domingo, 16 de agosto de 2015

Os Antigos Cafés eram redutos de Intelectuais

Fossem  nas grandes capitais ou em pequenas cidades, os cafés e bares eram pontos de encontro e muita conversa fiada em torno dos mais variados assuntos, alguns de grande, outros de nenhuma importância. E eram nos cafés que ocorriam as grandes discussões sobre literatura e os assuntos relevantes da época. Os bares e cafés eram redutos masculinos, a única mulher que era vista nesses estabelecimentos do centro, se chamava Rachel de Queiroz, isso a partir dos anos 30.


Praça do Ferreira cruzamento das ruas Major Facundo e Guilherme Rocha. O sobrado mais alto, à esquerda, pertenceu ao comendador Machado, onde no térreo, funcionava o Café Riche. Na outra esquina, em frente ao sobrado, ficava a Maison Art-Nouveau. Atualmente, nesse mesmo cruzamento estão o Excelsior Hotel e o edifício Granito. Foto da 1ª metade dos anos 20 

As constantes modificações nos hábitos urbanos contribuíram para o desaparecimento dos cafés, espaços de alta expressão na vida das cidades, como foco de debates de ideias, de comentários políticos e às vezes de mexericos sociais. Alguns desses cafés, permaneceram por longos anos, servindo como ponto de encontro da elite intelectual  de Fortaleza. 

Café Java


Foi um dos pioneiros e o mais famoso deles. Por volta do ano de 1892, a boemia elegante e intelectual que marcou época em Fortaleza, fazia sua parada obrigatória no Café Java, um quiosque modesto, armado no canto da Praça do Ferreira, em frente ao edifício da Rotisserie, hoje Caixa Econômica. Naquele local nasceu a controvertida Padaria Espiritual, assinalando uma das épocas mais curiosas da história de Fortaleza.

O Café Java tinha na figura do seu proprietário, que se chamava Manoel Pereira dos Santos, e atendia pela alcunha de Mané Coco, um dos tipos mais bizarros daqueles tempos. O Mané Coco – segundo a descrição de Antônio Sales – era uma excelente pessoa, muito inteligente, embora destituído de cultura. Apreciava aquela mocidade que, a pretexto de um cafezinho no seu estabelecimento, vinha prosar e poetizar.

Primeiro chegou Antônio Sales, o dos Versos Diversos de 1890. Depois se juntam 34 moços, metade poetas: funcionários da alfândega, caixeiros, migrantes. Estava formado o embrião do grupo literário que ficou conhecido como “Padaria Espiritual”. 

Na reforma feita na praça na primeira gestão do Prefeito Godofredo Maciel , em 1920, os quiosques foram demolidos. Sobre o episódio, Antônio Sales escreveu estas palavras de mágoa: esta noite, ao sair do cinema, parei defronte dos destroços fúnebres do Café Java, sacrificado à estética da Praça do Ferreira, que é o centro vital de nossa urbe. E nessa contemplação, veio-me uma grande tristeza e uma grande saudade. Ali reinou Mané Coco, o fundador dessa instituição popular que era o café, hoje desaparecido. 

Maison Art-Nouveau


Surgiu em 1907 no cruzamento das ruas Major Facundo e Guilherme Rocha, no lugar do atual Edifício Granito. Fora uma casa de louça e vidros – Casa Almeida – de que era sócio José Rola. Ao mudar-se para a esquina das ruas Guilherme Rocha e Barão do Rio Branco, ele abriu um bar-confeitaria e um teatrinho, onde funcionou o Cinema Di Maio e depois o Cinema Riche. 

Do Art-Nouveau era seu sócio o genro Augusto Fiúza Pequeno, que ficando responsável pelo negócio, associou-se a Hildebrando Acioli. Esteve a Maison daí por diante, ora nas mãos do dono, ora dos arrendatários.

Os dois irmãos Eugênio a exploraram durante largo período – 22 de junho de 1922 a 12 de outubro de 1928, dia em que a repassaram para Edilberto Góis Ferreira. O russo Jacó Braunstein foi o último arrendatário.

