sexta-feira, 3 de junho de 2016

Bondes e Bodegas – referências da Fortaleza dos anos 30

Os trilhos dos bondes marcavam o limite dos arrabaldes da Fortaleza dos anos 30. A cidade com menos de 200 mil habitantes, dormitava tranquila sob a proteção dos guardas civis com seus apitos e seus cassetetes de madeira, únicas armas disponíveis para impedir a ação de algum transgressor perdido na noite. Mas nem todos os bairros eram servidos pelos barulhentos tramways da companhia anglo-canadense.

  Avenida Barão de Studart, final dos anos 30 

Por esse tempo apareciam os primeiros ônibus a gasolina, servindo a linhas mais distantes e até algumas próximas ao centro. Pioneiros nesses serviços, Francisco Anísio de Oliveira Paula – pai do famoso humorista que lhe emprestou o nome – com sua empresa São José, e Oscar Pedreira, que atendia aos bairros do Jacarecanga e o então Brasil Oiticica, hoje Carlito Pamplona.

Avenida João Pessoa, à época conhecida como "Concreto da Porangaba" 

Nessa época a Avenida João Pessoa, era popularmente chamada de “concreto da Porangaba”, atual Parangaba, como viria a ser denominado o então longínquo distrito da Capital. Aquela zona da cidade, que atualmente engloba diversos e populosos bairros – jardim América, Montese, Rodolfo Teófilo, Damas, Itaoca – possuía um nome comum: Barreiros.

Por iniciativa de um de seus primeiros moradores, foi criada a Associação dos Moradores dos Barreiros. Tal como indica o nome, Barreiros era assim chamado devido ao solo da área, composto basicamente de um mineral de coloração vermelha, ideal para uso na construção civil. Os exploradores cavavam os barrancos em busca da importante matéria-prima.

Avenida João Pessoa
As residências situavam-se quase todas de um lado e de outro da longa avenida, que nascia no Benfica – onde morriam os trilhos do bonde – e se estendia em linha reta até a Parangaba. Ao longo dela, a medida que brotavam novas moradias, iam-se abrindo os becos, embriões de futuras ruas. Havia o Beco do Segundo, o Beco do Henrique Pereira, o Beco do Popó e daí por diante. 

Os nomes correspondiam aos bodegueiros da região. As bodegas, pequenas mercearias, eram os pontos de abastecimento da população suburbana. Os bodegueiros eram de primordial importância para as classes média e baixa, que moravam afastadas do centro, onde estavam localizados os estabelecimentos comerciais de maior porte, lojas, repartições, postos de saúde, farmácias, mercearias de primeira ordem (a Joana D’arc era o máximo em requinte), e os armazéns de gêneros alimentícios, situados em sua maioria nas Ruas Conde D’Eu e Governador Sampaio. Uma das grandes diversões do Barreiros eram os animados jogos de futebol no campo do Dom Bosco (hoje o lugar do campo abriga a Praça presidente Roosevelt).

Praça do Ferreira, bondes, ônibus e automóveis de aluguel 

A Fortaleza dos anos 30 gravitava em torno da Praça do Ferreira. Seus bairros não tinham autonomia, todos dependiam dos bodegueiros para a obtenção de produtos essenciais ao dia a dia. Era também interessante a reduzida capacidade aquisitiva da maior parte da população desses subúrbios, o que acabou produzindo um instrumento fundamental a sobrevivência de muitos: a caderneta. 

Continha as anotações de compras no fiado para serem pagas no final do mês. As bodegas também criavam uma grande facilidade em relação as quantidades a serem adquiridas: as vendas a retalho. Assim, era possível adquirir 200g de açúcar, meia barra de sabão, meio litro de gás (querosene para a lamparina) pois grande parte das residências ainda não dispunham de luz elétrica, tudo devidamente anotado nas cadernetas do fiado.

Avenida da Universidade, fim da linha do bonde do Benfica 

Vizinho ao Barreiros ficava o Benfica e o seu desdobramento, o Prado, servido pelos bondes da Light, ostentando ricos bangalôs, autênticas mansões dentre as quais se destacava a esplendorosa residência de José Gentil, onde presentemente está instalada a Reitoria da universidade Federal do Ceará. Milionário, das raríssimas fortunas do Ceará naquela fase histórica, José Gentil investiu na edificação de um novo bairro, a Gentilândia, ainda hoje resistindo ao tempo, com suas mesmas casas pequenas, construídas nas ruas próximas e no entorno da edificação principal, o palacete da família.

Rua dos Tabajaras, Praia de Iracema, com a Igreja de São Pedro 

Os pontos elegantes de Fortaleza nos anos 30/40, situavam-se na Praia de Iracema, em especial na Rua dos Tabajaras, servida por sua linha de bondes, cujo ponto final era ao lado da Igreja de São Pedro. Na Praia de Iracema viviam as famílias de maior poder econômico, a elite que frequentava o Praia Clube, os serões artísticos boêmios do Jangada Clube, do industrial Fernando Pinto, o restaurante afamado do espanhol Ramon, e mais a frente, o Restaurante Lido, do francês Charles e o bar do Figueiredo, no qual numa certa manhã de domingo, foi assassinado o playboy Vicente de Castro Neto.  

 fonte: Bairros Modestos e sem autonomia, de Blanchard Girão 
fotos IBGE e arquivo Nirez/publicação FortalezaemFotos

11 comentários:

Unknown disse...

Sempre muito bom ver suas publicações. Quando penso temeroso que não há mais o que postar você nos agracia com fotos e informações que nos fazem conhecer e entender melhor nossa Fortaleza. Parabéns pelo seu trabalho e pôr sua dedicação nestas realizações que muitas vezes não estão emolduradas pelos holofotes da mídia mas com certeza traz muito mais pasta cada um que, como eu, tem o privilégio de ter o acesso.

Fátima Garcia disse...

obrigada Umberto Nanni, enquanto houver leitores para apreciar nosso trabalho, estaremos por aqui com o maior prazer. abs

Unknown disse...

Queria ter nascido nessa época. Belo trabalho

Unknown disse...

Queria ter nascido nessa época. Belo trabalho

Fátima Garcia disse...

é uma época charmosa, né Tiago Freitas? obrigada pela visita

Junior disse...

Belo blog

Junior disse...

Belo blog

Fátima Garcia disse...

obrigada, Junior

Anônimo disse...

Parabéns pelo trabalho. Sou um apreciador da Fortaleza Antiga.

Kelber.

Anônimo disse...

Recentemente no Museu da Indústria havia uma exposição sobre os bondes de outrora. Já encerrada.

Unknown disse...

Oi você sabe dizer qual era a fonte de renda nessa época, já que tudo ficava muito distante.