatro e a Cidade 
Coordenação Editorial – Patrícia Veloso 
fotos do arquivo Nirez e do livro O Teatro e a Cidade          

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