A história elegante e literária de Fortaleza não pode ser contada sem a Art-Nouveau, pois veio ela a suprir velha lacuna, propiciando ao mundo chique  e literário os mais eufóricos encontros, num intercâmbio de amizades, camaradagens e trocas de ideias. O Art-Nouveau reunia em suas mesas, palestrantes, poetas, homens de letras, cronistas, historiadores e humoristas, os mais diversos. Presenças que conferiam prestigio ao estabelecimento, mas que pouco rendiam em termos financeiros.

A abertura do Café Riche, em frente, abalou sensivelmente o movimento da Maison, porém foi retomado à medida que aquele fracassava, invadida as suas mesas por malandros e gente de menor aceitação. Paralelamente ocupavam bancas da Art-Nouveau muitos empregados do comércio, que aproveitavam para isso o pequeno intervalo do almoço; quase todos os alunos da Escola de Comércio Fênix Caixeiral e clientes com menor poder aquisitivo. A Maison encerrou suas atividades ao ser consumida por um incêndio por volta de 1930. 

Café Riche


Foi inaugurado no dia 21 de setembro de 1913, de propriedade de Alfredo Salgado e Luiz Severiano Ribeiro, o futuro rei do cinema no Brasil. Ocupava o andar térreo do sobrado, enquanto nos andares superiores funcionava o Hotel Central. Vizinho, um casal de americanos havia iniciado a exploração do restaurante Black and White, gerenciado por João Quinderé. Como não tinha condições de se manter, foi anexado ao Café Riche, que foi ampliado com uma seção onde eram servidas refeições.

O edifício do Café e do Hotel era o sobradão mandado construir em 1825, pelo Comendador José Antônio Machado. A construção foi confiada ao Coronel Conrado Jacó de Niemeyer (o mesmo homem que atuou como presidente da Comissão Militar responsável pelo fuzilamento dos heróis da República do Equador, em 1825, no Passeio Público).   

Por esse tempo havia a crença de que o solo arenoso, de areias frouxas não suportaria a construção de uma casa daquela altura. Até os pedreiros mostraram receio, mas foram obrigados a levantar a obra com o auxilio dos presos da Cadeia do Crime. E nenhuma construção da cidade enfrentou tão bem as intempéries.

A sua demolição ocorreu em 1927, quando estava o sobrado na posse e domínio do capitalista Plácido de Carvalho. Para isso, no ano anterior, o Riche havia sido fechado. Antes, habitaram os dois andares de cima, a Família Gradvohl, ocupados os baixos pela Loja Boa Fé, de Gradvohl & Picard, firma que transformou em Gradvohl Frères.

O Café Riche apresentava relativo luxo e servia bem, razão pela qual ia sendo procurado, em prejuízo da Maison. A roda de intelectuais que ali assistia destacou-se pelo bom padrão dos seus integrantes. Para maior bem estar da freguesia eram colocados, à tarde, mesinhas desarmáveis num tablado que avançava contra a Rua Major Facundo, cobrindo a sarjeta e, assim, ampliando a calçada. As mesas internas eram de mármore, oitavadas e de tripés de ferro prateado, imitando galhos retorcidos.

Na alvura do mármore, muitas poesias foram escritas, reproduzidas ou ali mesmo improvisadas.   De repente o Café Riche começou a decair, ao ter suas mesas invadidas por malandros e pessoas de menor aceitação. Os clientes tradicionais debandaram em busca de novos espaços, e o café fechou suas portas em 1926.

Fonte:
Raimundo Girão – Geografia Estética de Fortaleza
Otacílio de Azevedo – Fortaleza Descalça
fotos do Arquivo Nirez 

Um comentário:

socorro costa disse...

Lnda minha querida formosinha FORTALEZA.Lógico que não vivi essa época,mas que dá uma nostalgia ver uma cidade como a nossa tão bela, de uma arquitetura desse padrão ter hoje ,tão pouca coisa preservada.Para minha pessoa,acho lástimavel.Muito feliz por conhecer um pouco da nossa histótia contada por uma pessoa inteligente.Parabéns ,muito bom mesmo.