domingo, 23 de agosto de 2015

Você doou Ouro para o Bem do Brasil?

Em 1964 uma crise política alicerçada por uma inflação devastadora, contribuiu para a eclosão de um golpe de estado que levou o Exército a comandar o país na figura do marechal Humberto de Castelo Branco. Os cofres públicos estavam vazios e o Brasil sem reservas cambiais que pudessem conter a alta exorbitante do dólar.

O cinquentenário da Campanha Ouro para o Bem do Brasil ocorreu em 2014

Diante do quadro desolador, os Diários Associados – grupo empresarial de mídia comandado por Assis Chateaubriand – buscando quem sabe, aproximação com os novos governantes, lança uma campanha na qual os brasileiros doariam suas joias em ouro recebendo em troca alianças de latão e um diploma com os dizeres: “Doei ouro para o bem do Brasil”.  A ideia era obter lastro para a moeda nacional com o ouro arrecadado.

Com chamadas e campanhas pelo rádio e televisão, mais os jornais do então poderoso grupo empresarial, a população mais humilde de São Paulo, especialmente, se comoveu com a situação difícil da nação brasileira, se mobilizando mais uma vez em um ato de cidadania. Sugeria-se que as pessoas, sendo casadas, dessem suas alianças de ouro em troca de outras em metal com a gravação da campanha símbolo da Tupi.

Assis Chateaubriand (de branco) líder do grupo empresarial "Diários Associados"
 
Muitos fizeram isso e houve ainda quem doasse colares, brincos e outros objetos de ouro, até dinheiro do próprio bolso, para ajudar o país a se levantar dos infortúnios vividos no período que antecedeu à “Redentora”, denominação dada ao golpe de estado pelos favoráveis ao novo regime, que também foi chamado em outros setores de “Revolução de 1964”.

O nome para a campanha foi inspirado em outro movimento realizado durante a Revolução Constitucionalista de 1932, onde a população doou “Ouro para o bem de São Paulo”, criando uma “moeda paulista” que circulou em todo o Estado durante o boicote comercial imposto pela ditadura Vargas, impedindo São Paulo de efetuar qualquer atividade em nível nacional.

O lançamento da versão “Ouro para o Bem do Brasil” aconteceu no início de 1964 e contou com o apoio de uma parte da população e também de algumas empresas. Prefeituras chegaram a promover manifestações com desfiles em vias públicas onde escolares portando faixas, exibiam dizeres alusivos à campanha. 

Em 13 de junho de 1964, a revista “O Cruzeiro”  apresenta um balanço parcial informando que mais de 400 quilos de ouro e cerca de meio bilhão de cruzeiros haviam sido doados pelo povo e por autoridades civis e militares: “... a campanha, primeiro grande movimento dos ‘Legionários da Democracia’, foi aberta com a presença do senador Auro Soares de Moura Andrade, presidente do Congresso Nacional, que recebeu do Sr. Edmundo Monteiro, diretor-presidente dos Associados Paulistas, a chave do cofre em que será colocado o ouro e as doações em dinheiro que serão entregues, posteriormente, ao presidente da República, Marechal Humberto Castello Branco...”

“O Governador Adhemar de Barros doou, de livre e espontânea vontade, os seus vencimentos do mês de abril, num montante de 400 mil cruzeiros...”, informa ainda a publicação, salientando que mais de 100 mil pessoas fizeram doações desde as mais modestas, até as mais abastadas, depositando cheques de até 10 milhões de cruzeiros, vindos também de várias firmas, além de carros oferecidos pela indústria automobilística nacional, e inúmeras outras doações de grande monta.

As TVs Tupi Canal 4 e Cultura Canal 2, pertencentes aos associados, transmitiam ao vivo da sede da empresa, com o repórter, José Carlos de Moraes, o “Tico – Tico” narrando que os populares que doavam objetos de ouro de uso pessoal, tais como alianças, anéis e outros, recebiam em troca uma aliança de metal com os dizeres: ‘Doei Ouro para o Bem do Brasil’.

Quem doou uma aliança de ouro ganhou, como compensação, uma aliança de latão

Apesar da campanha, seguimentos mais esclarecidos da sociedade não se mobilizaram, evidentemente porque era previsível que não se alcançaria um valor suficiente para cobrir as reservas cambiais de um país do tamanho do nosso, suprindo aquilo que se arrecada nas atividades do comércio, da indústria e da agricultura que geram empregos e proporcionam os negócios de exportação e importação, estes sim capazes de tocar a economia.

Claro que a campanha não foi adiante, entretanto jamais foi informado sobre o que foi feito com todo ouro e o dinheiro arrecadado. Por parte do governo não houve sequer a uma nota de agradecimento.Em lugar nenhum da internet, ou nos arquivos dos jornais, encontramos números definitivos dessa campanha e nem o que aconteceu com o montante obtido junto aos abnegados contribuintes.  Nunca se soube do paradeiro da chave do cofre da campanha, entregue ao senador Moura Andrade, ou se ele ficou com ela de fato. Isso nos leva a crer que a campanha “Ouro para o Bem do Brasil” não passou de um golpe aplicado contra a população honesta, mais uma malandragem entre tantas, na história do país e o pior, com o uso da mídia.

Se hoje achamos que a ladroeira alcançou níveis nunca vistos, a história dessa campanha dos Diários Associados deixa claro que a picaretagem sempre agiu solta e o que muda é a maneira como se aplica o golpe.  O lamentável é que pessoas honestas, pais de família e suas esposas que doaram as alianças que simboliza a união abençoada por Deus entre os casais, foram enganados não para o bem do Brasil, mas daqueles que enriqueceram sem que o assunto fosse sequer apurado.


A Campanha Ouro para o Bem do Brasil teve alcance nacional, e em Fortaleza, a coordenação esteve a cargo da TV Ceará, afiliada dos Diários Associados, cabendo a Igreja Católica a arrecadação de ouro junto aos fiéis.


Fonte:

http://www.jornalmovimento.com.br/geraldo-nunes/245-na-campanha-ouro-para-o-bem-do-brasil-populacao-foi-enganada-e-nunca-se-soube-onde-foi-parar-o-dinheiro-

7 comentários:

Ede disse...

Existem alguns errinhos na reportagem sobre essa campanha. Na época a campanha foi um sucesso, celebrada, no seu encerramento no estado paulista (local onde mais houve contribuições) com uma grande festa, com figuras civis e militares. O montante arrecada nos tres meses de campanha (apenas no estado de São Paulo foi de 1200 quilos de ouro e 2 bilhões de cruzeiros)
Sobre o destino do dinheiro arrecada nas duas campanhas (ouro para o bem do Brasil e Uma gota de suor pela pátria) nada se sabe até o momento

Virtual McCoy disse...

Caio Tiedt disse:
"Existem alguns errinhos na reportagem....."

Onde estão os errinhos? Gostaria que fossem identificados.

Ede disse...

Olá Augusto. Na verdade são mais informações incompletas do que erros. Diferentemente do que foi escrito na reportagem, a campanha foi um baita sucesso. Varias empresas, empresários e grandes nomes da alta sociedade doaram seus bens. Joias caríssimas foram entregues e posteriormente leiloadas. Bilhões de cruzeiros foram arrecadados por todo o país. Em SP (capital) a campanha começou dia treze de maio e foi até nove de julho. No interior do estado e em outras cidades geralmente durava uma semana. Em quase todas as cidades os locais de doação eram os Rotary e Lyons de cada município.
Estudei a campanha em meu TCC. O primeiro estudo sobre ela e seus desdobramentos. Mas uma coisa é certa. Os recursos "sumiram"

Ede disse...

E já como o post é sobre Fortaleza, nada melhor que falar um pouco sobre a campanha no estado do Ceara

"o governador do estado de Ceará e sua família, no ato de lançamento da campanha em seu estado deram um grande gesto de louvor ao novo presidente. O Governador Virgílio Tavora, foi o primeiro a fazer uma doação: Ofertou sua caneta de ouro, presente do povo cearense – quando ele assinou o termo de posse. Sua esposa também ofertou uma caneta de ouro, e seus filhos idem, uma chupeta de ouro"

SCHMITT, Éderson Ricardo. A democracia precisa de você: A campanha “Ouro para o bem do Brasil” e o processo de legitimação do golpe civil-militar de 1964. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) - Universidade Federal de Santa Catarina, 2016.p. 51-52

Unknown disse...

Não mudou nada , a mídia e os políticos continuam unidos para “como tirar o dinheiro dos brasileiros para o nosso bem” só mudaram o modo de fazer isso! Lamentável

Aidê Cerveira da Silva disse...

Era adolescente e lembro que minha mãe tirou a aliança do dedo para doar.
Éramos pobres camponeses e o valor da aliança daria pra comprar uns quilos de comida. ISSO FOI UM ROUBO CHANCELADO PELA DITADURA MILITAR!!

Anônimo disse...

Isso só mostra que militares é pra quartel, cada macaco no seu galho, porque existe economista, porque não usá-los, isso foi errado era para eles pedirem empréstimos e rolar, meu pai também deu as alianças e muitos países nos ajudaram, mandando leite, peixe meu pai falou desta época.